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quarta-feira, novembro 29, 2006

Os Mutantes e Arnaldo Baptista – do impossível retorno ao milagre de Londres




















Arnaldo Baptista e Fábio Massari

Sonia Maia, de Londres

Queria ter escrito este texto logo depois do show do Barbican, no dia 22 de maio, mas com Arnaldo e Lucinha na cidade onde moro há sete anos sobrou muito pouco tempo para qualquer coisa além de tentar estar lá, ao lado deles. Logo em seguida, peguei um desses vírus pesados e fiquei de cama por mais de duas semanas. Aí a vida volta ao normal e você pensa que o momentum se foi... Mas lendo uma recente entrevista de Arnaldo na Época, resolvi adiantar o texto que um dia escreveria...


Cultivo uma amizade muito querida com Lucinha e Arnaldo há mais de 16 anos e que começou quando convenci, a duras penas, os editores da revista Bizz em 1989 a publicar uma entrevista com Arnaldo Baptista. Arnaldo estava fora de circuito há quase dez anos. Havia um temor de que as seqüelas deixadas após o acidente de 1982 iriam expor o ídolo e manchar sua imagem. Tinha sido convidada pela DJ Sônia Abreu a visitá-lo.


Quando cheguei à sua casa fiquei impressionada não apenas pela quantidade de desenhos e pinturas espalhadas pela parede, mas também com suas idéias nada populares na época: de como o uso do petróleo promovia guerras e inflação (daí sua defesa pelos carros movidos com energias alternativas); sua preferência por amplificadores valvulados e outros equipamentos de som específicos, vistos como uma “obsessão”; sua defesa por um meio ambiente mais saudável; seu lado vegetariano; seu carinho pelos animais e seu jeito muito particular de falar e colocar suas idéias, que embora destoassem como até hoje do linguajar “normal”, não deixava de ser, na minha opinião, brilhante.


Quebrar aquela barreira foi um desafio que abracei. Lembro que acabei fazendo a entrevista no estilo “por conta própria” - e sua publicação dependeria do material final. Mas não foi difícil conseguir publicá-la. O material era bom, não tão bom quanto queriam. Hoje atribuo a publicação da entrevista mais ao fato de ter exercido um certo poder na revista, uma vez que já era contratada da Editora Abril bem antes da revista nascer e de ter sido envolvida na sua criação pelos executivos que a idealizaram. Esse acesso às chamadas esferas de poder da empresa de certa forma me ajudava a defender melhor minhas pautas undergrounds.


Esta barreira inicial das pessoas em relação a Arnaldo – e que só começou a melhorar depois do lançamento da coletânea Sanguinho Novo também em 1989 –, trazia em si um misto de paternalismo e preconceito por parte dos jornalistas e outros fomentadores culturais da época, portanto não apenas da Bizz.


De qualquer forma, a entrevista quebrou este primeiro gelo e o lançamento de Sanguinho Novo trouxe Arnaldo de volta aos olhares públicos e de lá para cá ele não parou de crescer e ser chamado a participar de eventos, exposições, shows, compilações – como a lançada em 2001, Dê uma Chance à Paz em homenagem a John Lennon – na regravação de suas canções por diversos artistas e bandas, dos mais famosos aos mais obscuros, no Brasil e no exterior.


Arnaldo e Lucinha contaram, neste recomeço, com a ajuda da fotógrafa Fabiana Figueiredo, que além de organizar várias exposições, cuidar da agenda de Arnaldo por sete anos, lutar pelo relançamento de seus álbuns, organizar legalmente seus direitos autorais, tentou, ainda, reaproximá-lo do irmão, do filho, de Rita Lee e até dos tropicalistas...


O sonho de Fabiana era o mesmo de todos: o de tentar furar a cortina de mal entendidos que reinavam entre os ex-Mutantes. Esse era um desafio maior do que ela mesma poderia imaginar – como testemunharia também o jornalista Carlos Calado, que em 1995 publicou uma biografia do grupo. “O menos louco dos três é o Arnaldo”, foi um de seus comentários para resumir o calvário que atravessou para finalizar seu compêndio.

Os Mutantes talvez até tivessem razão em algumas críticas que fizeram ao livro, mas não há dúvidas que ali estavam três personalidades osso duro de roer. Lembro também do dia em que Fabiana voltou chocada de um encontro que tentou promover entre Arnaldo e Rita. Fabiana escreveu uma carta para Rita e resolveu pedir a Gilberto Gil que a entregasse. Gil foi extremamente duro – e injusto – com Fabiana ao lhe dar um pito, como um pai faz com a filha peralta: “Você não tem nada a ver com isso, não se meta!”, foi o tipo de comentário que Gil lhe dirigiu.


Arnaldo sempre enfrentou estes momentos de coração aberto. O acidente e suas seqüelas o libertaram dos ranços do passado, já que ele mesmo nunca foi um ser fácil antes de seu renascer. Apesar de ainda manter uma personalidade forte e algumas vezes intransigente, o Arnaldo que emergiu do acidente é uma pessoa de uma doçura encantadora, que tanto emocionou os que testemunharam em Londres sua volta à frente dos Mutantes junto ao irmão Sergio.

Ao longo de todos estes anos, Arnaldo vem se soltando cada vez mais, sendo seu primeiro grande salto musical em mais de duas décadas o brilhante álbum que é Let It Bed, com o “little help of my friends”, como ele mesmo gosta de colocar, dos não menos brilhantes Rubinho Troll e John Ulhoa.


Tudo isso pode soar um tanto longo e repetitivo, mas é que a vinda a Londres dos Mutantes me fez lembrar um problema horrível do Brasil e dos brasileiros, que é a falta de memória, ligada tanto a falta do hábito de registro, como a uma preguiça em pesquisar...


Sem generalizar, um exemplo, longe de ser o único, foram os garotos do Canal Brasil, muito simpáticos diga-se de passagem, que vieram para Londres para fazer um documentário sobre Arnaldo. Eu estava lá em uma ou outra ocasião e uma das minhas sugestões foi a de filmar Arnaldo junto com Rubinho Troll, que também mora em Londres, visitando uma loja de equipamentos eletrônicos, passeio programado para o próximo dia e que acabou não acontecendo. Percebi logo que mal sabiam quem era Rubinho Troll. “Ah, o cara daquela banda, o Sexo Explícito”, disse um deles num tom de total desinteresse.


O Sexo Explícito foi uma das bandas mais importantes do não menos importante movimento rock/pop dos anos 80 no Brasil. Sexo Explícito era a banda também de John Ulhoa, mentor do Pato Fu. Rubinho Troll foi/é um compositor e letrista brilhante e, mais importante para o contexto deste retorno dos Mutantes, o produtor que ficou no sítio de Juiz de Fora gravando Let it Bed com Arnaldo. Sem ele o CD não teria acontecido, como não cansa de atestar Lucinha Barbosa, pelo menos não naquele momento, daquela forma. E o momento, quando se trata de algo tão mágico como a música, é o que faz tudo girar e acontecer.


Sem Let it Bed, consequentemente, Aluizer Malab, empresário do Pato Fu e o intermediador principal nesta volta dos Mutantes, não teria conseguido a façanha que ainda lhe renderá muitos louros. Sei que Rubinho está pouco se lixando para este tipo de crédito, o que sempre me fez admirá-lo ainda mais, e sei também que este comentário vai me render muitas tiradas de sarro de Rubinho (“Sônia, você tem que lavar este sangue fervente que corre em suas veias”, como disse certa vez)... Mas a falta de informação dos meninos do Canal Brasil, principalmente levando em conta que estavam fazendo um documentário sobre Arnaldo em Londres, onde reside seu mais importante produtor dos últimos tempos, me deixou chocada. Outro exemplo de desleixo foi eu ter de ficar no pé da produção para conseguir a credencial de Rubinho, a última a sair.


E não pára aí: a revista brasileira mais popular da Grã Bretanha, a Jungle Drums, lançou apenas uma nota cheia de dúvidas sobre o show dos Mutantes em Londres. A Folha de São Paulo não teve dúvidas em publicar uma matéria pós-show sem consistência, negativa e, principalmente, imatura. Estava claro que o tal “jornalista” usou a importância dos Mutantes para fazer crescer seu próprio nome. Tanto Folha, como Jungle Drums e o tal Evangelista tiveram que engolir com amargor o vexame. A Folha se viu obrigada a publicar uma bela réplica enviada por Fábio Victor.


Agora, eu pergunto, como um jornal como a Folha de São Paulo, com profissionais do calibre de Alcino Leite, José Simão, Mário César de Carvalho, para citar apenas os que mais admiro, toma uma atitude como esta. Não existe mais checar a matéria? Não dava para ligar para o Thomas Pappon, da BBC, que também estava lá, por exemplo, e conferir? Como foram assinar em baixo um texto visivelmente infantil sobre um momento histórico envolvendo a banda mais importante do Brasil?


E eu poderia continuar a listar diversas outras situações, incluindo entrevistas e matérias do passado, mas há momentos muito mais importantes a retratar e apesar de estar decidida a manter esta parte do texto, sei que todos a quem me refiro aqui com carinho estão acima de tudo isso e que talvez valeria mais a pena ter ignorado a todos os outros. Mas ignorar é fazer coro aos ignorantes.


Fevereiro de 2006 – Mutantes se reúnem novamente pela primeira vez.


Eu estava no Brasil quando a primeira reunião entre os Mutantes aconteceu em São Paulo na casa de Sergio Dias Baptista. Não pedi para presenciar o encontro, porque não quis ser intrusiva, afinal, nunca tinha encontrado Sergio antes. Mas tomei café da manhã no hotel onde Lucinha e Arnaldo pernoitaram e demos muita risada com o relato. Tudo foi gravado em vídeo, que deve um dia circular dentro de outro maior. Passaram todo o tempo rindo ao relembrarem as safadezas e traquinices que aprontavam na época dos Mutantes.


Pensei imediatamente em Carlos Calado, Fabiana, e todos relatos que ouvi ao longo de todos estes anos do quanto era difícil lidar com os Mutantes, entender suas desavenças e intransigências. Rita Lee não estava lá, como não esteve até agora. Mas tinha sido informada em primeira mão de tudo e convidada. Mas a rixa entre os irmãos, na minha opinião, sempre foi o grande entrave na reaproximação, e este sempre pareceu um problema insolúvel, seja por conta do lado intransigente de Arnaldo, seja pelo alardeado superego de Sergio.


Mas a música é algo mágico. E apesar de a possibilidade de fazer dinheiro tenha dado um forte impulso inicial, foi na verdade a música que tornou tudo possível. Estava, sim, mais do que na hora do grupo reverter financeiramente para si o que vários vêm ganhando em cima deles por décadas a fio. Arnaldo dava risadas e mais risadas re-contando o reencontro na manhã seguinte.


Daquele momento em diante, tive certeza que o projeto iria adiante. E tinha certeza que o show seria um arraso, porque acompanhei o progresso dos ensaios em vários telefonemas e emails trocados com Lucinha e se ela dizia que tava ficando muito bom podia-se ter certeza de que tava bom mesmo. Lucinha tem um senso crítico apuradíssimo.


Mas foi preciso uma traquinagem, apenas uma traquinagem, uma atitude de moleque, para que os Mutantes começassem a pensar seriamente em se reunir novamente.


A Tropicália segundo Londres


Sentada na área de alimentação do Barbican enquanto ajeitavam os instrumentos para a passagem de som do show dos Mutantes, Miles, Relações Públicas da casa e um dos mentores do projeto Tropicália, sentou-se à mesa que eu dividia com Jeff McCarty, norte-americano que há mais de um ano vem trabalhando num projeto para um documentário sobre os Mutantes.

Por alguma razão que até agora desconheço, Miles começou a falar incessantemente sobre o projeto Tropicália, sem nem se apresentar ou perguntar quem éramos. Talvez seja porque aquele era seu último momento – o show fechou o projeto levado de fevereiro a final de maio, trazendo shows, filmes, debates, uma mega exposição de arte e um compêndio que, segundo Marcelo Dolabela, é o melhor e mais completo livro já publicado sobre o movimento.

Quão vergonhoso isso é, não consigo deixar de pensar até agora. Sem tirar o mérito do Barbican, quão vergonhoso é o fato de que tivemos que esperar por mais de três décadas para que a melhor literatura sobre a Tropicália fosse editada pelos ingleses e não por nós mesmos.


Miles falou por quase meia hora. A maior dificuldade enfrentada com o projeto foi a complexidade do movimento e a impossibilidade de colocá-lo dentro de um conceito fechado. “A maior parte dos eventos e exposições trazidas para a Inglaterra e os movimentos a que pertenceram têm uma conectividade imediata, o público sabe do que se está falando, há uma certa identificação e entendimento. Com a Tropicália não: era algo totalmente novo, não digerido, pouco explicado, repleto de complexidades. E mesmo não sendo possível colocá-lo dentro de uma ‘caixa’, tivemos que por vezes fazê-lo para poder vender a Tropicália ao público e à imprensa, para criar uma linha na qual pudessem seguir e entenderem do que estavámos falando”.


Perguntei se ele tinha lido Verdade Tropical, de Caetano Veloso, e Miles, sem esconder um certo constragimento, respondeu: “Não. Por um lado não havia tempo e por outro quis estar livre de qualquer influência para poder absorver e digerir toda aquela informação mais livremente. Sei que vou ter que voltar a tudo no futuro para completar o processo. E aí será a hora de ler Verdade Tropical.”


Para o Barbican, a reunião dos Mutantes era a cereja em cima do bolo, como dizem por aqui, e os criadores do evento tomaram uma atitude muito pouco comum para o padrão inglês, acostumado a fazer tudo de acordo com as regras do jogo. Anunciaram, sem que os Mutantes fossem sequer consultados, que o grupo estaria fechando o evento com uma reunião histórica em seu teatro.


Desde o momento em que o Barbican lançou a isca, a roda começou a girar – movida, principalmente, por Aluizer Malab, que tinha cuidado do lançamento de Let It Bed. Aluizer decidiu tomar para si o desafio de reunir a banda. Não foi fácil. Até o primeiro ensaio na casa de Sergio, mais desavenças aconteceram...


A primeira foi a passagem relâmpago de Liminha no processo. Liminha queria fazer um show enxuto, poucos músicos, com muita coisa sampleada. Sergio queria tudo tocado por seres humanos. Liminha queria um repertório com as músicas mais ‘fáceis’. Sergio queria um leque complexo e, portanto, difícil.

Como Sergio é Dias Baptista e, portanto, Mutante original, Liminha desistiu de participar. Mas tudo sem deixar mágoas, como nunca aconteceu entre os Mutantes, e a porta continuou aberta tanto para Liminha como Rita. Esta, como todos sabem, desejou sorte a todos, abençoou a escolha de Zélia Duncan, e deixou no ar uma esperança de que um dia talvez venha a se juntar à trupe.


A dificuldade seguinte era decidir quem seria a vocalista central, ‘a substituta da Rita Lee’. “Até o dia em que Zélia entrou no estúdio de Sergio e ficou definido que seria ela, Arnaldo ia aos ensaios como um boi vai para o abatedouro”, contou Lucinha com seu sempre delicioso senso de humor. “Ele adorou a Zélia”. “Ela tem um lado hard rock que trouxe muito para os Mutantes”, comentou Arnaldo.


Antes de Zélia, outros nomes foram cogitados e algumas cantoras até passaram por testes. Entre elas, a talentosa voz no estilo Janes Joplin de Esmérya Bulgari, mantida nos backing vocals. Esmérya sabe que poderia levar o desafio adiante, tanto que no show Zélia faz questão de chamar a atenção para seu talento. Mas se Esmérya ainda tiver alguma tristeza rondando seu coração por não terem lhe dado a posição, alguém precisa dizer-lhe que está muito menos vulnerável como backing vocal e com mais chances de ser notada do que se estivesse à frente da banda.


Para mim, a grande contribuição de Zélia foi a de justamente não ‘substituir’ Rita, como ela mesma comentou. Zélia usa sua pessoa como um laço que abraça todos à sua volta, atando o nó final que embala esta unidade tão particular, absurdamente criativa e eternamente moderna, tocante que foram – e podemos dizer agora são – os Mutantes. Somente uma estrela com humildade e inteligência excepcionais conseguiria esta façanha. E esta combinação é muito rara no mundo artístico.


Dinho, além de fechar o triângulo para um retorno mais completo dos Mutantes e trazer todo seu charme, simpatia e a batida histórica dos Mutantes na bateria, vem ajudando Sergio e Arnaldo imensamente nas estratégias e decisões executivas e de produção da banda.


Junte-se a estes todos os músicos de ‘sanguinho novo’, jovens orgulhosos de poder colocar seu talento a serviço da banda que mais os influenciou. Exalavam felicidade pura durante o show. Foram todos escolhidos por Sergio Dias Baptista, que já vem trabalhando com eles há algum tempo em vários projetos. Dentre eles, destaque para o multi-instrumentista Vitor Trida, o teclado de Henrique Peters e a percussão de Simone Soul.


Sergio foi o grande maestro, arranjador e produtor deste retorno e vem conduzindo seu trabalho de forma brilhante. Pela terceira vez repito: a música é uma coisa mágica! Esta reunião não teria sido possível se Sergio não tivesse baixado a guarda, se não tivesse buscado no fundo de seu coração uma humildade inerente a todo ser humano.

No hotel em que ficaram em Londres, onde a sala de espera se transformou em sala de estar dos Mutantes, foi tocante ver a forma como Sergio sentou-se ao lado de Arnaldo para participar de uma entrevista levada por uma dupla de jornalistas brasileiras. Arnaldo já tinha gravado por 20 minutos. Arnaldo, como era de se esperar, foi o mais procurado para entrevistas, tanto que foi ele quem ficou mais tempo em Londres após o show para cumprir possíveis compromissos com a imprensa.


Quando Sergio sentou-se à poltrona, uma das garotas pediu que ele se apresentasse. Sergio, rindo, respondeu: “Eu sou o irmão de Arnaldo, Sergio”. Esta entrevista em vídeo ficou uma pérola e espero que seja usada na medida de sua importância.

Arnaldo e Sergio falaram como dois verdadeiros irmãos, o que não é óbvio neste caso. Sejam quais foram os motivos que os separaram por anos a fio, tudo pareceu enterrado, seja no show, seja no momento desta entrevista específica. Havia um carinho entre eles, que me fez imaginá-los quando garotos brincando no jardim da casa, um laço que se desgasta, pensei, mas jamais se quebra.

Não quero dizer que tudo será um mar de rosas, ainda é muito cedo para colocar a mão no fogo sem risco de se queimar, mas foi emocionante, está sendo emocionante e a gente só pode desejar e esperar que Sergio cultive cada vez mais esta humildade, porque quanto mais humilde Sergio se posicionar na banda e no projeto, o show vai ficar ainda mais genial do que já está e podemos esperar mais pérolas no futuro, novinhas em folha... O desejo entre eles é de que o grupo continue e produza novas canções. O próximo momento histórico será quando Sergio visitar o estúdio de Arnaldo no sítio de Juiz de Fora.


A emoção de um show que poucos ali viram um dia


Tudo que disse acima, mesmo com todos estes músicos talentosíssimos, com a clarividência de Zélia Duncan, a maestria de Sergio, a simpatia de Dinho, nada, absolutamente nada teria resultado no que resultou não fosse pela presença e atuação de Arnaldo Dias Baptista.

A música é algo mágico! A música como indústria de entretenimento e, consequentemente, cruel e mortífera, quase nos tirou Arnaldo. Mas foi a música de Arnaldo, a paixão e carinho que vem despertando em gerações e gerações que nos trouxe Arnaldo de volta.

Saí do show pensando: Deus do Céu, imagine no quinto show, imagine quando tudo estiver tinindo, quando Arnaldo se soltar mais ainda e resolver atacar os teclados como faz em Juiz de Fora, então isso será algo ainda mais extra-terrestre do que já foi em Londres, o mais próximo de uma viagem de ácido que um ser humano pode chegar, sem ingerir química alguma.


Arnaldo desembarcou em Londres todo prosa. Pela primeira vez, era ele quem ia à frente de Lucinha, conversando com as pessoas, pedindo indicações, andando pela cidade como se fosse a velha conhecida que na verdade é... (Arnaldo passou dois meses em Londres em viagem pela Europa nos velhos tempos).

Arnaldo chegou até a perseguir uma turma de traficantes que tentaram destruir as câmeras dos meninos do Canal Brasil em Camden Town. É que, ao passar pela turma, os meninos não os notaram e estes, por sua vez, ficaram furiosos de se verem filmados “em flagrante delito”. Perseguiram André e Paulo com o claro intuito de destruir suas câmeras. Welcome to Hell! Aqui também tem! Eram garotos, jovens, alguns menores de 18 anos... Arnaldo não teve dúvidas: saiu correndo atrás dos traficantes em defesa de seus amigos...


Depois do show, era comum Arnaldo ser parado nas ruas de Londres por fãs de idades diversas, tanto brasileiros como ingleses. A reação era: “Ah! Olha ele aqui! Meu ídolo! Pô, cara, demais, lindo show! Fiquei emocionado! Obrigado!”, seja em inglês ou em português, o discurso era sempre o mesmo.


Houve uma tensão inicial, porque a passagem de som atrasou e, consequentemente, não tiveram o tempo que queriam. Por conta disso, no show nem todos os instrumentos falavam como deveriam – o teclado de Arnaldo estava muito baixo, praticamente inaudível, o gravador de Zélia não funcionou, a guitarra de Sergio deu um trabalho imenso para conectar, o que atrasou ainda mais o show ..... Kuru, o empresário que divide as responsabilidades com Aluizer, estava literalmente puto no camarim no meio da passagem de som, tanto com o técnico de som brasileiro como com os do Barbican.

Tentei levantar o moral, dizendo: “não se preocupe, a música é algo mágico e quando eles entrarem no palco, tudo vai acontecer como num conto de fadas...”. Na verdade, a situação me deixou também nervosa, tanto que antes do show beijei Lucinha, beijei Arnaldo e sai o quanto antes do backstage para não demonstrar o nervosismo. O show de abertura do Nação Zumbi foi o mais longo de toda a minha história neste mundo do rock e pop.


Mas foi mesmo como num conto de fadas. Como disse Lucinha logo após o show, “Foi tudo imaginação, não foi?”, se referindo ao hiato de mais de 30 anos entre o último show dos Mutantes a este retorno em Londres.


À entrada dos irmãos, o Barbican veio abaixo. Na platéia, metade brasileiros, metade europeus e ingleses. O show recebeu cinco estrelas no The Guardian, com uma crítica que finalizava dizendo: “nunca houve – e ainda não há - nada como os Mutantes”. A Time Out os chamou, mesmo antes do show, de a melhor banda de rock psicodélico do mundo. Chrissie Hynde estava na platéia. E Eliete Mejorado, do Tetine, não conseguiu gravar em seu celular “Dia 36”, o ápice do show na nossa opinião, porque só fazia chorar. Depois que saí do show, durante pelo menos quatro dias em minha mente só giravam a lembrança de “Dia 36”. Pois é, Mutantes além de te levar numa viagem alucinógena, dura muito mais...


“Dia 36” foi o momento mais solo de Arnaldo, acompanhado por Vitor – sentado ao chão e à frente do teclado de Arnaldo tocando contrabaixo Gibson (preferido de Arnaldo) com um arco de violoncelo –, Simone Soul na percussão e um distorcedor no seu microfone, que enfatizava ainda mais a voz já levemente distorcida de Arnaldo, um de seus charmes.

Como comentou John Ulhoa ao produzir o material de Let it Bed, “essas gravações de Arnaldo cantando hoje em dia são tremendamente emocionantes”. E foi esta emoção que todos sentiram ao vivo, que fez o público reverenciar Arnaldo, sair da Terra em “Dia 36” e aplaudi-lo de pé quando Sergio apresentou a banda. E, ainda, ao reviver o famoso dueto de vozes entre Arnaldo e Sergio nas outras canções, como apontou e mais emocionou o jornalista e músico Thomas Pappon.


O lado moleque de Arnaldo, que culminou com sua famosa cambalhota ao deixar o palco no final do show, o encantamento que provoca nas pessoas ao cantar, interpretar, teatralizar as canções, deixaram claro o porquê dele ser até hoje admirado.


O show dos Mutantes e esta reunião de Arnaldo com o irmão depois de tantos anos nos trouxe, enfim, uma mostra de quanto o amor, a compreensão, a humildade e a boa vontade são capazes de promover momentos mágicos e transformadores.

(Publicado no blog da Sonia Maia, em 17 de junho de 2006)

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu