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terça-feira, junho 21, 2011

Aula 36 do Curso Intensivo de Rock: The Doors


Entre os pioneiros do acid rock, os Doors tiveram vida curta, mas gloriosa.

Do estouro nas paradas com “Light My Fire” no Verão do Amor (1967) até a desagregação final com a morte de Jim Morrison em Paris (1971), foi uma das bandas mais carismáticas do rock, a serviço não simplesmente da canção (como os Beatles), mas da revolução, carregando seus concertos com cenas de utopia explícita.

Nenhum álbum dá melhor o clima das apresentações dos Doors do que “Absolutely Live”.

Gravado durante shows nos Estados Unidos entre agosto de 1969 (o mês de Woodstock, ao qual os Doors não compareceram) e junho de 1970, o disco mostra que o lance do grupo era mesmo a descontração do blues e se não a improvisação total, pelo menos aquele gosto pela espontaneidade que é a força maior do jazz.

A bateria de John Densmore, por exemplo, mostra que ele – como Charlie Watts, dos Rolling Stones – se formou ouvindo mais jazz do que rock.

Ray Manzarek – como o diabo gosta nos teclados – também destila nos seus longos solos uma paixão pelo improviso, enquanto a guitarra lancinante de Robbie Krieger presta as devidas homenagens ao rhythm & blues.

Mas, mesmo se o instrumental é vigoroso e vibrante, a alma dos Doors está contida é nos vocais desesperados de Morrison.

Jim Morrison tinha como mote o verso “O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria”, do poeta inglês William Blake.

Esse escritor o influenciou na própria escolha do nome “The Doors” (“As Portas”), por meio de dois outros versos: “Existem coisas conhecidas e coisas desconhecidas; entre elas há portas” e “Se as portas da percepção fossem purificadas, tudo apareceria ao homem como é na verdade, infinito”.


Todo o “excesso” de Morrison – no sexo, nas drogas e no álcool –, porém, tinha como contrapartida a “sabedoria”, adquirida pelas leituras de poetas malditos franceses como Baudelaire, Verlaine e Rimbaud, além de escritores americanos como Walt Whitman e Dylan Thomas.

Uma alquimia de rock’n’ roll com literatura que influenciaria vários artistas: Iggy Pop, Patti Smith, Joy Division, Echo & The Bunnymen e The Smiths poderiam ser citados como “discípulos”.

Com a sua boa-pinta de “american dream” – o sonho de toda adolescente americana na virada dos anos 60/70 –, Morrison não se deixou seduzir pelo sucesso.

Pelo contrário, desde que eles gravaram o seu magnífico disco de estréia, a experimentação foi a mola-mestra do grupo, especialmente ao vivo.

Por isso, “Absolutely Live”, lançado em julho de 1970, é tão importante.

Editado em vinil como um álbum duplo, o primeiro disco ao vivo dos Doors – gravado durante vários shows – é bem melhor que “Alive She Cried” (1983) e “Live At the Hollywood Bowl” (1987).

Na abertura, o apresentador em Filadélfia já revela: “Ninguém esperava que iríamos ter The Doors aqui hoje à noite, mas conseguimos” (referindo-se a um show anterior do grupo em Miami, no qual Morrison foi preso por ter “simulado” cenas de sexo com o guitarrista Robbie Krieger).

Daí, o disco começa com uma poderosa releitura de “Who Do You Love?”, de Bo Diddley.

Duas outras covers do álbum vêm na seqüência: “Alabama Song (Whiskey Bar)”, inspirada recriação do clássico de Kurt Weill e Bertold Bretch, e “Backdoor Man”, genial sacanagem sobre o “ricardão” do bluesman Willie Dixon (“Sou o homem da porta dos fundos / Os caras não sabem/ Mas as menininhas entendem”).

Ambas acabam emendadas com a inédita “Love Hides” (“O amor se esconde nos lugares mais estranhos / O amor se esconde no meio dos seus rostos”) e “Five To One”.

Outra inédita, “Build Me A Woman”, segue numa linha de puro rhythm and blues e poderia encaixar-se com perfeição no álbum anterior do grupo, “Morrison Hotel”, basicamente devotado ao estilo.

Depois surge um dos grandes achados do disco: “When The Music’s Over”, em uma versão de quase 15 minutos repleta de improvisações, que variam entre climas etéreos e passagens pesadas, até que a melodia é conduzida em pianíssimo pelo teclado de Manzarek, pouco a pouco sendo coberta pelos gritos da audiência.


De repente, Morrison urra no microfone: “Calem-se! Vocês não sabem como se comportar em um concerto de rock?” E continua: “Vocês não vão querer ouvir isso por mais meia-hora, não é?” (referindo-se à seqüência de duas notas tocadas por Manzarek no órgão), para depois explodir: “Nós queremos o mundo / E o queremos agora!”

“Close to You”, mais uma canção assinada pelo mestre do blues de Chicago, Willie Dixon, retoma o pique.

E “Universal Mind” também é um número registrado aqui pela primeira vez, como uma espécie de blues psicodélico, enquanto “Petition The Lord With Prayer” é o poema declamado por Morrison na faixa-título do álbum “Soft Parade”.

Depois do balanço de “Break On Throught (To the Other Side)” – introduzida por uma variação da canção chamada “Dead Cats, Dead Rats” –, a atenção se volta para o único registro integral da suíte “The Celebration Of The Lizard”.

A faixa, além de render a Morrison o epíteto de “King Lizard” (“Rei Lagarto”), seria o tema principal e o título do terceiro álbum dos Doors (que acabou por chamar-se “Waiting For The Sun”, ao ser lançado em 1968).

O poema acabou saindo integralmente na capa interna do disco, mas apenas um excerto dele foi traduzido em forma musical ali: “Not To Touch The Earth”.

Tudo em razão das desavenças musicais e dos porres constantes de Morrison.

Portanto, só em “Absolutely Live” o fã pode “celebrar o lagarto” por inteiro.

E adrenalina é o que não falta na canção final do disco, “Soul Kitchen”, do primeiro álbum do grupo.

Para resumir, pode-se dizer que esse é um dos grandes discos de rock gravados ao vivo.

Digno de figurar numa galeria que inclui “Kick Out The Jams” (MC5), “Slade Alive” (Slade) e “Rock’n Roll Animal” (Lou Reed).


A gênese dos Doors começa em Venice, Califórnia, em julho de 65.

Ray Manzarek, tecladista, 22 anos, encontra na praia seu amigo James Douglas Morrison, 21 anos, estudante na Universidade da Califórnia, amante da poesia de Blake e da filosofia de Nietzsche.

Jim diz a Ray que anda compondo poemas. E canta uma estrofe: “Vamos nadar para a lua / Vamos montar a maré / Penetrar no fundo da noite / Que o sono da cidade esconde”.

Ray perde a respiração. Conversam. E naquele dia, na praia, surge o conceito/idéia/banda The Doors, em cima de uma expressão daquele poema de Blake e também do livro de Huxley sobre a mescalina, o já citado “As Portas da Percepção”.

Louvado seja aquele dia. E maldito.

Porque com os Doors nasceu uma das mais espantosas viagens, na história da música popular, em torno de temas perenes: medo, terror, pavor, violência, a culpa sem possibilidade de redenção, os desencontros do amor e a inevitabilidade da morte.

O magnetismo animal e manipulações do inconsciente coletivo de Morrison excitavam homens e mulheres a níveis de absoluta selvageria.

Era uma atmosfera lisérgica, um eterno “retorno do reprimido”, uma catarse ritualística, uma política carregada de eletricidade.

O álbum “The Doors”, lançado nos EUA em janeiro de 67, com a psicodelia rachando os neurônios da garotada planetária, já continha todas as sementes da destruição posterior.

Ainda hoje, pode ser considerado o grande álbum daquele ano mágico, mais devastador do que o antológico “Sgt. Pepper’s” e um dos cinco maiores LPs de rock em todos os tempos.

No Brasil – vergonha! – saiu em pequena tiragem pela WEA, esgotou e não foi reeditado até hoje.


Na verdade, o melhor álbum dos Doors é sempre o que está tocando na nossa cabeça, seja a coletânea de hits “The Doors” (saiu no Brasil), o clássico “L.A. Woman” (idem) ou um pirata australiano como “The Doors Archive” (o som é ruim, mas as perfomances são do balacobaco).

A obra-prima de 67, que fundiu todos os circuitos do produtor Paul Rothschild, tem o mérito de apresentá-lo em estado bruto: a guitarra fluida de Robbie Krieger, a bateria segura, porém jazzística de John Densmore, o teclado de fundo-de-garagem cósmica em que Manzarek dedilha contrapontos e os urros, gritos primais, deboche, sofrimento e poesia das esferas de Morrison.

Tudo isso gravado em quatro canais!

O negócio dos Doors era hard rock com sobretons psicodélicos.

Nos improvisos, viravam uma banda de blues elétricos que ficaria à vontade em qualquer madrugada de bar.

Jim tirava algumas de suas letras de Nietzsche, o lúcido mais louco da história do pensamento humano.

Combinava Nietzsche com um pouco de psicologia e uma série de grandes imagens – mar, sol, terra, monte.

Esta era a terapia que recomendava ao público: vamos ser mais reais (uma de suas primeiras canções foi “You Make Me Real”), vamos cortar os laços com o establishment, nadar nas emoções, sofrer uma morte e renascimento simbólico, e prosseguir como novos seres, livres do pesadelo da História e dos traumas pessoais.


O disco de estréia tem desde o feroz “blues do ricardão” (“Backdoor Man”) ao hino de uma geração inteira (“Light My Fire”), com seu imaginário baseado nos elementos vitais e a antológica progressão clássica de Manzarek, passando pelas intimações poéticas de “Moonlight Drive”.

Mas o bombardeio de napalm da psique é mesmo “The End”.

Talvez a música mais facilmente reconhecida da banda, “The End” é o drama edipiano de Morrison expurgado em vinil.

É o fim de todas as regras, dos “planos elaborados”, o fim “da escuridão e das luzes suaves”, quando Morrison toma uma carona no “ônibus azul” da psicodelia, mata o pai e transa com a mãe, enquanto os Doors, no fundo, constroem uma paisagem sonora alucinógena e orientalizante.

Depois do fim, seu inferno.

Morrison viveu no purgatório: caiu no álcool pesado, virou paródia de si mesmo, produziu outras obras-primas em flashes de lucidez e foi ao Velho Mundo perseguir uma fantasia literária, ainda sendo influenciado pela poesia de Rimbaud e crente de que tinha uma ancestralidade indígena.

Queria algo mais do que botar fogo num palco – coisa que sabia fazer como ninguém.


Em 1971, logo após o lançamento do álbum “L.A. Woman”, ele mudou-se para Paris com a namorada, Pamela Courson, dizendo que ia imergir de forma mais definitiva em sua busca poética.

Em julho, foi encontrado morto, supostamente por overdose – embora a autópsia oficial não tenha confirmado isso.

Muitos dos seus fãs crêem que ele, como Elvis, teria forjado a própria morte e saído de cena para viver uma vida plácida, cultivando um jardim em algum recanto da Bretanha.

Após sua morte, os Doors remanescentes tentaram levar o grupo adiante, sem sucesso.

Depois, mantiveram-se ativos em carreiras-solo pouco convincentes.

Morrison era o elã vital.

Sua música e seu temperamento ressurgem sempre com ímpeto e energia, como quando Francis Ford Coppola incluiu “The End” na trilha de “Apocalypse Now” ou na época que Oliver Stone fez o filme em homenagem à banda (com Val Kilmer no papel do cantor).

“No One Here Gets Out Alive” (“Daqui ninguém sai vivo”), dizia o título de um documentário lançado em 1979 e que foi relançado em 2001 com quatro CDs “novos” dos Doors.

Jim Morrison antecipou sua saída de campo e garantiu sua eternidade.

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