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sexta-feira, julho 20, 2018

Millôr Fernandes, o melhor humorista do Planeta


Considerado um dos maiores frasistas brasileiros, Millôr Fernandes morreu no dia 27 de março de 2012, aos 88 anos. Ele sofreu um acidente vascular cerebral em sua casa, em Ipanema, na Zona Sul do Rio, durante a madrugada. Segundo o filho de Millôr, Ivan Fernandes, em entrevista ao G1, o escritor teve falência múltipla dos órgãos. 
De acordo com a família, o corpo do escritor foi velado no cemitério Memorial do Carmo, no Caju, Zona Portuária do Rio, e depois cremado. Millôr Fernandes era o único irmão do jornalista Hélio Fernandes. Ele deixou mulher e dois filhos.


Jornalista, escritor, ilustrador, dramaturgo, fabulista, calígrafo, humorista, desenhista, tradutor de Shakespeare, Molière e Brecht, inventor do frescobol, vice-campeão mundial de pesca ao atum na Nova Escócia em 1953 e “medalha de ouro no concurso para ele mesmo” (como uma vez se definiu), Millôr Fernandes foi, ao longo de mais de sete décadas de carreira, uma figura pública única no Brasil.

Um frasista brilhante que via no humor “a quintessência da seriedade”, como gostava de resumir, Millôr passou grande parte da vida profissional ameaçado pela censura — e debochando dela em comentários que iam do nonsense à crítica social aguda no espaço de poucas palavras.

Com passagens marcantes por veículos como O Cruzeiro, O Pasquim e Jornal do Brasil, entre muitos outros, ele participou de algumas das principais transformações da imprensa brasileira no século XX e se tornou um dos mais queridos cronistas do país.

Filho de Francisco Fernandes e de Maria Viola Fernandes, Millôr Fernandes nasceu no Méier, bairro da Zona Norte carioca ao qual só se referia como “Meyer”, em 16 de agosto de 1923. A data de nascimento que constava de sua carteira de identidade, no entanto, era 25 de maio de 1924.


Outra confusão deu o nome com que se tornou conhecido. Seus pais queriam chamá-lo de Milton, mas o nome, escrito à mão, acabou lido e registrado no cartório como Millôr. Ao descobrir o engano, já com 17 anos, resolveu adotar a nomeação acidental.

Perdeu o pai e a mãe cedo, e a orfandade, dizia, o fez chegar não só à conclusão de que Deus não existe, como lhe proporcionou o que ele chamou de “a paz da descrença”: “Você nunca viu 10 mil incrédulos invadirem o país de outros 10 mil incrédulos para impor sua descrença”, escreveu, muitos anos depois, para defender sua posição.

Ainda jovem, começou a ler quadrinhos (aos quais, mais tarde, se referiria sempre como sua “maior influência intelectual”) e, logo, a fazer tiras e desenhos.

Em 1938, ganhou um concurso de crônicas da revista A Cigarra, onde foi trabalhar com o editor Frederico Chateaubriand.


Num dia em que um anunciante não enviou as quatro páginas de publicidade prometidas, Chateaubriand encarregou o jovem recém-chegado de preencher o espaço em branco: Millôr assinou como Vão Gogo e o sucesso foi tanto que o pseudônimo ganhou espaço permanente na coluna “Poste escrito”. Foi o início de um sucesso editorial sem precedentes na imprensa brasileira.

Após um período como diretor de A Cigarra e O Guri e colunista no Diário da Noite, Millôr foi em 1941 para O Cruzeiro.

Sua coluna “Pif Paf”, ainda assinada como Vão Gogo, dividia as páginas da revista com as reportagens de David Nasser (que Millôr definia como um péssimo caráter, mas um grande talento), as fotos de Jean Manzon (responsável pelas únicas imagens feitas do bailarino Nijinski internado no hospício), e desenhos de Carlos Estevão e Péricles, criador do “Amigo da Onça”.

Nessa fase, a circulação da revista saltou de 11 mil para 720 mil exemplares. Só por ter feito parte desta equipe, Millôr já teria garantido seu nome na história da imprensa e do humor brasileiros.


Mas conseguiu outras façanhas, graças ao seu espírito independente e crítico, que lhe renderam tantos problemas quanto admiradores: a saída de O Cruzeiro, em 1963, foi provocada por uma sátira ao Gênesis.

Sua “Verdadeira História do Paraíso”, em que ele critica Deus em verso (“essa pressa leviana/ demonstra o incompetente/ fazer o mundo em sete dias/ com a eternidade pela frente”) foi atacada em editorial publicado na própria revista, enquanto o humorista estava de férias.

Àquela altura, chamar Millôr de humorista era reduzir o alcance de suas atividades.

Ele já tinha se iniciado no ofício de tradutor de peças que o levaria a verter para o português um total de 74 obras teatrais, entre elas Hamlet, de Shakespeare, O Jardim das Cerejeiras, de Tchekov, Assim é se lhe Parece, de Pirandello e Antígona, de Sofócles.

Sua primeira peça, Uma Mulher em Três Atos, estreou em 1953.


Na mesma década, com um grupo de amigos de praia, ajudou a criar o frescobol, uma das criações de que mais se orgulhava. Num mosaico de azulejos de sua autoria na Praça Sarah Kubitschek, em Copacabana, homenageia a atividade: “único esporte com espírito esportivo, sem disputa formal, vencidos ou vencedores”.

Depois da saída de O Cruzeiro, Millôr continuou a variar suas atividades. Criou um quadro na TV Excelsior, Lições de um Ignorante, censurado por Juscelino Kubistchek (“Fui censurado por todos os governos, com exceção do Dutra”, disse ele em uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no fim dos anos 80).

Transformou a Pif-Paf em revista, mas a censura e a repressão após o golpe militar de 1964 fizeram com que a publicação fosse fechada após poucos números.


A experiência justificou o pessimismo do artigo de estreia em O Pasquim, semanário criado em 1969 por um grupo de jornalistas que não conseguia espaço para publicar, como o cartunista Jaguar, Sérgio Cabral, Paulo Francis, Ivan Lessa e Tarso de Castro: “Se este jornal for independente, não dura três meses. Se durar três meses, não é independente”.

O Pasquim durou mais do que três meses, e manteve a independência — o que fez Jaguar classificá-lo de “o verdadeiro milagre brasileiro”.

O semanário tornou-se um sucesso por atacar a ditadura com uma ironia que muitas vezes escapava aos censores e espalhou para o resto do país o espírito do que se convencionou chamar de “a patota de Ipanema” — até o censor do jornal, de certa forma, orbitava em torno da aura do bairro: o militar era pai de Helô Pinheiro, que inspirou a música “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

A maior parte da equipe ficou dois meses presa no fim de 1970 — e Millôr, um dos que ficou de fora, assumiu a direção do jornal e tornou-se também ghost-writer dos colegas, escrevendo algumas seções no estilo deles, como forma de evitar que a publicação parasse, durante o que se chamou de “gripe do Pasquim”.


Millôr podia parecer subversivo para os militares — mas não aceitava de imediato qualquer novidade que parecesse uma subversão das regras vigentes, se não fosse bem justificada.

Foi por isso que o autor teatral de É... (grande sucesso de Fernanda Montenegro) desconfiou de Antonin Artaud e desdenhou do teatro Oficina de Zé Celso Martinez Corrêa. E o admirador de Bernard Shaw, defensor da liberdade das mulheres, criticou o movimento feminista.

O fundamental era manter a liberdade de pensar, para o escritor que, àquela altura, já escrevia para a revista Veja (da qual seria colaborador de 1968 a 1982 e, depois, de 2004 a 2009) pensamentos como “O natal vem aí: QUE HORROR”.

Quando o número 300 do Pasquim foi apreendido por ordem do então ministro da Justiça, Armando Falcão, em 1975, Millôr defendeu que Falcão fosse o alvo preferencial das sátiras do número seguinte.

O resto da equipe discordou, e ele deixou o jornal.


Foi também por não querer transigir com os diretores da revista Veja na campanha eleitoral para governador em 1982 — a primeira eleição direta para o cargo executivo desde 1964 — que Millôr saiu da Veja.

A revista queria que ele não defendesse a candidatura de Leonel Brizola e ele recusou-se (mais tarde, não se deteve em criticar o líder pedetista).

Mudando para o Jornal do Brasil, publicava charges, pequenos textos e poemas em um espaço quadrado na página de opinião do jornal.

Foi a partir do quadrilátero que acompanhou e criticou a transição do regime militar para a Nova República, e, empossado José Sarney como presidente, dedicou-se a atingir o político maranhense onde mais doía — na sua atividade literárias.

Quando Sarney publicou Brejal dos Guajás, Millôr ironizou frase por frase o início do romance, empenhado em demonstrar como nenhuma delas fazia sentido.


Ao lado de Sarney, Fernando Henrique Cardoso foi outro presidente alvejado pela produção intelectual — o alvo foi sua obra mais famosa, “Dependência e desenvolvimento na América Latina”.

As sátiras aos dois foram reunidas em “Crítica da razão impura ou o primado da ignorância” (L&PM).

“Fernando Henrique, o Lula barroco”, foi como se referiu certa vez ao ex-presidente, para irritar tanto petistas quanto tucanos.

Desenhista admirador de Saul Steinberg, Millôr teve exposições dedicadas a sua arte visual no Museu de Arte Moderna em 1957 e 1977, foi um dos primeiros artistas gráficos a usar o computador para suas criações, e migrou sem problemas para a internet: criou um site e, nos últimos tempos, havia aderido ao Twitter.

Em seu perfil, seguido por mais de 350 mil pessoas, distribuía as frases que o tornaram famoso, ou que adquiriram fama própria, longe do autor. Eis algumas delas:


“Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”
“O otimista não sabe o que o espera”
“Eu também não sou um homem livre. Mas muito poucos estiveram tão perto”
“Nunca ninguém perdeu dinheiro apostando na desonestidade”
“Brasil, condenado à esperança”
“Brasil; um filme pornô com trilha de Bossa Nova”
“Todo homem nasce original e morre plágio”
“O dedo do destino não deixa impressão digital”

“Sabemos que VOCÊ, aí de cima, não tem mais como evitar o nascimento e a morte. Mas não pode, pelo menos, melhorar um pouco o intervalo?”
“Repito um velho conselho, cada vez mais válido, sobretudo pro Congresso: Quando alguém gritar “– Pega ladrão”, finge que não é com você”
“Quando os eruditos descobriram a língua, ela já estava completamente pronta pelo povo. Os eruditos tiveram apenas que proibir o povo de falar errado”
“A infância não, a infância dura pouco. A juventude não, a juventude é passageira. A velhice sim. Quando um cara fica velho é pro resto da vida. E cada dia fica mais velho”
“Não devemos odiar com fins lucrativos. O ódio perde a sua pureza”
“Um Homem só é completo quando tem família; mulher e filhos. Desculpe: completo ou acabado?”
“Deus é realmente um ser superior. Não há nada nem parecido no Governo Federal”
“Prudência: E devemos sempre deixar bem claro que nenhum de nós, brasileiros, é contra o roubo. Somos apenas contra ser roubados”
“Feliz é o que você percebe que era, muito tempo depois”
“Aprenda de uma vez: Se você acordou de manhã é evidente que não morreu durante a noite. A felicidade começa com a constatação do óbvio”

“Nem só comer e coçar é questão de começar. Viver também”
“Os ateus têm um Deus em que nem eles acreditam”
“O melhor do sexo antes do casamento é que depois você não precisa se casar”
“Tudo na vida tem uma utilidade – se não fosse o mau cheiro quem inventaria o perfume?”
“Voto de pobreza, obviamente só pode ser feito por rico”
“Errar é humano. Botar a culpa nos outros também”
“O problema de ficar na fossa é que lá só tem chato”
“Anatomia é uma coisa que os homens também têm, mas que, nas mulheres, fica muito melhor”
“Se durar muito tempo, a popularidade acaba tornando a pessoa impopular”
“Fiquem tranquilos os poderosos que têm medo de nós: nenhum humorista atira pra matar”
“O aumento da canalhice é o resultado da má distribuição de renda”
“A verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades”
“Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem”


“Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”
“O cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas a matéria prima”
“Chato…Indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós temos nele”
“O cara só é sinceramente ateu quando está muito bem de saúde”
“De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência”
“Os nossos amigos poderão não saber muitas coisas, mas sabem sempre o que fariam no nosso lugar”
“Se todos os homens recebessem exatamente o que merecem, ia sobrar muito dinheiro no mundo”
“Há duas coisas que ninguém perdoa: nossas vitórias e nossos fracassos”
“O mal de se tratar um inferior como igual é que ele logo se julga superior”
“O homem é o único animal que ri. E é rindo que ele mostra o animal que é”




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