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segunda-feira, novembro 27, 2006

Sebastunes e a página-clip da poesia














Paulinho Assunção (*)

Esse Sebastião Nunes. Ou Bastião Num, forma autocorrosiva com a qual assina o texto introdutório de sua Antologia Mamaluca, reunião de quase tudo quanto publicou (“folhetos, cartazes, envelopes recheados de papéis de todas as formas, e até livros parecidos com livros”) desde 1968, e que ele lança agora pela sua – dele, Sebastião – Edições Dubolso. Aliás, a Mamaluca cai na vida junto com outro lançamento, a reedição que o próprio Nunes faz daquele não menos desbocado O Elixir do Pajé, de Bernardo Guimarães, essa suma escathologica tropical. Quem comprar um, leva o outro na bagagem, de graça.

Poeta das alegorias gráficas, distribuidor de humor, sátira, paradóia, macunaímico mais que Macunaíma, descomportado como o diabo gosta, publicitário que fez a catilinária mais violenta da propaganda brasileira com o livro (anti-livro) Somos todos assassinos, lançador de ambigüidades no discurso à cote, desfreqüentador de rodas e igrejinhas (“eu nunca fiz parte de nenhum movimento”), o mineiro Sebastião Nunes é uma usina de desafinar. Dois pontos. Corais contentes. Fez Direito e sempre exerceu o gauche.

“O primeiro poema que escrevi foi em 1967”, diz ele. Deste poema, já canabalizando o potencial visual da propaganda (“os quadrinhos, as fotos, a ilustração”), Nunes disparou o seu livro de estréia, Última carta da América, no ano seguinte. Desdevedor de editor, como até hoje. Mas com duas tentativas, é bom que se aclare. Uma, junto à Civilização Brasileira, recebendo o “não” de praxe. Outra, junto à Brasiliense: além do “não”, “recebi do Caio Graco um envelope cheio de panfletos sobre as diretas-já”. Recusado pelas outras, ficou com a sua, a Dubolso, onde rege múltiplos instrumentos.

Aí é que está. Na poesia de Sebastião Nunes, desenho e texto, o iconográfico e a palavra não se separam. Antes, contaminam-se, cinéticos, na página-clip. Só raramente o texto vem só-texto, assim mesmo injetado, por exemplo, por uma capitular desmedida, ornamental, onde o poeta faz penetrar ou roçar uma epígrafe.

É o caso, por exemplo, do poema inédito da Antologia Mamaluca, “Canção para Dolores Duran”, no qual o “F” inicial do primeiro verso acolhe uma citação mais do que obscura de Carlos Drummond de Andrade, justamente sobre a “Fatalidade”.

A mediania feliz, ou dourada, esse chantilly cremoso que substitui a inteligência na vida brasileira (“este é um país do banal”), eis aí o alvo gostosamente predileto desse Sebastião. E Áurea Mediocritas é o título do segundo volume da Antologia Mamaluca, ainda sem data para lançamento. Não poupar a ninguém, eis a especialidade desse satírico e sátiro afiadíssimo em plena era do padrão por baixo, da mediania dos brejais.

“A poesia mais difícil de fazer é a satírica”, diz Nunes, lançando algumas pedras de toque para uma (sua) estética, embora diante desse termo de abotoaduras já se possa prever o que Nunes oporia, uma “Ode à pústula”, por exemplo, com todos os excessos de acentos graves: “Ante tu, ó pústula/ com tua geléia amanteigada de pus...”

Escatológico? Nem importa. “A essência da poesia é política”, afirma. Uma política ao revés, diga-se, “porque a poesia deve ser comprometida com a inteligência”. E essencialmente demolidora. Não é à toa que o poeta vem escrevendo uma História do Brasil, dicionário enciclopédico. Algo como um Bouvard e Péuchet: a compliação flaubertiana e mamaluca da estupidez humana, tal como é exercida em terras tupiniquins. É esperar pra ver.

(*) Paulinho Assunção é jornalista, ficcionista e poeta, autor, entre outros, dos livros Cantigas de amor & outras geografias, A sagrada blasfêmia dos bares e Diário do Mudo. Esse texto foi publicado no jornal LeiaLivros, em agosto de 1987.

As crônicas do Sebastião Nunes no jornal O Tempo podem ser acessadas no seguinte endereço: http://www.otempo.com.br/colunistas/lista.jsp?boxId=215

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