Nascido em Pedra Branca, no Ceará, e morto em 1948, o poeta Leonardo Mota (nessa foto, ao lado do violeiro e repentista Anselmo Vieira) era um sujeito engraçadíssimo e tremendo bom caráter.
Num momento de pouquíssimo dinheiro (pindaíba braba) num hotel em Belo Horizonte, cujo dono chamava-se Maleta e vivia o acossando, o poeta pôs-se a meditar ao longo da noite.
Na manhã seguinte, endividado até a alma e já sem desculpa pelo atraso do aluguel, deu ao senhorio o seguinte poema:
Meu caro amigo Maleta
Tenha pena do poeta
Eu vejo a coisa tão preta
Que não posso ser profeta
Posso-lá dizer-lhe a data
Em que terei a dita
De pagar esta maldita
Conta que tanto me mata?
Não sou sujeito de fita
E por isso evito a rata
De dizer-lhe a data exata
Em que esta conta se quita
A paciência se esgota
Imagine a minha luta
Que vida filha da puta
Saudações, Leonardo Mota
Ganhou mais um mês de prazo para saldar o aluguel.
Um comentário:
Quase nunca se mostrou poeta o mestre Leota, mas, como folclorista e conferencista, foi um dos maiores, talvez atrás apenas de Câmara Cascudo, que lhe chamou certa vez de "Embaixador do Sertão". Enfim, o escritor potiguar não media esforços ao tecer elogios ao colega.
Falar do Leota poeta, sem mencionar mais nada, é, infelizmente, falar pouco, o que, entanto, não diminui de modo algum o vulto da importância dessa personagem para o registro da cultura do Sertão Nordestino e de seu povo; falar só do poeta, ocasionalíssimo por sinal, dá a entender ter sido o cearense como um dos tantos aedos de cuja lira se servia para compor seus livros de folclore.
Leota foi um símbolo de resistência e obstinação na dura tarefa de registrar a fala e o verso matuto, em pleno começo do século passado, época em que não se imaginavam longas viagens pelo interior do Nordeste, pelos percursos intrafegáveis. Passou por mais de oitenta cidades em todo o País, em período relativamente curto de tempo, e tocou mais de uma centena de conferências, com cujo lucro custeava essas viagens, pagava aos cantadores e contribuía com as necessidades dos municípios por onde passava.
Hoje em dia, não sei bem por quê, não se fala muito em Leonardo Mota. A maioria de seus livros deixou de ser reeditada — apenas "No Tempo de Lampião" teve reedição neste século —; na Internet muito pouco se lê sobre esse observador do povo sertanejo. Nas bases de dados de pesquisa, apenas citações, não muitas, mas nada se encontra de produção científica sobre o trabalho dele.
E assunto não falta. Por exemplo, pode-se dizer que um único livro seu — "Violeiros do Norte", de 1925 — serviu de inspiração, quase que total, para Ariano Suassuna, que compôs sua peça mais famosa, "O Auto da Compadecida", a partir de três cordéis nele registrados. Dois dos poemas são de autoria do cordelista Leandro Gomes de Barros. A substância de "O Auto da Compadecida" está em "O Testamento do Cachorro", "História do Cavalo que Defecava Dinheiro" e "O Castigo da Soberba" — os dois primeiros folhetos são obras de Leandro, e o terceiro é de autoria ainda não conhecida.
O pesquisador cearense, a bem dizer, apontou o caminho que Ariano deveria seguir na composição da peça, até mesmo por conta da ordem em que os poemas aparecem no livro.
A personagem João Grilo, por sinal, também antecede à obra de Suassuna; pertence ao cordel "Proezas de João Grilo", de João Ferreira de Lima.
Saudações.
Gustavo Henrique Silva Alencar Luna
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