Por Ivan Lessa, de Londres
Lá se foi mais um ano, lá se foram mais 200 mil neurônios. Parece que é isso que queimamos no decorrer de 365 dias. Ou um dia. Mês, talvez. O neurônio é uma célula. Dizem. Importantíssimo para nossas faculdades mentais. Por que celebramos a passagem do ano? Em memória das células que se foram, que descansem em paz.
Como a humanidade não prima pela inteligência – olhem ao redor, humanos irmãos –, acha que o fato de se aproximar mais um pouquinho de bater com as dez, vestir o paletó de madeira, pedir o boné, ou o eufemismo gracioso que quiserem para o velhusco “bater com as botas”, é fato a ser comemorado com flores a iemanjá aí, cervejadas na rua aqui.
Talvez, pessimista e cético que sou, vai ver o que estão comemorando mesmo é o fato de terem todos, ou termos todos, ultrapassado mais um ano razoavelmente de pé, sem partir na horizontal para parte alguma. De qualquer forma, maiuscular Feliz Ano Novo. Passar bem, neurônios. Estamos todos mais velhos e tão burros quanto sempre. Mas sobrevivemos.
Mal chega ao fim um ano, quando as listagens vestem seu black tie na mídia, e a ciência e a medicina, essas mesmas que descobriram o raio do neurônio, começam a dar palpite, na tentativa óbvia de nos animar em meio aos horrores de sempre que nos cercam pelos quatro cantos da Terra e os sete de nosso corpo.
Cientistas, muitos com diploma provando, insistem em desfazer mitos. Papai Noel, a maior parte de nós já sabe que não existe. Deus? Bem, Deus teve um grande ano em 2007. Sua existência foi discutida em dois ou três livros de sucesso nas duas ou três línguas que contam, à exceção, é óbvio, do latim falado no Vaticano e arredores.
Existência ou não de uma entidade superior é assunto que já não consta de minha pauta de preocupadas indagações há muito tempo. Claro que existe. Tem uma voz possante em câmara de eco e é maior que Godzilla e King Kong brincando de cavalinho. Deus apareceu várias vezes em alguns dos meus episódios favoritos de Os Simpsons.
Assim como Joana Do Arco ouviu vozes, eu vi, guerreiros, eu vi. Eu vi Deus participando da série, assim como aqueles macaquinhos que a família "trapíssima" veio a encontrar no Rio. Eu vi Deus nos Simpsons e acreditei. Acreditei em Deus assim como em todos os outros astros convidados e não dublados em português do Brasil: de Michael Jackson a Alec Baldwin e Kim Basinger.
Impossível qualquer tentativa de descrença. Deus existe e frequenta a série criada pelo esplêndido Matt Groening. Estabelecido isso, o que mais pode nos oferecer a ciência? Bem, desfazer alguns mitos é uma boa para se atravessar o ano. Mais lógico do que se vestir de branco e ir jogar flores brancas nas águas da orla marítima carioca para agradar uma entidade de origem nigeriana, a popular orixá iemanjá.
Por essa magnífica empreitada, vale a pena, na noite do 31, enfrentar os macaquinhos que infernizaram a vida de Homer, Marge e Bart. Os tambores e os fogos de artifício também ajudam nessa curiosa experiência religiosa místico-carnavalesca-candomblesiana-ortodoxa. Sim, sim, mas e os outros mitos?
Bom, a ciência deixou de lado Deus e iemanjá e proclamou, além das virtudes de um alcacelça no primeiro dia do ano, que ler no escuro não faz mal nenhum aos olhos. Provar? Isso fica para o ano. Acrescentou a ciência que essa mania de beber água o tempo todo, como se fosse coisa salubérrima, é pura embromação daqueles que querem – aqui estão minhas flores brancas, Sá Dona Iemanjá – pegar alguns trocados de nosso rico dinheirinho.
Todos os bancos de dados de todos os redutos científicos proclamam essas verdades como absolutas. Nenhuma pesquisa médica, a sério ou de sacanagem, provou coisíssima alguma. Quem o diz é o British Medical Journal em artigo da autoria de Aaron Carroll e Rachel Freeman, minha dupla dinâmica para 2008. Que aliás, pensando bem, também não provam nada. São bons de afirmações vagas como as cartomantes da rua do Catete.
Vão além os dois e desfazem – do verbo "desfazer", conforme conjugado por eles – outras lendas. Nem os cabelos nem as unhas crescem depois que a gente morre. Portanto, a vaidade, juntamente com tudo mais, inclusive os olhos azuis e o nariz arrebitado, se vão para sempre deste mundo descontentes.
Nossos cérebros? De pouca valia, conforme o atestam alguns milhões de anos de nossa história. Não exageremos pois afirmando que só usamos 10% dos 100% de suas possibilidades. Não, não. Somos burregos mesmo. Einstein e a mais recente senhorita nua em pelo (cada vez menos pelo) da revista masculina usam o máximo que podem de sua matéria cinzenta. Ponto.
Inclusive, cientista e miss podem ler à vontade no escuro. Não faz mal nenhum. É apenas mais difícil. Se Einstein raspava o cabelo das pernas, não sei. Nem de qualquer outra parte de seu corpito. Sei que as misses raspam, das pernas, e mais, muito mais, estou cansado de saber, tendo constatado mediante folhear desinteressado das tais revistas.
Não é verdade que mesmo a depilação, o brazilian, aquela aparação praieira, faça os cabelos crescerem mais rápido e mais ásperos. As misses que não se preocupem, como Einstein, que não se preocupou com seus 100% do uso de seu cérebro genial e não rapado.
E esse celular que você ganhou no Natal? Esse que lhe recomendaram que não fosse usado nos hospitais e suas imediações? Tolice. Fale besteira nele a seu bel-prazer. Tudo onda, inócua onda, nenhuma perigosa. Chata sim, perigosa não.
Quanto ao peru deglutido no Natal, aquele que você jura que lhe deu um bruta sono? Tudo na sua doentia cabeça, companheiro. Peru não dá sono. Dormem o sono eterno cercado de iguarias e muito vinho fraquinho, mas não dão sono. Mesmo. Juro pelo meu exemplar do British Medical Journal fazendo uso dos mesmos 100% de minhas faculdades mentais, exatamente como fazia o querido Einstein.
Feliz ano novo. Cuidado ao jogar as flores brancas nas ondas do verde-mar. Parece que se no meio for uma rosa vermelha, ou mesmo amarela, é azar para o ano inteiro. Isso é um fato científico.
(Publicado na BBC Brasil em 31 de dezembro de 2007)
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