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quarta-feira, julho 25, 2018

Ligado no dane-se



Por Ruy Castro

À zero hora de 1969, todos os quartos do Solar da Fossa estavam iluminados. Havia 80 festas de réveillon ardendo ao mesmo tempo. Em várias, a música que saudou o Ano Novo foi “Also sprach Zarathustra”, de Richard Strauss, famosa pela trilha sonora de 2001 – Uma odisseia no espaço, o filme do ano. O fornecedor e assuntando o universo feminino de cada um.

O Solar era uma linda construção de dois andares, velha de séculos, ao pé do morro do Pasmado, em Botafogo. Numa de suas últimas encarnações, no século 1968, seus jovens moradores – aspirantes a artistas, poetas e jornalistas, como os já citados Gal Costa, Paulinho da Viola, Betty Faria, Ítala Nandi, Paulo Leminski, Maria Gladys – não eram muito religiosos. Nem Zé Kéti, o único já famoso.

Quase ninguém ali tinha televisão – não se perdia tempo assistindo-a. Toca-discos, sim, nem que fosse uma vitrolinha Sonata. No meu hit parade particular, tocavam “Vou te contar” (“Wave”), com o Quarteto 004, “So many stars”, com Sergio Mendes e o Brasil ’66, e “Light my fire”, com José Feliciano. Para fins imorais, o Modern Jazz Quatet era perfeito – produzia um ritmo sensual, abafava o som ambiente e não perturbava os vizinhos.

Naquela última noite de 1968, o AI – 5 ainda não completara três semanas. Vários amigos tinham sido presos no dia 13 de dezembro e seguintes; outros, que estavam escondidos, só então começavam a reaparecer – entre os quais eu, por traquinagens cometidas no Correio da Manhã. Por sorte, não ocorreu aos homens dar uma batida no Solar. Ainda bem – 90% dos inquilinos preenchiam os requisitos para ir presos.

Foi uma grande noite. Mas a manhã seguinte seria 1969 e, a partir dali, começaria outra história. Bertrand Russell ficaria out; Herman Hesse, in. Passeatas na avenida Rio Branco dariam lugar a temporadas em Arembepe, na Bahia. Godard despediu-se do cinema, os Beatles se separaram e Sharon Tate foi assassinada por um sujeito parecido com tantos que andavam entre nós.

Peritos em coquetéis Molotov passariam a ferver cogumelos. Calças Lee e camisas da Marinha, compradas na praça Mauá, seriam substituídas por túnicas estampadas com motivos florais, mandadas fazer na costureira. A razão morrera, viva a magia. Uma palavra tomou conta: desbunde.

Surgia um mundo novo, irreconhecível para mim e, bem ao contrário de 1968, ligado no dane-se e movido a cada um na sua.

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