Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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terça-feira, dezembro 20, 2011
Relembrando o falecido Cine Ypiranga
Agosto de 1968. O varapau Sidnei Soares, o “Sidão”, com catorze anos e 1,96 cm de puro esqueleto, foi barrado pelo porteiro do cine Ypiranga ao tentar entrar em um filme proibido até dezoito anos.
Ele criou o maior caso, já que o cinema não aceitava devolução de ingresso.
– Quantos anos você tem? – perguntou o irascível vigilante do Juizado de Menores, que fazia dupla com o porteiro.
– Dezesseis!
Mentiu pela metade, mas acabou sendo admitido no cinema pela suposta “sinceridade”.
Foi um dos poucos sujeitos a realizar esta façanha.
Nunca conheci ninguém mais odiado pela garotada do bairro do que este suposto vigilante do Juizado de Menores (ninguém nunca teve acesso a um documento que comprovasse sua identidade funcional para descobrir seu verdadeiro nome).
Ele era conhecido simplesmente como “Baixinho”.
O sujeito era baixo, entroncado, cultivava uma barba meio cafajeste e se comprazia em nos fazer sofrer.
A gente desconfiava de que ele era um simples lambe-botas do Adriano Bernardino, dono do cinema.
Naquela época, os estudantes ganhavam uma caderneta escolar que tinha de ser apresentada diariamente na secretaria da escola para receber o carimbo de “presente”.
A caderneta era devolvida na saída da escola.
Era aquele carimbo que atestava a nossa frequência na sala de aula.
Na referida caderneta, eram lançadas as notas e os pais precisavam assinar em um campo específico para garantir que estavam acompanhando o desenvolvimento escolar do aluno.
A caderneta escolar também substituía a carteira de identidade nos eventos.
Para adulterar a idade nas cadernetas escolares era questão de lógica para qualquer moleque com os hormônios a flor da pele.
O feito, aparentemente banal, dava uma trabalheira miserável.
Era preciso limpar o número original com um pouco de álcool e depois encontrar uma lapiseira cuja tinta se aproximasse o máximo possível da cor original, para escrever o novo número.
Algumas adulterações ficavam perfeitas.
Outras, não.
O filho da puta do Baixinho devia ter sido treinado no FBI para conseguir identificar tantas adulterações.
Ou então, como comecei a desconfiar algum tempo depois, ele partia da lógica: já que todo mundo adulterava as cadernetas, bastava simplesmente escolher um bode expiatório.
Durante muitos anos, eu fui um desses bodes expiatórios.
Uma vez, aos 13 anos, eu fui barrado numa sessão noturna (proibida até 14 anos) e o escrotérrimo Baixinho confiscou minha caderneta, o que era sinônimo de expulsão do colégio.
Fiquei tão puto que chorei de raiva.
Nos cines Odeon, Avenida e Politheama, eu havia entrado sem problemas, como é que estava sendo barrado no único cinema de meu próprio bairro?
Depois de eu muito implorar (e me humilhar), o paneleiro me devolveu a carteira avisando de que na próxima vez ia confiscar “aquela merda adulterada e não devolveria nem pro Papa”.
Para limpar a honra ultrajada, eu resolvi voltar na noite seguinte, acompanhado da mamãe e do papai, mostrando a minha caderneta escolar tal como se deve.
O filho da puta não deu um pio.
Outra vez, ele barrou o Simas, que devia ter dez anos, em uma sessão matinal proibida até 12 anos.
O Simas ficou duas horas chorando em um dos bancos do Palácio Rodoviário para justificar o tempo de permanência dentro do cinema.
Quando entrou em casa, minha mãe indagou:
– O filme foi bom? Porque pelo jeito como os seus olhos estão vermelhos, você passou a sessão inteira chorando. Era “Dio come ti amo”?...
O Simas não disse nada.
Um dia, entretanto, o Baixinho caiu na asneira de barrar o Samuel Colorau num filme proibido para menores de 18 anos.
A exemplo do Simas, de quem sempre foi um dos melhores amigos, Samuel também não disse nada.
Limitou-se a chorar de raiva.
Como a vingança é um prato que se come frio e pelas beiradas, ele ficou vagabundando pelo Palácio Rodoviário esperando a sessão terminar.
Quando o Baixinho começou a descer a ladeira de São Francisco, indo em direção de sua casa, Samuel surgiu das trevas armado com um taco de beisebol, como se fosse o pior pesadelo daquele desgraçado.
O Baixinho levou tanta porrada que passou três meses sem aparecer no cinema.
Até hoje questiono por que o Samuel não matou o sujeito?
Ele não faria qualquer falta a humanidade.
Alguns anos depois, Simas deu o troco.
Era uma sessão das 16h proibida para menores de 18 anos (provavelmente o filme “Emanuelle”).
Ele convocou todos os moleques punheteiros da rua Parintins (uns 80!) para ficarem posicionados nas proximidades da porta de saída do cine Ypiranga, mas sem dar muita bandeira.
Quando as luzes começaram a apagar, indicando o início da sessão, Simas saiu do cinema pela lateral e simplesmente abriu a porta de saída.
Os mais de oitenta moleques entraram no cinema em velocidade supersônica, fazendo o maior escarcéu, se sentando alegremente nos lugares vagos e deixando os lanterninhas a beira de um ataque de nervos.
Uns quinze deles foram colocados pra fora, mas a maioria absoluta assistiu ao filme.
O Baixinho ficou tão desmoralizado que se aposentou do Juizado de Menores e nunca mais foi visto no bairro.
Espero sinceramente que ele já tenha subido para o 2º andar.
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