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sexta-feira, junho 03, 2011

Aula 58 do Curso Intensivo de Rock: The Clash


Bom, mas voltemos a 1979.

Três anos depois do verão punk, o establishment pop ainda lambia suas feridas.

Aqueles Sex Pistols de Malcolm McLaren eram uma brincadeira de mau gosto.

E – impensável – se eles fossem importantes, mesmo sendo uma brincadeira de mau gosto?

Aliás, se tudo aquilo fosse importante exatamente por ser uma brincadeira de mau gosto?

Desde os Beatles, os 60 e a politização/ psicodelização do rock, a indústria não via questões tão profundas e tão graves ameaçando as regras do (seu) jogo.

A primeira metade dos 70 trouxe uma paz confortadora, em que bons negócios eram possíveis com um mínimo de tumultos e confrontos.

A indústria tinha um produto de aceitação certa e imediata, e os consumidores pareciam felizes.

Por que e de onde vinha essa insurreição?

E que momento péssimo haviam escolhido para atacar: exatamente quando, dos clubes gays undergrounds, o fenômeno da “disco music” avançava sobre as hordas de adolescentes.

Mas o pior ainda estava por vir: em 1979, o establishment descobriu que a rebelião tinha um cérebro, além de uma voz.

E foi o LP “London Calling”, do Clash, que proclamou isto.

O Clash surgiu na primeira hora do verão londrino de 1976.


No início, eles eram Joe Strummer (nascido na Turquia, filho de um diplomata inglês, nos vocais e guitarra), Mick Jones e Paul Simonon (guitarra e baixo, respectivamente, ambos de origem operária, do bairro proletário londrino de Brixton), mais Keith Levene (guitarrista que saiu ainda antes do primeiro disco e depois foi tocar com o PiL, grupo que Johnny Rotten formou depois dos Sex Pistols) e Tory Crimes (baterista que se chamava Terry Chimes, mas usava esse pseudônimo para achincalhar o Tory, partido conservador britânico).

A banda tinha tudo para não dar certo.

Strummer vinha de uma carreira de performances no metrô, onde declamava poesias, e se apresentava à frente de uma medíocre banda de pubs (os 101’ers).

Simonon era um estudante de arte que jamais havia pegado num baixo e Jones também vinha da cena de pubs (era garçom em algumas bibocas e dedilhava um violão sofrível nos intervalos dos shows ao vivo).

Mesmo sem saber tocar direito, o grupo abriu concertos dos Pistols em 76 e, um ano depois, assinou um contrato vultoso para a época, com 200 mil dólares de adiantamento.

Os dois primeiros discos desse contrato – “The Clash” e “Give’Em Enough Rope” – já revelavam claramente o que o Clash pretendia: de dentro da barragem alucinante de decibéis erguida por Jones, Strummer cantava articuladamente uma inquietação social e política que os Pistols conheciam, mas tratavam com um ódio brutal e amorfo.

Só que, na época, a forma triunfou sobre o conteúdo, iludindo a todos, sem sequer antecipar o que seria “London Calling”.


Em abril de 1977, já sem Levene, o grupo lançou seu álbum homônimo de estréia, com petardos punks como “White Riot” e “London’s Burning”, além da primeira rendição ao reggae feita pelo movimento, com a versão para “Police And Thieves”, de Junior Murvin e Lee “Scratch” Perry.

Logo, Crimes abandonou o barco e foi substituído por Nicky “Topper” Headon, que veio consolidar a formação clássica do quarteto.

Com ela, a banda começou com “Give’Em Enough Rope” (1978), mas atingiu seu apogeu com “London Calling (álbum duplo lançado em dezembro de 1979), em que, sobre uma base que incluía rockabilly (“Brand New Cadillac”), ska (“Hateful”) e até jazz (“Jimmy Jazz”), o grupo opinava sobre a guerrilha urbana da era Tatcher (a faixa-título, “The Guns Of Brixton”, “Revolution Rock”), o consumismo desenfreado (“Lost In The Supermarket”) e até sobre a guerra civil espanhola (“Spanish Bombs”).

O álbum foi um clarão de lucidez e coerência como nem o rock nem o Clash conheceriam depois.

As dezenove faixas do disco – a última, “Train In Vain”, não está creditada na capa – interligam-se para formar ao mesmo tempo um painel da Inglaterra sob Margareth Thatcher – relutantemente multirracial, bacia de fermentação de ódios e frustrações – e de um mundo apenas aparentemente sob controle, mas impulsionado por armas, drogas e guerras sob encomenda.

A música tem uma riqueza de texturas que o punk desconhecia: o Clash canta o ska e o reggae pesado da Londres negra (“The Guns Of Brixton”, “Rudie Can’t Fail”, “Wrong’Em Boyo”) e puxa o longo fio ancestral que vai até os anos 50 e o jazz.

O impacto de “London Calling” abriu clareiras em todas as frentes.

Para a platéia punk, ele disse que a fúria podia e devia ser organizada, e que a lucidez e a curiosidade eram as únicas saídas estéticas possíveis antes da caricatura e da dissolução.

Para o resto do público, o álbum restaurou a fé num gênero em visível decadência, o rock.

Para o próprio Clash, o disco foi a bateria energética que o impulsionou freneticamente durante um inacreditável par de anos, até caírem exaustos ao chão das realidades mesquinhas dos business.


Um ano depois, o quarteto lançaria “Sandinista!”, disco dedicado ao partido revolucionário nicaraguense.

O álbum triplo – na edição original vendido pelo preço de um button, por exigência do grupo junto à gravadora CBS – era recheado de experiências com dubs (“Junco Partner”, “If Music Could Talk”), sem esquecer as canções raivosas da dupla Strummer/Jones (“Somebody Got Murdered”, “The Call Up”).

O último grande álbum de The Clash foi, com certeza, “Combat Rock” (1982).

Além de hits como “Should I Stay Or Should I Go” e “Rock The Casbah”, o disco continha até backing vocals do poeta beat Allen Ginsberg, com a banda enveredando com responsabilidade por ritmos como o funk e o rap.

Depois disso, o caos se instaurou.

Primeiro foi Headon, que pelo vício da heroína, teve de sair.

Logo eles reconvocaram Crimes, com quem fizeram uma última turnê.

Mas então Jones largou a banda para formar o Big Audio Dynamite, enquanto Simonon criou o Havana 3 A.M.

A bruxa estava solta.

Joe Strummer ainda tentou segurar a onda, recrutando novos músicos para gravar “Cut The Crap” (1985), o derradeiro e um tanto patético álbum de despedida do grupo, e prosseguiu em uma errática carreira-solo, sem maiores vôos – à exceção de substituir Shane MacGowan, à frente dos irlandeses The Pogues, durante certo tempo.

Strummer liderava a banda Los Mescaleros quando faleceu, vítima de um ataque cardíaco, em dezembro de 2002.

À maneira de John Lennon, mais outra tentativa de revolucionar a vida através do rock chegava ao fim.


Apesar de tudo, o movimento punk teve um papel capital nas mudanças comportamentais da juventude do planeta, tanto que só agora está sendo melhor avaliado.

No plano da indumentária, eles favoreceram o uso de roupas justas e esfarrapadas, que acabaram virando moda no final dos anos 90.

O look consistia, inicialmente, de cabelos curtos espetados, calças e camisetas rasgadas e jaquetas de couro.

O sapato era um tipo de coturno, chamado boover.

Segundo a sua mitologia, foi de um rasgão de jeans que nasceu o emblema do movimento: o alfinete de fralda.

Um punk pobre, sem saber como consertar a calça rasgada, a remendou com uns 200 alfinetes de fralda (quem teria tido o saco de contar?).

Da roupa, estes alfinetes se estenderam pelo corpo, transformando-se em enfeites e, em alguns casos, foram colocados nas orelhas, nas bochechas e nos umbigos, transpassando a carne, como emblemas de machismo.

Nos anos 90, esse velho modismo retornaria com força total, sob o nome de “piercing”, para deleite das patricinhas e dos rebeldes de boutique.

Naquela época, o buraco era mais embaixo.

Até as mulheres ligadas ao movimento gostavam de parecer ferozes.


As garotas punks, exageradamente maquiadas, os olhos manchados por um rímel espesso de má qualidade e às vezes cercado por uma espécie de máscara de fantasma das histórias em quadrinhos, desenhada com lápis preto cremoso diretamente na pele, os lábios coloridos em púrpura ou azul sombrio e os dentes como que cheios de tinta, usavam corseletes e blusas decotadas de taberneiras de saloon ou de bordel, que comprimiam e realçavam o busto, e minissaias tão curtas que revelavam a pele leitosa de suas coxas acima da liga de mau gosto que prendia as meias rendadas, grosseiramente tecidas e rasgadas em grandes buracos irregulares feito mendigas.

Todas se empoleiravam sobre saltos agulha instáveis que usavam sem a menor feminilidade, andando com largos passos ou cobrindo as pernas com espetaculares escarcelas de motociclistas de cor preta luzidia.

Os materiais de suas roupas eram pobres – tecidos sintéticos, skai, plástico ou borracha – as cores berrantes e falsas – pretos, é claro, mas também vermelhos sanguinolentos, cremes fétidos e rosas murchos, extenuados, cor de prazeres torpes e contrariados – e os motivos dos estampados, deliberadamente baratos, eram um falso leopardo, uma imitação de renda, um sucedâneo de gaze.

E elas usavam esses apetrechos com um ar de abandono atrevido que lhes proporcionava o aspecto e os gestos das prostitutas de baixo nível quando fazem o “trottoir”.


Os rapazes sonhavam em ser transviados, depravados, bandidos, assassinos, anticristos.

Queriam ser degoladores, maníacos, Jack O Estripador, SS dos campos de concentração, Quasímodos surgidos de fronteiras incertas da grande cidade, vindo rondar os bairros ricos, loucos, retardados, coxos, desequilibrados.

Alguns usavam uniformes e bonés da Wehrmacht com braçadeiras nazistas, outros, o pijama listrado dos condenados com seu nome impresso em letras maiúsculas.

Vários deles, inspirando-se na imagística mais caricatural das taras sexuais, usavam máscaras de estupradores ou então longas capas de exibicionistas, outros deformavam o rosto cobrindo-os com uma meia de mulher.

E podia-se ver até alguns perambulando pelas ruas, com ratos mortos, inchados pela decomposição, presos aos seus blusões.

Seu desejo de “depravação” parecia não ter limites.

Quanto às moças, sonhavam alternadamente – se não ao mesmo tempo – em ser amantes tirânicas, Gwendolianas dos trottoirs, domadoras dos mais baixos instintos masculinos ou então putas, vagabundas e escravas sexuais dos mais baixos desejos.

Muitas delas, unindo o símbolo à intenção, traziam o pescoço preso em correntes de grandes pregos de aço, e se deixavam arrastar como cadelas!


Vivienne Westwood, inspirando-se nas idéias iniciais dos punks, levou-as ao extremo.

Ela introduziu as calças de prisioneiro – onde as pernas eram presas por um cordão com aproximadamente um passo de comprimento –, as camisetas apresentando mensagens revolucionárias que mais pareciam panfletos, as cristas coloridas de corte moicano e o make up agressivo das correntes com pulseiras de couro (“hand guard”) cravejadas de tachinhas.

O resultado foi uma explosão de couro, zíperes, roupas rasgadas, correntes, alfinetes e cores brilhantes.

Coincidência ou não, no mesmo ano em que a cena punk ganhava a mídia do planeta, uma nova tribo urbana começava a mostrar seus caninos.


Os “skinheads” (“cabeças peladas”) vinham do mesmo meio social que os punks, mas curtiam outro tipo de música (o ska e o reggae jamaicano) e só muito mais tarde foram se interessar pelo rock.

O que se sabe é que devido à imigração em massa das Antilhas Britânicas para a Inglaterra, após a independência da Jamaica em 1962, a música negra jamaicana atingiu a Grã-Bretanha muito antes de ser ouvida com regularidade no resto do mundo.

Acontece que quando o reggae chegou na Inglaterra, ele não foi levado muito a sério.

Os DJs ridicularizavam abertamente as mensagens das letras e a novas canções vindas da Jamaica eram tocadas desdenhosamente pelos programadores musicais, com a única intenção de se mostrarem abertos aos novos sons do planeta.


Ironicamente, foi no movimento racista dos skinheads (a quintessência de tudo que os rastafaris combatiam) que o canto melodioso do reggae bateu no paladar.

Sucessores dos mods (daí terem quase o mesmo gosto musical), os skinheads quando não estavam espancando os imigrantes asiáticos, destruindo estações de metrô depois de algum jogo de futebol ou perseguindo homossexuais, costumavam encontrar-se em muitas das discotecas especializadas no ritmo jamaicano, bastante comuns na periferia de Londres a partir de 1974.

Se o reggae algum dia sonhou em se tornar respeitável na pérfida Albion, sua ligação com os skinheads, a variante inglesa dos rude boys jamaicanos, resolveu esse problema de uma vez por todas: o reggae passou a ser visto, definitivamente, como uma música que incitava à violência e fazia a cabeça de desordeiros e drogados de todos os calibres.

Os skinheads, ao contrário dos mods, não tomam drogas químicas.

Como o movimento deles, por si só, já é uma grande droga, eles preferem o álcool.

Esvaziado como estética de contestação, o movimento dos carecas sobrevive como um arremedo de si mesmo.

Caiu a bandeira da insurgência e ficou a corrente com cadeado na ponta.

São racistas e adotaram uma filosofia neonazista, mas tiveram que diluir a mensagem e se fixar apenas nos ideais nacionalistas.

Os carecas praticam musculação e lutas marciais, gostam de esportes de massas e costumam divertir-se promovendo verdadeiras caçadas a homossexuais, imigrantes, negros e judeus.

Para tanto, vão preparados com facas, machados, soco inglês, correntes com cadeados na ponta, canivetes, revólveres e tacos de beisebol.


É com esse arsenal que os skinheads costumam freqüentar até mesmo as festas que promovem.

Em baile de skinheads só entra homem.

A diversão é dançar como se estivessem dando socos, cotoveladas e pontapés em algum inimigo imaginário.

Lembra a dança pogo, dos punks, mas é mil vezes mais violenta.

Os skinheads costumam encher a cara de birita, até não se agüentarem mais de pé.

Chamam a isso de ficar viajandão.

Depois escolhem um novato e batem nele até o sujeito desmaiar.

Chamam a isso de batizado.

Aí cada um faz duzentas flexões abdominais, setenta e cinco apoios, pagam cento e cinqüenta cangurus e vão pra casa dormir.

Chamam a isso de programa animal.

O racismo apareceu no movimento pelo partido neonazista National Front, que apontava nas letras da música rastafari indícios de racismo contra os brancos.

Esse argumento levou alguns skinheads para o nazi-fascismo, originando a facção mais conservadora ainda chamada “White Power” (“Poder Branco”).

A expressão “white power” originou uma canção homônima da banda londrina Screwdriver, gravada em 1982, que prega o domínio da raça ariana na Inglaterra.

Na década de 90, surgiram os Sharps – Skinheads against racial prejudice (“Carecas contra o preconceito racial”).

Essa facção mais politicamente correta e diferente das outras, segue o lema “Orgulho sem Preconceito”, prega a igualdade entre as raças e não discrimina homossexuais, imigrantes ou judeus.

Também se consideram os legítimos representantes da filosofia skin e mantêm os ideais originais do movimento: nacionalismo, combate às drogas e defesa da classe operária.


O visual dos skinheads é manjado: coturnos, jeans escuro, camiseta branca, suspensórios e cabelos raspados com navalha.

Hoje em dia, o estilo musical preferido dos skins se chama “oi” (nome de uma gíria cockney para a expressão “e aí, vai encarar?”).

O oi é uma espécie de ska degenerado, com andamento um pouco mais lento e ritmado.

A princípio, qualquer banda de rock pode ser adotada pelos carecas.

Contradições à parte, já foi visto que no início essas gangues nazistas adotaram justamente um som negro para lhe servir de trilha: o ska jamaicano dos anos 60.

Um bom exemplo era a banda inglesa de ska Bad Manners (que por acaso tinha um careca de verdade nos vocais).

Os skins simplesmente idolatravam o grupo.

Mas como sempre acontece, logo que a banda chegou aos primeiros lugares das paradas foi desprezada pelos skins e considerada traidora do movimento.

Bandas brasileiras como Brutal Oi, Central do Brasil e Vírus 27, e européias como Opressed, Exploited e Four Skins (inglesas) e Riiste Tyt (finlandesa), todas desconhecidas do grande público, só tocam para skinheads, em territórios skin e adotaram a doutrina nazista.

Na Alemanha, existem selos especializados em bandas skins cujas letras são verdadeiros panfletos de sua ideologia totalitária.

É uma forma de driblar o patrulhamento do governo e da polícia, que proíbem campanhas explicitamente nazistas e o racismo deliberado.


Recentemente, a banda alemã Radikahl, foi acusada de fazer propaganda nazista com a música “Hakenkreuz”, que quer dizer “cruz suástica” em alemão.

Seus integrantes disseram que a escolha do tema foi aleatória, apesar de cantarem o refrão “prêmio Nobel para Adolf Hitler”.

Curiosamente, o movimento não tem qualquer reflexo musical nos Estados Unidos.

Lá não existe nenhuma banda conhecida nem mesmo no Alabama, berço de uns aparentados deles que militam na organização neofacista Klu Klux Khan.

Deve ser porque para o pessoal da Klu Klux Khan esse negócio de raspar a cabeça e perseguir homossexual não é coisa de racista, é coisa de viado.

Nenhum perigo de que algum skin leia estas ofensas.

Quase todos são analfabetos.

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