Por Edson Aran
Em épocas mais civilizadas, todo verão tinha um tema, tipo o “Verão da Lata”, o “Verão da Asa Delta”, “O Verão do Nosso Descontentamento” etc. Está na hora dessa moda voltar e já tenho um tema para a estação mais calorenta do ano: o “Verão da Inguinorança”. Tem que escrever “Inguinorança” em vez de “ignorância” para homenagear Abraham Weintraub, ministro da educação (hahaha) do governo Bolsonaro (hahahahahahahahaha). Weintraub abriu o ano escrevendo “imprecionante” numa mensagem para o chefe que, felizmente, é ainda mais analfabeto do que ele. Ainda bem. Assim o ministro não corre o risco de perder o emprego.
Seria injusto, no entanto, atribuir a “inguinorança” atual ao governo Bolsonaro. A política apenas expressa movimentos socioculturais mais profundos e esse conluio de fundamentalistas e loucos fugidos do hospício que ocupa temporariamente o poder é a consequência, não a causa.
Veja o caso do Porta dos Fundos e do Ricky Gervais, por exemplo. Os mesmos caras que criticaram a censura ao Porta, saíram por aí dizendo que Gervais foi “tóxico” no Globo de Ouro. Antigamente, só a direita dizia que o “pobrema do mundo é os tóchico”, agora não. A esquerda também acha. Para defender o Porta, teve até gente que atacou o Painho do Chico Anysio e o Renato Aragão.
Mesmo Gregório Duvivier, que pertence a uma longa linhagem de gente bem-criada e bem-educada, caiu na armadilha. Primeiro: fazer resenha-retrô de produtos culturais do passado é ridículo. Segundo: Painho é um pai de santo gay, mas as crenças dele não são o objeto da piada.
Veja bem: dei boas risadas com o especial do Porta, considero que ele é um avanço na sátira nacional, e penso que nada, absolutamente nada, deve ser sagrado no humor. Ponto. Mas comparar o Painho com o Porta, só aprofunda a “inguinorança” que envolve a questão. O que está implícito na jogada é uma espécie de “censura reversa” ao trabalho de Chico Anysio, um gênio do humor que devia ser mais valorizado.
A intolerância contra o humor — seja piada com bicha, piada com Jesus ou piada com Jesus bicha — faz parte do mesmo “momentum” cultural que produz Bolsonaro, Trump e Putin. E que antes deu em Mussolini, Hitler e Stálin. E não adianta colocar a mão na cintura feito um bule e gritar “Isso é falta de simetria porque bullying é diferente de sátira!”
Ah, é? Os católicos e evangélicos acham que o especial do Porta é bullying e não sátira. E a Woke Culture pensa que Ricky Gervais não fez sátira, mas sim bullying. E aí, como é que fica? É claro que quem joga molotov ou invade redação atirando, como aconteceu no Charlie Hebdo, é muito mais desclassificado do que quem promove “cancelamento” em rede social. As ações não são mesmo simétricas, mas o caldo cultural que produz as duas coisas é o mesmo, percebe?
Outro exemplo do “Verão da Inguinorança”. A defensoria pública do Ceará soltou comunicado avisando que “religião não é fantasia” e que não pode sair pra brincar carnaval vestido de padre, judeu, orixá, muçulmano etc porque isso “ofende tradição e crenças de outros povos”. No meme divulgado no Twitter tem um cara vestido de “árabe”, o que já evidencia a confusão mental entre etnia e religião, mas esse é o “Verão da Inguinorança”, então tudo bem. Ano passado, em São Paulo, teve bloco de carnaval proibindo marchinhas tipo “Cabeleira do Zezé” e “Maria Sapatão”. E veja que “sapatão” é uma palavra “resinificada” pelas próprias lésbicas, mas cantar a música não pode. Ah, tenham dó. Você reclama do Bolsonaro, mas tem um “Bolsonarinho” vivendo dentro de você como se fosse uma lombriga. Vai tomar um vermífugo, porra.
Gente que se leva a sério é que faz do mundo a porcaria que ele é, daí a importância da irreverência. Na vida, eu penso que só precisamos ser sérios numa coisa: na hora de enfrentar a “inguinorança” nas suas muitas e variadas formas. O verão já é uma época insuportavelmente calorenta. Tudo o que a gente não precisa é da “inguinorança” pra deixar estação ainda pior.
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