Por Ruy Castro
O casal abraçado ao nascer do sol, de pé, envolto num
cobertor enlameado e cercado por um mar de outros casais, deitados, tornou-se o
símbolo do festival de Woodstock. A foto (de Burk Uzzle) virou capa de disco,
pôster e cartão postal, e reflete o que o rapaz e a moça deviam estar sentindo
naquele momento: ternura, resignação e um pouco de frio.
Em função dos 40 anos de Woodstock, em 2009, Nick e Bobbi
Ercoline, os jovens da foto, foram redescobertos. Têm agora 60 e tal anos.
Continuam juntos, bonitos, liberais e, segundo eles, apaixonados. Pelo visto,
não acreditavam no amor livre que se pregava na época. Preferiram uma união
estável, quadrada, careta, como a defendida por seus pais. E esse é o problema
das revoluções: seus praticantes acabam parecidos com aqueles contra quem se
rebelaram. E vice-versa.
Tive certeza disso outro dia ao ouvir, pela rádio do táxi em
São Paulo, dois jovens locutores locais falando de Woodstock. Nitidamente não
eram sequer nascidos em 1969, e sua cultura a respeito limitava-se à internet.
Eles acreditavam que aquele evento gerou uma massa de pessoas purificadas,
livres das horríveis deformações morais dos mais velhos e prontas para a era de
paz e amor que, dizia-se, bateria às portas a qualquer momento: a era de
Aquarius.
Um dos locutores tinha voz de comercial de sabonete; o
outro, a de quem, aos 30 anos, ainda mora com a mãe. Nenhum dos dois teria
sobrevivido cinco minutos à chuva, à lama, ao lixo, aos piolhos, à falta de
comida e à monumental oferta de fumo e ácido em Woodstock. Ao respirar mais
fundo e sentir o cheiro que, dizem, emanava daqueles rapazes e moças, teriam
fugido correndo. Mas, à distância, a grande História tende a ser contada pela
Carochinha.
Na condição de milenar torcedor da era de Pisces, já naquele
tempo eu torcia o nariz para essa história de Aquarius. Mas nem precisava. Ou
Aquarius até hoje não chegou ou, se chegou, a paz e o amor continuam na
promessa.
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