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sábado, janeiro 04, 2020

A boca livre do advogado Vilson Benayion



O Vilson Benayion nunca meteu prego sem estopa...

Dezembro de 1986. Acho que era uma antevéspera de Natal, quando todo mundo começa a fazer planos para o Ano Novo que se aproxima. Eu estava tomando uma cerveja no Bar do Aristides, quando o Sici Pirangy entrou no bar e foi direto pra minha mesa:

– Poeta, eu tive uma ideia que acho que pode dar samba. O dia 1º de janeiro é o Dia Universal da Confraternização entre os Homens de Boa Vontade, correto? O que você acha de a gente fazer uma rua de lazer nesse dia, ali na Parintins, em frente ao Barraka’s, e confraternizar numa boa? A gente se cotiza, compra umas cervejas, assa umas carnes, coloca umas músicas pra tocar e vamos passar o dia lá, jogando conversa fora e relembrando o passado...

Achei a ideia excelente. Em menos de meia hora, nós dois já havíamos convencido cerca de 30 pessoas a embarcarem na viagem. Estabelecemos o valor da cota, algo próximo a R$ 100. Começamos a distribuir as tarefas.

O Arlindo Jorge ficou de receber o dinheiro das cotas.

O Paulo César Dó ficou de conseguir a autorização da Prefeitura para fazer a rua de lazer.

Sici Pirangy se responsabilizou pela compra da birita.

Jones Cunha se responsabilizou pela compra da carne para o churrasco.

O Wilson Fernandes, dono do Barraka’s Drink, se prontificou a fornecer uma feijoada para 100 pessoas.

O Chico Costa se escalou para comprar algumas medalhas de honra ao mérito para a gente homenagear alguns moradores do bairro.

O Antídio Weil ficou encarregado de conseguir a aparelhagem de som.

Todas as tarefas foram cumpridas dentro do prazo.

No dia 1º de janeiro de 1987, o fuzuê estava armado. A Rua Parintins, no trecho entre as ruas Borba e Carvalho Leal, se transformou em um formigueiro humano.

Havia competições de futebol, vôlei, cemitério, barra bandeira, ping pong, xadrez e dominó.

Além da suculenta feijoada carioca, foram assados 100 quilos de picanha, 50 quilos de frango, 30 quilos de bisteca de porco e 20 quilos de calabresa.

De birita, foram consumidos seis tambores de 50 litros de chope da Brahma, 20 litros de batidas diversas fornecidas pelo Selmo Caxuxa, 10 garrafões de vinho tinto de cinco litros e várias garrafas de uísque, vodca, gim e cachaça.

A festa começou às oito da manhã e terminou às oito da noite, sem que tivesse ocorrido uma única altercação.

Resolvemos repetir a dose no ano seguinte.

Em dezembro daquele mesmo ano, começamos a fazer a cobrança do dinheiro das cotas.

O total de colaboradores subiu de 30 para 100 pessoas, o que era prenúncio de um verdadeiro banquete dos deuses.

As tarefas também foram divididas e cumpridas direitinho.

Houve um certo exagero, claro. Em vez de uma simples aparelhagem de som, como no ano anterior, Antídio Weil alugou um gigantesco trio elétrico.

Em vez de algumas mesinhas do Barraka’s Drinks, o Olíbio Xiri alugou um jogo de 50 mesas com cadeiras, equipadas com guarda-sol.

Também foram alugadas algumas máquinas eletrônicas de fliperama para a garotada se divertir, cortesia do Ivan Chibata.

Os ciganos eram marrentos, apesar de o presidente da escola na época, o advogado Vilson Benayon, fazer de tudo para boicotar o encontro.

Ele queria que a festa fosse realizada na quadra coberta do GRES Andanças de Ciganos.

No dia 1º de janeiro de 1988, o fuzuê estava armado pela segunda vez.

Por volta do meio-dia, no auge da confraternização, Sici Pirangy percebeu uma multidão estimada em 800 pessoas subindo a ladeira da Rua Parintins em direção ao nosso convescote particular. Todos eles traziam uma panela na mão.

Disciplinadamente, os “intrusos” entraram na fila onde estava sendo servida a feijoada e começaram a encher seus teréns.

Depois, entraram na fila onde estavam sendo servidos os churrascos e repetiram a operação.

Depois, avançaram sobre as caixas de isopor espalhadas pelas calçadas, se abasteceram com latas de cerveja e garrafas pet de refrigerantes, e começaram a fazer o caminho de volta.

Sici Pirangy resolveu intervir.

Ele segurou no braço de um sujeito que estava carregando na cabeça uma panela de cinco litros cheia de feijoada e ponderou:

– Meu amigo, não me leve a mal, mas vocês são de onde?...

– Nós somos lá do Bodozal da Maués... – devolveu o sujeito.

– E como foi que vocês vieram parar aqui? – insistiu Sici.

– O Dr. Vilson Benayon foi de casa em casa, convidando a gente para participar do aniversário dele, que seria comemorado aqui na rua. Ele também avisou que a gente podia trazer quantas panelas quisesse para levar comida pra casa porque o negócio ia ser farto... – explicou timidamente o sujeito.

Até então, ninguém sabia que o advogado realmente fazia aniversário no dia 1º de janeiro.

Sici Pirangy liberou o sujeito e foi conversar comigo, puto da vida:

– Esse Benayon é muito safado, poeta! Ele não contribuiu com um centavo pra festa e ainda foi espalhar lá no Bodozal que estava bancando tudo... Dá pra acreditar numa merda dessas? Negócio seguinte: se ele aparecer aqui, eu vou fazer aquele escroto passar vergonha! Ele que vá fazer ficela lá pras negas dele! Aqui, não! Aqui, não!

O Benayon, evidentemente, não colocou os pés no pedaço.

Apesar da invasão dos hunos, a festa transcorreu numa boa, mas, por causa da presepada do advogado, a confraternização universal entre os homens de boa vontade foi rifada sumariamente de nosso calendário existencial e não teve uma 3ª edição.

O Benayon, entretanto, se deu bem: naquele mesmo ano, ele foi eleito vereador pelo PMDB, tendo recebido 1.500 votos dos moradores do Bodozal da Maués. Choses.

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