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terça-feira, janeiro 14, 2020

Como fazer humor com lado



Por Edson Aran

A primeira coisa é descobrir de que lado você está. Para resolver isso, imite o Tião Macalé: “Ô crioula difícil… tchan!” Se você for amordaçado e cancelado, você está à esquerda. Se você for endeusado e celebrado, você está à direita. Se sua plateia conhece o Tião Macalé, você está em 1982. Se você estiver no lado esquerdo tem permissão pra fazer piada com pastor, terraplanista e Pinochet. Se você estiver no lado direito tem permissão para fazer piada com pai de santo, sebastianista e Fidel.

Piadas com Adolf Hitler estão liberadas nos dois lados. O cara é considerado de esquerda por quem está à direita e de direita por quem está à esquerda. Hitler, na real, sempre foi de direita, mas nós vivemos em tempos onde tudo que é sólido se desmancha no ar, feito avião da Avianca.

Alguns grupos radicais são proibidos nos dois lados. Feminismo e Islamismo, por exemplo. Vai dar ruim, tô avisando. Religião é tema sutil. Um pregador anti-aborto é mais tolerável se for católico e mais execrável se for crente. Não me pergunte por quê. É o mesmo lance do pai de santo e do pastor. Aparentemente, alguns amigos invisíveis são mais bacanas que os outros. Na dúvida, risque “religião” da sua lista de temas. E “aborto”, é claro. Nem devia ter entrado.

Corrupção é outra coisa delicada. Se você está à direita só pode criticar corruptos da esquerda. Se você está à esquerda só pode criticar corruptos da direita. Se você não se incomoda com a corrupção, está fora do Brasil. A regra é clara: se a sua agenda política vem antes da sua piada, você está à esquerda. Se a sua direita vem antes da sua piada, você é uma agenda política. Se o humor é sua única política, você terá sempre a agenda livre. Aproveite para ir ao cinema.

Humor é ao mesmo tempo um estilo e um gênero. Você pode usar o humor para construir ensaios eruditos como, digamos, Umberto Eco. Isso é estilo. E você pode ter o humor como o centro da sua produção tipo, sei lá, o P. G. Wodehouse. Isso é gênero.

E o humor também é uma escola literária. Ao longo da história, sempre existiram pessoas que olham pra toda essa desgraceira e dá risada em vez de chorar. Aristófanes, Miguel de Cervantes, Millôr Fernandes, Karel Capek, Vladimir Nabokov, Woody Allen. Ainda bem. Sem humor, a vida é chata como um dramalhão mexicano, só que sem vilãs de tapa-olho pra gente se divertir.

Vamos a um exercício prático. Imagine o seguinte esquete. Brasília, reunião de ministros. O titular da Economia faz a seguinte proposta: para aumentar o PIB e diminuir a fome, os favelados do Brasil estão liberados para comer os próprios filhos. O ministério, inclusive, vai lançar um fabuloso livro de receitas para ser distribuído gratuitamente à população.

Você escreveria essa piada?

1 — Não! É cruel demais e os meus amigos do Leblon nunca mais vão me convidar para tomar suco de melancia e comer sushi.

2 — É claro que não! Essa é uma proposta econômica das mais sensatas e tem o meu total apoio. Eu não brinco com coisa séria.

O esquete acima é baseado no texto “Uma modesta proposta”, escrito por Jonathan Swift em 1729, e considerado um dos pilares do humor sarcástico na literatura. Swift só trocou os favelados (perdão, moradores de comunidades) por irlandeses que, no século 18, eram os favelados do Velho Mundo (perdão, moradores da comunidade europeia).

A melhor maneira de fazer humor com lado é evitar o humor. Um humorista deve criticar o que conhece. E isso pressupõe rir, antes de tudo, do que está ao seu lado. Afinal, se o cara não consegue tirar sarro do que está perto dele, como vai tirar sarro do que está longe?

Para fazer humor com lado, deixe o humor de lado.

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