Por Renato Guimarães
O tabuleiro em que se dá o embate que resulta no mundo como
conhecemos é o próprio mundo! Com seus 88 artigos publicados em livro neste O Império do Caos, Pepe Escobar nos
apresenta um mosaico desconcertante da coerência cataclísmica do advento global
em curso do Império do Caos.
Em cena, o cinismo de neoliberalismos, de intervenções ditas
humanitárias na Líbia, na Síria e na África, de listas de abate de Obama é
corrosivamente aviltante. O espetáculo da jihad-ostentação em Saint Tropez, de
magnatas “comprando” a água da Patagônia, da opulência sangrenta e repressiva
na Península Árabe, de mortes tratadas como “dano colateral” no Grande Oriente
Médio e na África é dos mais consternadores.
Os movimentos geopolíticos dos grandes jogadores do Novo
Grande Jogo da Eurásia – China, Estados Unidos, Rússia, União Europeia –, que
pouco a pouco substitui a dominação mundial dos Estados Unidos como única
superpotência, envolvem força bruta, poços, oleodutos, gasodutos, trilhões de
yuans, de dólares e de euros, terrorismos, reservas de ouro e moeda, bancos,
estradas, portos, bolsas de valores, exércitos, rotas marítimas e terrestres,
ferrovias, corporações, mercenários, guerras declaradas ou não e populações
inteiras numa rede planetária muitas e muitas vezes espantosa.
Contudo, são essas alianças e disputas que hoje mesmo estão
constituindo o tecido do novo sistema multipolar por onde vão circular os
nutrientes econômicos, políticos, diplomáticos e culturais de um novo mundo que
já sabemos estar a caminho, mas cujos prazos e custos mal podemos vislumbrar.
“Pepe Escobar está para o jornalismo assim como a pedra
filosofal está para os alquimistas, a meia-noite para o despertar dos vampiros,
os raios para as tempestades, ‘a noite clara da angústia’ para Heidegger, o
blues para Nova Orleans, o pulo para os felinos, o reggae para a Jamaica, o
alvo para o arqueiro, a cicuta para Sócrates, a África para o Brasil, a Índia
para o faquir, a cartola para o mágico e a vida para a morte.”
Esse panegírico fantasioso, mas que rende tributo ao talento
real do homenageado, foi publicado 32 anos atrás pelo jornalista e escritor
Carlos Roque em seu livro Pedras rolando, quando Pepe Escobar se lançava no
jornalismo em São Paulo. Logo depois, Pepe seguia o rumo que apontou em
entrevista no mesmo livro:
“O exílio é fundamental; hoje em dia não há mais
possibilidades de se ter uma pátria. O exílio pressupõe a ideia de que você é
itinerante, forasteiro”.
Ele se tornou viajante e leitor incansável para conhecer
países, culturas e ideias, e aprendeu a escrever com fluência e facilidade em
inglês, para publicar artigos e reportagens na mídia internacional. Morou em
Londres, Paris, Milão, Los Angeles, Washington, Bangkok, Hong Kong e Singapura,
ao tempo em que perscrutava as vastidões da Eurásia em viagens solitárias e
proclamava que o século 21 seria da Ásia, antes ainda de a China se tornar um
gigante econômico e político.
“Continuei perambulando cada vez mais fundo na miríade
Rota(s) da Seda, Ásia Central, Sudeste Asiático – o que o Ocidente chama de Oriente
Médio, através da grande extensão que o Pentágono mais tarde descreveria como o
arco da instabilidade”, diz ele, na
apresentação deste livro.
Enquanto firmava nome como correspondente estrangeiro em
jornais europeus e estadunidenses, criou uma coluna no Asia Times, da
Tailândia, a que deu o título de Roving
eye (aqui traduzido por Olho errante), do qual foram reproduzidos, entre
outros, artigos publicados neste livro. Com ela, seu nome ganhou mundo,
principalmente o mundo da Internet.
Passou a colaborar também em sites eletrônicos dos Estados
Unidos, da Rússia e outros países, e virou “viral” mundial entre blogueiros e
leitores da web como um analista especialmente sensível a temas de geopolítica,
culto e sagaz, dotado de visão alta, e dono de um texto ágil, bem-humorado,
conquanto ácido às vezes.
Tem declaradamente simpatias anarquistas, que estimulam a
trocar realidade por desejos, mas se tornaram comuns na intelectualidade desses
tempos de desalento à esquerda, e um pendor não escondido pelo cosmopolitismo,
que costuma desgraçar a quem tenha formação patriótica. É polêmico,
controverso, contundente, mas é sempre informativo, inteligente e interessante.
Muitos milhares de internautas por toda parte hoje aguardam
seus textos para acompanhar os fatos em rápida mutação no mundo, em particular
nas áreas de Europa Oriental, Oriente Médio e Ásia, que são a especialidade
dele, e para os quais a mídia corporativa – imprensa e TV – dá pouca atenção,
ocupada que está pela engrenagem de propaganda estadunidense.
Este livro apresenta um quadro ao mesmo tempo dramático e
fascinante da complexa evolução da situação mundial nas últimas décadas.
Através dos textos se acompanha o processo difícil da crise do imperialismo dos
Estados Unidos, sempre muito poderoso e perigoso, mas obrigado a ceder diante
da resistência e do avanço dos países que não se sujeitam à sua pretensão
ditatorial de superpotência única, especialmente a China e a Rússia.
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