O compositor Moacyr Luz e Nani, com o garçom Pedro Henrique, do Lamas
Mineiro de Esmeraldas – cidade bem pequena perto de Belo
Horizonte –, Ernani Diniz Lucas, mais conhecido como Nani, nasceu em 27 de
fevereiro de 1951.
Nani começou sua carreira em BH, em 1971, publicando charges
em O Diário.
Em 1973, mudou-se para o Rio de Janeiro. Colaborou com O
Pasquim, a partir do qual, junto com seis outros artistas, criou O Pingente.
Foi também chargista do Jornal da Globo e colaborou na MAD
brasileira.
No Rio, sua presença também está marcada no Jornal dos
Sports (no qual “herdou” a cadeira do Henfil), Última Hora, Diário de Notícias,
O Dia e na Tribuna da Imprensa.
Nani já foi premiado em Salões de Humor em Montreal, Niterói
e Piracicaba. Sua revista própria é O Nanista.
É autor dos livros “Feliz e orgulhoso, envaidecido mesmo”, “Cachorro
quente uivando para a lua”, “A traça de A a Z” (livro que ensina as crianças a
se familiarizar com o alfabeto), “Jornal do menininho” e “Se arrependimento
matasse”.
Pela L&PM já publicou “Batom na cueca”, “É grave,
doutor?”, “Foi bom pra você?”, “Humor politicamente incorreto” e “Orai Pornô”.
Em entrevista a L&PM Editores, Nani fala sobre seu
início na profissão de cartunista, os anos de participação no jornal O Pasquim
– o mais importante veículo de oposição à ditadura militar no Brasil –, a
censura na época da ditadura e a censura atual, que para ele é velada. “O
politicamente correto está contaminando toda a cultura”, afirma.
L&PM – Quando
você começou a desenhar e como o humor entrou nos seus desenhos?
Nani – Como profissão, eu tive um estalo quando aos 13 anos,
vendo uma revista de humor chamada Vamos Rir – que publicava cartuns
estrangeiros variados –, eu disse: isso eu sei fazer. Na mesma hora sentei e
fiz meu primeiro cartum, com um desenho (muito ruim) de dois piratas com
ganchos, um dizia para o outro: “Conheço essa região como a palma da minha
mão”. A partir daí, eu desenhava freneticamente nas horas vagas, bolando cerca
de quarenta cartuns por dia. Procurava temas nos cartuns das poucas revistas
que chegavam em Esmeraldas, cidade do interior de Minas, e no jornal O
Cruzeiro, com influência do Millôr, Carlos Estevão e do Henfil. Daí que resolvi
batalhar para ser cartunista, pois eu pensava: se há tantas pessoas desenhando
humor é porque isso é uma profissão.
L&PM – Você
começou a publicar seus trabalhos profissionalmente em Belo Horizonte. Quando
aconteceu sua aproximação com O Pasquim?
Nani – Dos 13 anos aos 18 morei em Esmeraldas. Desenhando
todos os dias, eu fui de certa maneira me formando como cartunista. Quando fui
para Belo Horizonte, em 1969, encontrei O Pasquim nas bancas, ano em que o
jornal havia surgido. Foi uma epifania, era naquele jornal que eu queria estar
um dia. Aos 20 anos comecei a publicar no jornal O Diário, de Belo Horizonte.
Meu humor chamou a atenção de um editor que me convidou para ir ao Rio de
Janeiro para trabalhar no O Jornal. Ao chegar lá, tive contato com Henfil, que
me mandou ir para a redação do Pasquim e me colar no Jaguar. “Jaguar sabe
tudo”, me disse Henfil. E eu fui encher o saco do Jaguar. Fiquei no Pasquim até
o seu final.
L&PM – Como foi a
sua experiência de trabalho nessa imprensa alternativa, em plena ditadura?
Nani – Minha geração cresceu com o pecado original da
ditadura. Fazer charges no período era mais complicado por causa da censura. No
Pasquim tínhamos que mandar o triplo de material para que, depois do feroz
crivo dos censores, sobrasse material para o jornal ser feito. Não mandávamos
originais porque eles vinham rabiscados com pilots – não havia respeito pela obra
de ninguém. Se o Picasso mandasse um desenho que os censores não gostassem,
eles rabiscariam também. Os tempos eram de terror, Ziraldo dava o nome de
advogados para as esposas e namoradas dos cartunistas, para que, caso alguém
sumisse, procurassem ajuda. O humor que fazíamos era humor de guerrilha. A
censura era ridícula. Uma vez saiu uma notícia que dizia que no Pão de Açúcar
havia urânio. Alguém escreveu uma dica dizendo que ia testar usando o contador
geiger. Censuraram alegando que estavam chamando o Geisel de contador e ele era
general. Alguém escreveu “uma próspera comuna mineira”. Os censores cortaram o
comuna, achando que se referia ao comunismo.
L&PM – Você pode
dar mais exemplos das contrariedades cometidas contra a imprensa nessa época?
Nani – O Pasquim foi bombardedo, jogaram uma bomba na casa
onde o jornal funcionava. Bancas foram explodidas. Isso afetava as vendas, pois
os jornaleiros se recusavam a vender o jornal. Ziraldo, Jaguar, Paulo Francis,
Fortuna, Flávio Rangel, Luís Carlos Maciel, Sergio Cabral foram presos. Outros
veículos alternativos como Opinião e Movimento também sofriam por causa da
censura. Mas o Pasquim foi importante porque entrevistava os exilados, apoiou a
anistia e lutava desde o primeiro número contra a ditadura. Outros temas também
foram lançados pelo jornal, como a ecologia. O Pasquim foi o primeiro a falar
sobre a causa ecológica.
L&PM –
Atualmente, existe algum outro tipo de censura?
Nani – Hoje a censura é pior porque ela é velada, é a
censura do politicamente correto. Humor que pede licença não é humor. O
politicamente correto está contaminando toda a cultura. Cada vez mais grupos,
grupelhos, guetos, classes, pessoas públicas e privadas reivindicam imunidade
contra a crítica. O humor tem que ser crítico, ora. A liberdade de opinião é
cada vez mais filtrada, o que temos hoje é uma liberdade “Melita”. Isso afeta os meios de comunicação, que ficam
se cercando, adivinhando processos que podem sofrer se vão contra o
politicamente correto.
L&PM – Você faz
humor, escreve e faz cartuns... Como é administrar essas diversas manifestações
de um mesmo talento?
Nani – Precisamos do humor para não morrer de realidade.
Penso a vida através do humor. O humor é o menor caminho entre duas pessoas. A
primeira coisa que o pai faz com o filho é um ato de humor: faz careta para o
filho rir. Todos querem o riso através da vida, o riso que pode ser traduzido
em felicidade. O espantalho é colocado na plantação não para espantar os
pássaros, mas para que eles riam e achem o fazendeiro um cara legal. Como
artista é o que eu gosto, levar o riso às pessoas – este riso que envolve
crítica, conhecimento, poesia e simples divertimento. Daí eu expressá-lo
desenhando, escrevendo para ser lido ou interpretado. Gostaria de ter mais
veículos para mostrar muita coisa que tenho inédita. Minhas gavetas estão
cheias. A única coisa que não fiz em humor foi escultura, mas um dia ainda
pretendo fazer uma escultura engraçada.
L&PM – Como o
cartum conseguiu ter um espaço tão grande na imprensa sendo, muitas vezes, contrário
ao editorial?
Nani – O desenho foi importante no início da imprensa quando
não havia fotos. As charges sempre fizeram parte de um jornal. No Brasil houve
um tempo que ela era chamada charge editorial porque saía na página dos
editoriais. Na época da ditadura, as charges diziam coisas que as matérias dos
jornais não podiam dizer, daí os jornais que não tinham, passaram a ter. Quando
acabou a censura alguns jornais dispensaram os chargistas. Tirando algumas
exceções, a charge hoje é ilustrativa do fato do dia, poucas charges têm
opinião. A charge de opinião sumiu dos jornais brasileiros, talvez já sendo um
reflexo do politicamente correto. Sendo a charge uma manifestação crítica e
símbolo da liberdade de imprensa, eu acho que é muito importante um jornal
tê-la em suas páginas, porque mostra a independência desse jornal. A charge é a
quarta leitura que o leitor faz do jornal. Primeiro a pessoa lê a manchete,
depois lê a notícia, depois o comentário de um articulista ou o editorial e
depois vê a charge, que é a quarta leitura e, às vezes, a mais verdadeira sobre
o fato.
O cartunista Nani
agora é do PSOL
Caro Sombra! Estive na noite de terça-feira no famoso Bar dos
Cartunistas para receber, diga-se de passagem com imenso prazer, a ficha de
filiação no PSOL do cartunista Nani. O bar
está localizado no alto viaduto da Borges e é parte do patrimônio histórico e
cultural de Porto Alegre. Nani, além de servir diariamente almoço a preço
popular, é conhecido por imprimir em suas charges críticas ácidas e engajamento
político. Forte abraço!
Pedro Ruas
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