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sexta-feira, julho 27, 2018

Pepe Escobar e o suspense político do nosso tempo



Por Renato Guimarães
O tabuleiro em que se dá o embate que resulta no mundo como conhecemos é o próprio mundo! Com seus 88 artigos publicados em livro neste O Império do Caos, Pepe Escobar nos apresenta um mosaico desconcertante da coerência cataclísmica do advento global em curso do Império do Caos.
Em cena, o cinismo de neoliberalismos, de intervenções ditas humanitárias na Líbia, na Síria e na África, de listas de abate de Obama é corrosivamente aviltante. O espetáculo da jihad-ostentação em Saint Tropez, de magnatas “comprando” a água da Patagônia, da opulência sangrenta e repressiva na Península Árabe, de mortes tratadas como “dano colateral” no Grande Oriente Médio e na África é dos mais consternadores.
Os movimentos geopolíticos dos grandes jogadores do Novo Grande Jogo da Eurásia – China, Estados Unidos, Rússia, União Europeia –, que pouco a pouco substitui a dominação mundial dos Estados Unidos como única superpotência, envolvem força bruta, poços, oleodutos, gasodutos, trilhões de yuans, de dólares e de euros, terrorismos, reservas de ouro e moeda, bancos, estradas, portos, bolsas de valores, exércitos, rotas marítimas e terrestres, ferrovias, corporações, mercenários, guerras declaradas ou não e populações inteiras numa rede planetária muitas e muitas vezes espantosa.
Contudo, são essas alianças e disputas que hoje mesmo estão constituindo o tecido do novo sistema multipolar por onde vão circular os nutrientes econômicos, políticos, diplomáticos e culturais de um novo mundo que já sabemos estar a caminho, mas cujos prazos e custos mal podemos vislumbrar.

“Pepe Escobar está para o jornalismo assim como a pedra filosofal está para os alquimistas, a meia-noite para o despertar dos vampiros, os raios para as tempestades, ‘a noite clara da angústia’ para Heidegger, o blues para Nova Orleans, o pulo para os felinos, o reggae para a Jamaica, o alvo para o arqueiro, a cicuta para Sócrates, a África para o Brasil, a Índia para o faquir, a cartola para o mágico e a vida para a morte.”
Esse panegírico fantasioso, mas que rende tributo ao talento real do homenageado, foi publicado 32 anos atrás pelo jornalista e escritor Carlos Roque em seu livro Pedras rolando, quando Pepe Escobar se lançava no jornalismo em São Paulo. Logo depois, Pepe seguia o rumo que apontou em entrevista no mesmo livro:
“O exílio é fundamental; hoje em dia não há mais possibilidades de se ter uma pátria. O exílio pressupõe a ideia de que você é itinerante, forasteiro”.
Ele se tornou viajante e leitor incansável para conhecer países, culturas e ideias, e aprendeu a escrever com fluência e facilidade em inglês, para publicar artigos e reportagens na mídia internacional. Morou em Londres, Paris, Milão, Los Angeles, Washington, Bangkok, Hong Kong e Singapura, ao tempo em que perscrutava as vastidões da Eurásia em viagens solitárias e proclamava que o século 21 seria da Ásia, antes ainda de a China se tornar um gigante econômico e político.
“Continuei perambulando cada vez mais fundo na miríade Rota(s) da Seda, Ásia Central, Sudeste Asiático – o que o Ocidente chama de Oriente Médio, através da grande extensão que o Pentágono mais tarde descreveria como o arco da instabilidade”, diz ele, na apresentação deste livro.
Enquanto firmava nome como correspondente estrangeiro em jornais europeus e estadunidenses, criou uma coluna no Asia Times, da Tailândia, a que deu o título de Roving eye (aqui traduzido por Olho errante), do qual foram reproduzidos, entre outros, artigos publicados neste livro. Com ela, seu nome ganhou mundo, principalmente o mundo da Internet.

Passou a colaborar também em sites eletrônicos dos Estados Unidos, da Rússia e outros países, e virou “viral” mundial entre blogueiros e leitores da web como um analista especialmente sensível a temas de geopolítica, culto e sagaz, dotado de visão alta, e dono de um texto ágil, bem-humorado, conquanto ácido às vezes.
Tem declaradamente simpatias anarquistas, que estimulam a trocar realidade por desejos, mas se tornaram comuns na intelectualidade desses tempos de desalento à esquerda, e um pendor não escondido pelo cosmopolitismo, que costuma desgraçar a quem tenha formação patriótica. É polêmico, controverso, contundente, mas é sempre informativo, inteligente e interessante.
Muitos milhares de internautas por toda parte hoje aguardam seus textos para acompanhar os fatos em rápida mutação no mundo, em particular nas áreas de Europa Oriental, Oriente Médio e Ásia, que são a especialidade dele, e para os quais a mídia corporativa – imprensa e TV – dá pouca atenção, ocupada que está pela engrenagem de propaganda estadunidense.
Este livro apresenta um quadro ao mesmo tempo dramático e fascinante da complexa evolução da situação mundial nas últimas décadas. Através dos textos se acompanha o processo difícil da crise do imperialismo dos Estados Unidos, sempre muito poderoso e perigoso, mas obrigado a ceder diante da resistência e do avanço dos países que não se sujeitam à sua pretensão ditatorial de superpotência única, especialmente a China e a Rússia.

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