Cogito
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.
O Poeta é a mãe das armas
& das Artes em geral —
alô, poetas: poesia
no país do carnaval;
alô, malucos: poesia
não tem nada a ver com os versos
dessa estação muito fria.
O Poeta é a mãe das Artes
& das armas em geral:
quem não inventa as maneiras
do corte no carnaval
(alô, malucos), é traidor
da poesia: não vale nada, lodal.
A poesia é o pai da ar-
timanha de sempre: quent
ura no forno quente
do lado de cá, no lar
das coisas malditíssimas;
alô poetas: poesia!
poesia poesia poesia poesia!
O poeta não se cuida ao ponto
de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo
já sabe: não está cortando nada
além da MINHA bandeira ////////// =
sem aura nem baúra, sem nada mais pra contar.
Isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. a
r: em primeiríssimo, o lugar.
poetemos pois
torquato neto /8/11/71 & sempre.
um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia
resplandente, cadente, fagueira num calor girassol com alegria
na geléia geral brasileira que o Jornal do Brasil anuncia
ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
a alegria é a prova dos nove e a tristeza é teu porto seguro
minha terra é onde o sol é mais limpo e Mangueira é onde o samba é mais puro
tumbadora na selva-selvagem, Pindorama, país do futuro
ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
é a mesma dança na sala, no Canecão, na TV
e quem não dança não fala, assiste a tudo e se cala
não vê no meio da sala as relíquias do Brasil:
doce mulata malvada, um LP de Sinatra, maracujá, mês de abril
santo barroco baiano, superpoder de paisano, formiplac e céu de anil
três destaques da Portela, carne-seca na janela, alguém que chora por mim
um carnaval de verdade, hospitaleira amizade, brutalidade jardim
ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
plurialva, contente e brejeira miss linda Brasil diz "bom dia"
e outra moça também, Carolina, da janela examina a folia
salve o lindo pendão dos seus olhos e a saúde que o olhar irradia
ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
um poeta desfolha a bandeira e eu me sinto melhor colorido
pego um jato, viajo, arrebento com o roteiro do sexto sentido
voz do morro, pilão de concreto tropicália, bananas ao vento
ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
literato cantabile
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto pode ser o fim
do seu início
agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em minha orla
os pássaros de sempre cantam assim,
do precipício:
quem perdeu que agradeça
a quem ganhou.
não se fala. não é permitido
mudar de idéia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento
do corpo ou onde quer que alhures.
toda palavra envolve o precipício
e os literatos foram todos para o hospício
e não se sabe nunca mais do mim. agora o nunca.
agora não se fala nada, sim. fim. a guerra
acabou
e quem perdeu agradeça a quem ganhou.
pacato cidadão
seu terno, sua gravata lhe caíam bem
seu nome, que eu me lembre, era ezequias
casado, vacinado e sem ninguém.
brasileiro e eleitor, seu ezequias
reservista de terceira e com família
três filhos, prestações e alguns livros
(enciclopédias e biografias)
era um pacato cidadão de roupa clara
era um homem de bem que eu conhecia
cumpria seus deveres, trabalhava
chegava cedo em casa de madrugada
lutando pelo pão de cada dia.
era um pacato cidadão de roupa clara
e todo dia passava e me dizia
que o mundo estava andando muito mal
eu perguntava por que, eu perguntava
seu ezequias nunca me explicava
apenas repetia
lá dentro do seu puro tropical
este mundo vai seguindo muito mal
este mundo, meu filho, vai seguindo muito mal.
ah, seu ezequias!
que pena, que desastre, que tragédia
que coisa aconteceu naquele dia
seu ezequias. ah, seu ezequias
saiu do emprego e foi tomar cachaça
e apenas de manhã voltou pra casa
batendo na mulher, xingando os filhos
seu ezequias, ah seu ezequias
era um pacato cidadão de roupa clara
era um homem de bem que eu conhecia
e agora é a vergonha da família.
ai de mim copacabana
um dia depois do outro
numa casa abandonada
numa avenida
pelas três da madrugada
num barco sem vela aberta
nesse mar
nem mar sem rumo certo
longe de ti
ou bem perto
é indiferente, meu bem
um dia depois do outro
ao teu lado ou sem ninguém
no mês que vem
neste país que me engana
ai de mim, copacabana
ai de mim: quero
voar no concorde
tomar o vento de assalto
numa viagem num salto
(você olha nos meus olhos
e não vê nada -
é assim mesmo
que eu quero ser olhado).
um dia depois do outro
talves no ano passado
é indiferente
minha vida tua vida
meu sonho desesperado
nossos filhos nosso fusca
nossa butique na augusta
o ford galaxie, o medo
de não ter um ford galaxie
o táxi, o bonde a rua
meu amor, é indiferente
minha mãe, teu pai a lua
nesse país que me engana
ai de mim, copacabana
ai de mim, copacabana
ai de mim, copacabana
ai de mim.
Pílulas do tipo deixa-o-pau-rolar. Na mesma base: deixa.
Primeiro passo é tomar conta do espaço. Tem espaço a bessa e só você sabe o que o que pode fazer do seu. Antes ocupe. Depois se vire.
Não se esqueça de que você está cercado, olhe em volta e dê um rolê. Cuidado com as imitações.
Imagine o verão em chamas e fique sabendo que é por isso mesmo. A hora do crime precede a hora da vingança, e o espetáculo continua. cada um na sua, silêncio.
Acredite na realidade e procure as brechas que ela sempre deixa. Leia o jornal, não tenha medo de mim, fique sabendo: drenagem, dragas e tratores pelo pântano. Acredite.
Poesia. Acredite na poesia e viva. E viva ela. Morra por ela se você se liga, mas por favor, não traia. O poeta que trai sua poesia é um infeliz completo e morto. Resista, criatura.
Sínteses. Painéis. Afrescos. Reportagens. Sínteses. Poesia. Posições. Planos gerais. "O Close-up é uma questão de amor". Amor.
Eu, pessoalmente, acredito
16/11/71 - 3ª-feira
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