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segunda-feira, junho 20, 2011

Aula 40 do Curso Intensivo de Rock: King Crimson


No final de 1967, um ex-estudante de Economia chamado Robert Fripp chegou à colorida e efervescente Londres, com um único propósito: deixar sua marca pessoal na música pop.

Trabalhava como corretor imobiliário a maior parte do tempo, estudava música por conta própria nas horas vagas, dividindo exercícios e sonhos com seu companheiro de conjugado, um sujeito chamado Greg Lake, antigo colega de conservatório de Bornemouth, sua cidade natal.

A julgar pelas lembranças dos dois, os tempos eram duros, mas muito divertidos.

Bob tinha descoberto um novo meio de purificação espiritual: os chamados prazeres da carne. E Greg se mostrava um discípulo aplicado. Só que os horários nunca combinavam.

“O apartamento era mínimo, e os nossos quartos eram divididos com biombos. Ouvia-se tudo. Toda vez que eu já tinha terminado a ação e estava bodeado, o Greg chegava com as garotas dele. Era um barulho infernal”, conta Fripp.

Aos poucos contaminado pela atmosfera psicodélica de Londres, Bob foi abandonando os sérios livros de economia e o rígido horário de trabalho.

Aumentaram as horas de estudos, debruçado sobre o violão ou examinando as possibilidades de uma Gibson Les Paul.

Aumentaram as noitadas, as visitas aos clubes de jazz, de rock, aos pubs.

Na borbulhante cena rock londrina, Bob conheceu algumas figuras notáveis: os irmãos Peter e Michael Giles, músicos de conservatórios recém-desbundados, Ian McDonald, um pianista profissional, e a mais extraordinária de todas, o frágil e pirado Peter Sinfield, poeta e técnico em computação.

Das conversas entre eles surgiu a idéia de fazerem um grupo, não basicamente rock como os Stones, não muito pesado como o Cream, nem excessivamente espacial como o Pink Floyd.

Um grupo como eles: sério, observador, apurado, intelectual, uma verdadeira orquestra de câmara do rock.

Então, com toda aquela audácia comum de quem ainda é muito jovem, formaram uma espécie de combo.


Mike Giles ficou na bateria, Ian McDonald nos teclados e flautas, Fripp nas guitarras e Pete Sinfield fornecendo armamento intelectual e os recursos toscos de uma aparelhagem rudimentar de som & luz.

Para o baixo e vocais, Bob chamou seu companheiro de quarto, Greg Lake.

Assim constituído, o grupo ensaiou dois meses num galpão imundo. Não tinha nome, mas não lhe faltava espírito de aventura e muita pretensão.

Apoiados unicamente no bisonho equipamento de Sinfield, sem empresário e sem roadies, a banda de Fripp se propunha a comentar criticamente todo o mundo ocidental, em shows auto-empresariados pelos arredores de Londres que nunca rendiam além de quatro libras.

Por isso, quando os Rolling Stones anunciaram que precisavam de um grupo para abrir seu concerto do Hyde Park, em 1969, Fripp percebeu a oportunidade de imediato e foi o primeiro a se apresentar com sua brigada anônima.

O nome ele inventou na hora, tirado de uma das músicas que o grupo tocava: “King Crimson” (“Rei Escarlate”).

O grupo abriu o Free Concert do Hyde Park, fazendo sua música cerebral e elaborada, pólo oposto dos viscerais Stones.

As conseqüências foram exatamente as esperadas: uma explosão na platéia, uma explosão no show business e um contrato no valor de cem mil dólares com a Atlantic Records. Tudo rápido e eficiente como num conto de fadas.

Só que Fripp passaria longos anos pagando os juros desse golpe de sorte, até ser, como ele próprio disse, “o mais famoso guitarrista mal sucedido da história do rock”.

O primeiro ano de existência da banda foi ótimo, e sem indício algum das atribulações futuras.


O primeiro álbum, “In The Court Of The Crimson King, com sua música majestosa, cheia de mellotrons e angústias existenciais, vendeu bem, chegando ao disco de ouro.

A tour americana de promoção teve um sucesso discreto, mas seguro.

Verdade que no fim da excursão McDonald e Giles saíram do grupo alegando que “o King Crimson estava nos aprisionando, havia concessões demais”.

Mas esse negócio de sair de um grupo atirando contra os remanescentes sempre fez parte da história do rock’n’roll.

Aproveitando as energias da arrancada, o King Crimson começou a gravar logo o segundo disco, uma desbundada suíte de Fripp-Sinfield sobre “o fim da era de Peixes e a alvorada da era de Aquário”.

O álbum “In The Wake Of Poseidon” marcou a volta de Peter Giles tocando baixo. E Keith Tippet, um dos mais ilustres nomes do jazz inglês, nos teclados.

Greg Lake se tornou o cantor – e não gostou muito disso.

Saiu no meio das sessões de gravação, atendendo a um apelo irresistível: o chamado de Keith Emerson (ex-Nice) para formar um super trio, junto com Carl Palmer (ex-Atomic Rooster).

A saída de Greg Lake foi o golpe de misericórdia na estrutura do King Crimson.

Greg era uma espécie de núcleo central e pau-pra-toda-obra, um catalisador das formidáveis, mas anárquicas energias de Fripp e Sinfield.

Sem ele, o pobre Rei Escarlate perdeu seu rumo, caindo pesadamente sobre os ombros confusos de Bob Fripp.

Após o lançamento de “Poseidon”, o King Crimson desbaratou-se.


Persistente, Fripp decidiu continuar de qualquer maneira, não sem antes lançar um ataque rancoroso ao ELP (Emerson, Lake & Palmer), causa parcial de seu infortúnio: “O mundo de hoje está prestes a acabar, presenciando o nascimento de uma nova era. O King Crimson faz uma música dinâmica e inteligente, que existe a partir dos músicos. Já o ELP faz música para o passado, porque depende exclusivamente de uma tecnologia sofisticada que está preste a se extinguir”.

Os dois anos seguintes não chegam a ser uma história do King Crimson, mas o registro da solitária e teimosa luta de Robert Fripp para manter viva sua idéia de música inteligente.

Para cada álbum é convocado um time novo de músicos, o que leva um crítico da Rolling Stones a dizer: “Vocês se lembram do art-rock, o rock artístico? Pois bem, ele ainda exista, e Bob Fripp é um exemplo disso. Todo ano ele sai de sua catacumba, arruma uns músicos e comete um álbum no gênero. Excursiona rapidamente para promover o disco e depois desaparece de novo.”

Independente das críticas, a guitarra de Fripp amadurece um estilo muito pessoal, fraccionado, anárquico, vagamente paranóico, de que o melhor exemplo ainda é seu solo em “Ladies Of The Road”, do álbum “Islands”.

Mas há outros lampejos de cristalina beleza como “Rupert’s Lament”, no álbum “Lizard”, e “Saillor’s Tale” e “Islands”, no álbum homônimo.

Entretanto na maior parte do tempo o Crimson faz uma música edulcorada e nebulosa ou, como quis outro crítico da Rolling Stone, “música de anúncio de desodorante íntimo”.

No início de 1971, Sinfield abandona o projeto Crimson.

No ano seguinte, após uma turnê fracassada pelos EUA e um péssimo álbum ao vivo, o próprio Fripp anuncia o fim do grupo.

Mas quem pensava que Fripp ia desistir quebrou a cara.


Em fins de 72, ele anuncia ao perplexo mundo do rock o impossível, ou seja, o King Crimson de volta e com uma formação invejável: Fripp mais John Wetton, ex-Family, no baixo e vocais, David Cross, músico sinfônico, no violino e violão, Bill Bruford, ex-Yes, na bateria, e, como Fripp não podia dispensar uma figura estranha, o freak Jamie Muir na percussão criativa (latas velhas, gongos, panelas, chocalhos e bacias).

Letras são encomendadas ao poeta Richard Palmer-Jones e o novo Crimson zarpa com força total.

Fripp está entusiasmadíssimo e um pouco alucinado.

Acabou de descobrir uma fusão definitiva de sociologia, cabala e rock, e quer pô-la em prática no grupo.

Chama-se “A Mecânica da Guitarra”, um modo de obter iluminação interior através da execução instrumental da guitarra e um exercício preparatório para o novo mundo.

A música que o novo Crimson produz ainda está caótica no primeiro álbum da nova fase, “Lark’s Tongues In Aspic”, mas anuncia uma animadora progressão na direção do free jazz.

Ou, como diz o prolixo Fripp: “Pura energia sexual, é sobre isso toda a música do Crimson. É a música dos órgãos genitais, da trepada e do orgasmo”.

Como em 1969, o grupo aproveita as energias renovadas para uma nova excursão americana e um novo álbum.

Sem Jamie Muir – que decide se tornar monge contemplativo na Escócia porque não concordava “com o excesso de luxúria e bens materiais do rock” –, a excursão é um semifracasso, mas o álbum “Starless And Bible Black” recebe uma boa acolhida da crítica.

“Logo na hora em que Robert Fripp já estava entrando para a categoria das múmias musicais, e ele sai com um disco ótimo, inventivo”, diz a implacável Rolling Stone.

Bob continua esperançoso: “Mesmo que a gente acabe logo, esta terá sido a banda mais alegre e criativa com que eu já trabalhei”.

Há um travo de amargura nisso, e até o empolgado Bill Bruford percebe, embora não em toda extensão: “Há alguns grupos que, de tão ousados, dão sempre a impressão de estar à beira de um precipício. O Crimson é assim, e isso torna sua música fascinante”.


Bruford será o mais desapontado quando afinal, em 1974, Fripp materializa o precipício e desiste de vez do Crimson.

Deixa um excelente álbum-testamento, “Red”, caótico, amargo e livre.

O guitarrista gravou ainda dois álbuns de música experimental (“No Pussyfootin’” e “Evening Star”) com o genial Brian Eno, um dos membros-fundadores do Roxy Music.

Depois se recolheu ao sítio de Dorset, anunciou que ia dar aulas particulares de “Mecânica da Guitarra”, e, oito anos depois de dissolver o grupo, liderou uma volta do King Crimson, em 1982, com o álbum “Discipline”.

De lá pra cá, volta e meia o Rei Escarlate sai de sua corte pra dar uma olhadinha no novo mundo, ameaça um comeback, participa do disco de algum amigo, mas logo volta a se recolher aos seus estudos esotéricos no castelo de Bornemouth.


Embora muitos fãs só conheçam o King Crimson a partir de seus trabalhos nas décadas de 80 e 90, seu apogeu criativo aconteceu nos anos 60.

Trazer este glorioso passado de volta é a missão de uma série de lançamentos antológicos: os CDs duplos “Epittaph”, “The Nightwatch” e “Absent Lovers”.

Um fator decisivo para o surgimento destes álbuns foi sem dúvida a fundação da gravadora independente DGM (Digital Global Mobile), mais uma iniciativa brilhante de Robert Fripp.

A gravadora tem por objetivo lançar apenas discos de artistas de vanguarda, a começar pelo próprio King Crimson, projetos-solo dos membros da banda e todos os artistas que se enquadram na proposta de fazer música com qualidade sem se importar com a essência da indústria fonográfica, ou seja, obter lucros e respeitar os padrões musicais preestabelecidos que invariavelmente conduzem ao sucesso comercial.

O lema da DGM diz tudo sobre sua proposta eclética: a música fala por meio de uma linguagem, mas em muitos dialetos.

Grande Robert Fripp!

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