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sexta-feira, janeiro 17, 2020

O Manual Oficial do Politicamente Incorreto



Por Geneton Moraes Neto

Desde que a praga politicamente correta tomou de assalto as mentes simplistas, pega mal dizer que o feio é feio, a gorda é gorda, o negão é negão, o gay é gay, o branquelo é branquelo, o burro é burro, o bêbado é bêbado, o idiota é idiota.

Qual é o problema? “Pega mal” dizer que um cego não pode ser fotógrafo. Mas peço licença à patrulha para dizer: não pode! Vi outro dia um fotógrafo cego pontificando na TV sobre enquadramento. Falava francês, claro (não há língua que se preste tanto a imposturas intelectuais). Cego falando de fotografia é algo tão grave e despropositado quanto este locutor participando de desfile de moda. Não há qualquer desrespeito na constatação do absurdo.

Fiz ao meu demônio-da-guarda a pergunta que todos fazem na surdina: por que é que o fotógrafo ceguinho não arranja outra profissão? Por que não aprende música? Por quê? Por que precisa aparecer na televisão falando de enquadramento fotográfico? Por quê? Por quê? O demônio-da-guarda se quedou silente.

Diante da mudez do bicho, desisto de lançar perguntas ao vento sobre o fotógrafo ceguinho e a miríade de personagens absurdos que compõem, com ele, o elenco desta nossa grande comédia de erros. Quem sabe, o melhor é deixar que o circo planetário siga adiante, sem ser importunado.

Mas…vasculho meu Museu de Miudezas Efêmeras (era assim que Jorge Luís Borges definia os jornais) em busca de um relato sobre dois ingleses que, faz algum tempo, lançaram um livro para provocar a estupidez politicamente correta reinante.  Voilà:

Defensores dos bons costumes e das boas maneiras, fiquem alertas. Militantes da mentalidade ”politicamente correta”, saiam da frente. Mal-humorados que levam tudo a sério, preparem o estômago.

Porque desembarcou nas livrarias da Inglaterra um dos mais ”politicamente incorretos” textos já produzidos. Não por acaso, a obra se chama ”O Manual Oficial do Politicamente Incorreto” (“The Official Politically Incorrect Handbook”). Os autores: dois escritores “free-lancers” ingleses, chamados Mark Leigh e Mike Lepine. A editora: Virgin Books. A missão: demonstrar aos incrédulos que, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, a Inglaterra não parece disposta a tolerar os excessos da mentalidade politicamente correta.

Os defensores da mentalidade ”politicamente correta”, como se sabe, condenam todo e qualquer gesto que possa ser visto como remotamente ofensivo contra quem quer que seja. A intenção pode até ser louvável. O problema é que o temor de ferir susceptibilidades alheias terminou criando exageros. Piadas sobre minorias? Nem pensar! Resta uma pergunta: onde é que fica o senso de humor – uma instituição secularmente cultuada na Grã-Bretanha?

Com o lançamento do livro da dupla Leigh & Lepine, os ”politicamente incorretos” lançam um novo – e bem-humorado – golpe contra os militantes radicais da pretensa correção política. Sem medo das patrulhas politicamente corretas, os dois ingleses reúnem, em 271 páginas, opiniões, tiradas e comentários que farão corar de raiva os apóstolos do ”politicamente correto”.


Eis uma amostra das estocadas politicamente incorretas da dupla inglesa:

1.”Por que é hora de começar logo uma nova Guerra das Malvinas? Como a gente vai perder mesmo a próxima Copa do Mundo, então é melhor arranjar logo alguma coisa para comemorar”.

2.”Por que estudar matemática na escola é uma completa perda de tempo? Ninguém jamais ficou rico por saber calcular o mínimo denominador comum”.

3.”Por que é tão bom ser estúpido? Porque um estúpido sempre encontrará o que ver na televisão”.

4. ”Por que a guerra é melhor que a paz? Dê um pulo no vídeo-clube. Quantos filmes de paz existem lá ?”.

5. ”Por que o sexo feminino é inferior? Tente se lembrar do nome de uma batalha importante vencida por uma mulher….” 

6.”Por que a França pode continuar a fazer testes nucleares no Pacífico? Porque seria uma completa irresponsabilidade fazer os testes no centro de Paris”.

7.”Por que é bom frequentar prostitutas? Porque, na hora H, elas dizem coisas como ”oh, baby!”, “oh, sim, sim!”, em vez de ”você levou o gato pro quintal?”.

8.”Por que é indispensável ver o discurso de Rainha na televisão no Dia de Natal? É uma excelente oportunidade para toda a família ir ao banheiro, antes de começar a ver, pela quinta vez, os ”Caçadores da Arca Perdida”.

9.”Por que ninguém deve se preocupar com a poluição das águas? Porque não vivemos nos rios”. 

10.”Por que é perfeitamente aceitável usar casaco de pele? Todos os animais usam. Ninguém nunca reclamou”.

11.”Por que é bom ser um branco anglo-saxão? A polícia nunca dá em cima de você”.

12.”Por que precisamos dos políticos? Porque, quando nos comparamos com eles, nos sentimos honestos e virtuosos”.

13.”Por que que é bom ensinar religiões alternativas nas escolas? Porque assim saberemos que não estamos perdendo nada. Além de tudo, cânticos e rezas de outros povos são em geral hilariantes…”.

14.”Por que a Inglaterra deve gastar mais dinheiro recrutando soldados para o exército do que contratando médicos para os hospitais públicos? A Rainha ia achar um tédio passar em revista uma tropa de especialistas em ouvido, nariz e garganta…”.

15.”Por que a arte moderna é uma porcaria? Qualquer coisa que parece melhor quando estamos bêbados do que quando estamos sóbrios é suspeita. Além de tudo, um tijolo é um tijolo: qualquer criança de cinco anos sabe. E um carneiro morto é um prato: não é um objeto de arte”.

16.”Por que a Previdência Social deve financiar as operações para aumentar os seios, em vez de gastar dinheiro com transplantes? Porque, ao contrário do que acontece com os seios, os homens jamais poderão enfiar o rosto entre rins transplantados e dizer ”glub, glub, glub”.

17.”Por que o Império Britânico era bom? Se o império não tivesse existido, o Cinema Império, no centro de Londres, provavelmente se chamaria hoje Odeon, o que criaria confusão no público, porque já existe um outro Cinema Odeon na cidade”.

18.”Por que o Budismo jamais pegará na Inglaterra? Porque os ingleses acham que é melhor ir para o inferno do que viver aqui por não sei quantas encarnações”.

19.”Por que os castigos corporais devem ser adotados novamente na Grã-Bretanha? Poderemos gravar os castigos e vender as fitas todas para a Alemanha”.

20.”Por que as companhias não devem dar emprego a ninguém com mais de sessenta anos? Porque os aparelhos de surdez podem causar interferências nos sistemas de alarme contra incêndio”.


Antes de começar a entrevista, Mike Lepine pediu licença para cometer o que chama de ”um ato politicamente incorreto”: acender um cigarro. O ”Manual Oficial do Politicamente Incorreto” pretende fazer o público rir, mas há um traço sério na obra:

– A propagação da mentalidade politicamente correta me faz lembrar o livro ”l984”, em que George Orwell fala da manipulação das palavras através da criação de um novo idioma – a ”novilíngua”. É o que os politicamente corretos estão fazendo, na prática: querem mudar nossa maneira de pensar mudando as palavras. Mas não queremos ser manipulados por eles!

Uma constatação: a mentalidade politicamente correta é nociva porque não permite que se façam julgamentos sobre o que é bom e o que é ruim. Mas os “padrões de julgamento” são necessários.

O politicamente incorreto Lepine admite que a mentalidade politicamente correta “pode até ter bons aspectos. Ninguém obviamente quer viver num mundo em que uns odeiem os outros. Ninguém – diz Lepine – quer racismo ou sexismo. O problema é como os politicamente corretos atuam: terminam se tornando, eles próprios, ofensivos! A correção política é uma camisa de força. Os adeptos desta mentalidade ficam brigando com as palavras, em vez de se ocuparem dos reais problemas. A mentalidade politicamente correta não permite que você faça julgamentos sobre o que é bom e o que é ruim. Não há padrões, portanto. Isto é nocivo! Quem luta contra a mentalidade politicamente correta tenta, na verdade, estabelecer padrões de julgamento – que são necessários!

Lepine se defende de eventuais críticos:

– Tudo o que fizemos, no Manual, foi escrever coisas que as pessoas normalmente dizem nos pubs, numa roda de amigos. Ali, a verdadeira opinião de cada um aparece. As pessoas são todas, por natureza, politicamente incorretas. Mas eu simplesmente não consigo ver que danos ou prejuízos o senso de humor pode causar.

Ninguém escapa da pena afiada dos dois autores politicamente incorretos – nem Tarzan e muito menos a classe operária. Aqui, eles explicam por que Tarzan é o “modelo ideal para um operário” – um exemplo típico do humor politicamente incorretíssimo:

”1.Só se comunica através de grunhidos; 2.Gosta de andar sem camisa; 3.Não tem a menor idéia sobre a identidade do pai; 4.Aprendeu suas maneiras com um chimpanzé; 5.Carrega uma faca; 6.E vive aterrorizando a população negra da vizinhança”.

(publicado no site “Dossiê Geral”, em setembro de 2009)

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