Colunista do Comunique-se,
Moacir Japiassu completa 50 anos no jornalismo
Jornalista que soma funções e passagens por mais de 20
veículos de comunicação – trabalhando em jornais, revistas, emissoras de TV e
rádio e escrevendo para sites. Editor-chefe do “Fantástico” (Globo), repórter
especial de política do Jornal da Tarde, apresentador da Record e âncora da CBN
exemplificam seu desempenho multimídia. Atuação que vai além das notícias do
dia a dia. Apaixonado pela literatura também se dedicada a escrever livros,
apesar de considerar que o escritor não tem a devida atenção e respeito no
Brasil. Ainda mais com três mandatos consecutivos do PT na presidência da
República. “Até sentem orgulho do analfabetismo”, afirma.
Assim é o paraibano de João Pessoa, Moacir Japiassu, o Japi.
69 anos de idade com 50 dedicados à comunicação. A comemoração de cinco décadas
atuando no jornalismo foi realizada na semana passada – sim, esse é o jovem que
na década de 1960 entrou na Redação para ter chance de continuar próximo dos
livros sem ter que discutir com o pai. Um dos resultados dessa escolha: vencer
o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa de 1999, devido ao trabalho à
frente da revista Jornal dos Jornais.
Para repercutir sua carreira cinquentenária, o colunista do
Comunique-se, no qual assina o ‘Jornal da ImprenÇa’, publicado às
sextas-feiras, o escritor foi entrevistado pelo próprio C-SE. O tempo de foca, o
trabalho durante a Ditadura Militar, o próximo livro que está produzindo e
críticas à atual geração de jornalistas foram temas da conversa, que está
dividida em cinco partes: “Foca”, “Jornalismo X Ditadura Militar”, “Profissional
de Diversas Mídias e Funções”, “Literatura” e “Presente e Futuro” são os temas
que podem ser vistos a partir da próxima página.
FOCA
Como o então jovem
Moacir Japiassu acabou entrando para o jornalismo?
Posso dizer, sem cometer nenhuma injustiça, que devo tudo ao
meu pai, funcionário do DNOCS, um sertanejo nordestino, homem muito simples.
Para ele, se alguém lia os livros da escola, tudo bem; mas se ficasse o dia
inteiro a “perder tempo” com romances e livros de poesia, como fazia o filho...
O velho implicava comigo, que, aos 19 anos, estudava muito, mas também passava
as tardes na varanda de casa, em Belo Horizonte, a ler os bons autores. Muitos
destes me eram apresentados por meu irmão, o jornalista e poeta Celso Japiassu,
três anos mais velho do que eu.
Num final de tarde em dezembro de 1961, o velho chegou aborrecido,
me viu agarrado com um livro e deu aquela bronca. Eu era um malandro, deveria
procurar emprego, e isso aos gritos! Celso era jornalista, chefe de reportagem
da edição mineira da Última Hora, estava em casa naquele instante e escutou a
discussão, porque não fiquei calado e respondi indignado àquela injustiça
paterna.
Período de foca;
Moacir Japiassu (esq.) com um amigo (Imagem: ABI)
Daí surgiu a primeira
função ocupada no mundo da comunicação?
Mais tarde, meu irmão me aconselhou: “Por que você, que
gosta de ler e escrever, não tenta trabalhar em jornal? Uns amigos meus, Guy de
Almeida e Dídimo Paiva à frente, estão a formar uma equipe, vão lançar um
jornal”. O Correio de Minas deveria estar nas bancas em março do ano seguinte.
Guy e Dídimo eram dois dos maiores jornalistas de Minas e do Brasil.
Fui até a sede do jornal, ainda em construção, fiz um teste
para repórter e me aprovaram. Começou o treinamento, e, no final de março de
1962, o Correio de Minas chegava às bancas. Eu lá estava, com matéria assinada,
para orgulho da família. Meu pai achou o máximo...
Você já declarou que
sua verdadeira paixão é a literatura. E ela, a literatura, foi o grande fator
que o fez entrar para o jornalismo? A Redação lhe ajudou a ficar perto dos
livros?
Como revelei acima, a entrada no jornalismo foi por causa da
briga familiar; todavia, a literatura me facilitou tudo, porque eu era garoto,
mais ou menos “instruído” e escrevia razoavelmente. Minha turma
belo-horizontina era formada por jovens intelectuais, vivíamos a discutir (nos
bares, é claro) literatura e cinema. Eu era membro do Centro de Estudos
Cinematográficos (CEC), a nouvelle vague estava na moda, assunto não faltava.
Qual a história mais
engraçada durante os primeiros passos na profissão?
O grande sufoco ocorreu quando fui entrevistar o professor
Celso Kelly num hotel em Belo Horizonte. Ele era jornalista (foi presidente da
ABI), conhecia os “companheiros” e, por precaução, ficou a ditar a entrevista. De vez em quando
perguntava: “Tomou nota?”. Eu respondia que sim, mas não tomava o “ditado” do
professor; apenas anotava os dados.
Quando terminamos, ele pediu: “Agora, leia para eu ver se
está tudo certo...”. Gelei na hora, fiquei mais branco do que sou, depois meio
esverdeado, e gaguejei: “O senhor... tá... desconfiando de mim?”. Ele,
sorridente: “Não, quero apenas saber se você fez tudo direitinho; afinal, é
muito jovem...”. Eu fazia cara de indignado enquanto o fotógrafo, que ignorava
a situação, insistia:
“Vai, Japi, lê a entrevista pro homem! Não custa nada,
pô!...”. Então eu me levantei e encenei a primeira grande bravata da vida: “O
que o senhor está pedindo é um absurdo, não posso aceitar uma coisa dessas!
Além do mais, preciso ir correndo para o jornal, para redigir a entrevista que
fecha daqui a pouco! Se sair alguma coisa errada, o senhor reclame depois com
Guy de Almeida, o diretor da Redação”.
E fui saindo às pressas, com o fotógrafo atrás: “Japi, essa
entrevista é para a edição de domingo; lê o texto pro professor...”. A correr
escada abaixo, porque o mestre poderia me pegar na porta do elevador, gritei
para aquela inocência: “Cala a boca, Zé Pinto! Eu não anotei porra nenhuma!”.
A matéria saiu no domingo e o professor Celso Kelly não
reclamou de nada.
JORNALISMO X DITADURA
MILITAR
Durante boa fase da
carreira, você teve que conviver com a ditadura militar. Naqueles 21 anos,
quais foram os problemas enfrentados por você? Chegou a receber ameaças, teve
texto impedido de ser publicado?
Eu poderia ter sofrido muito com a ditadura, mas isso não
aconteceu. Digo que poderia ter sofrido porque fui aluno do CPOR de Belo
Horizonte e detestava aquilo, aquele ambiente de arbitrariedades. Ora, se
respondi aos gritos do meu pai, por que não iria enfrentar um capitão do
Exército? Eu era aprendiz de comunista, frequentava a sede do jornal Novos
Rumos, onde brilhava o talento de Ivan Otero Ribeiro, filho de um
revolucionário histórico. No CPOR, aquele antro de direitistas, botei as
manguinhas de fora e não me dei muito bem...
Fui eleito orador do Grêmio Sampaio, com um discurso radical
e inflamado, e os oficiais ficaram de olho em mim. Eu era muito popular,
precisava ser devidamente “exemplado”. Reprovaram-me ao final do primeiro ano;
fui obrigado a fazer uma “prova de comando”, tirei de letra, mas fui novamente
reprovado e condenado a repetir o ano. Achei aquilo um absurdo e literalmente
me demiti; pedi as contas.
Mas você chegou temer
a tortura...
Nos primeiros dias de abril de 1964 eu estava no Rio de
Janeiro. Meu irmão foi intimado a comparecer à Comissão Geral de Investigação
(CGI), onde o inesquecível capitão Antonio Carlos Thompson Thomé, do CPOR, que
me detestava, lhe perguntou, logo de saída: “Onde está seu irmão?” Celso
respondeu que não tinha a menor ideia; Thomé vociferou alguma coisa e ficou
nisso. Quando, por telefone, Celso me deu a notícia, fiquei preocupadíssimo, e,
tomado de exagero juvenil, já me considerei preso, torturado e... fuzilado! Mas
não aconteceu nada disso. Anos mais tarde, deparei com Thomé no elevador de um
edifício em Ipanema. Ele tirou os olhos do jornal, me olhou e, aparentemente,
não reconheceu o desafeto de cabelos vermelhos. O Brasil era um país de ruivos,
como se sabe.
Japi afirma: grande
imprensa apoiou o Golpe de 64
Dizem que os censores
eram, tecnicamente, pessoas de baixo nível intelectual. Com isso, os
jornalistas que enfrentavam a fase ditatorial abusavam da criatividade para
burlar a censura. Qual o fato mais marcante disso?
A partir de 1968, com o AI-5, a censura tomou conta das
redações e a mais, digamos, criativa resistência ocorreu em São Paulo; o Jornal
da Tarde ocupava as páginas censuradas com receitas culinárias e o Estadão
preferiu reproduzir versos de Os Lusíadas. A impertinência fez grande sucesso.
E é sempre bom recordar que Carlos Castello Branco, colunista político do
Jornal do Brasil, continuou a escrever diariamente sobre sua especialidade e
não foi incomodado por censores. Castellinho sabia como “tourear” uma
inteligência curta...
Para fugir à sanha
dos militares você pensou em se exilar? Ou sempre quis, com seus textos,
enfrentar a ditadura até o último momento?
Não precisei “enfrentar a ditadura”; nos primeiros quinze
anos daquela estupidez, trabalhei principalmente nas editorias de esporte,
variedades e cultura. Somente entre 1977 e 1979 é que, como repórter de Istoé,
me dediquei mais à política. Todavia, os tempos já estavam bem mais amenos, a
ditadura enfraquecida não incomodava tanto.
Como jornalista, você
esperava que a ditadura brasileira durasse mais de duas décadas? E, em sua
opinião, os jornalistas e veículos de comunicação tiveram grande participação
na derrocada do regime?
Imaginei que aquilo durasse pouco tempo. Tudo no Brasil é
passageiro, menos o cobrador e o motorneiro, como se dizia antigamente. Os
militares queriam dar o golpe desde 1945, com a deposição de Getúlio Vargas;
não foi possível, então prepararam outra ação quando Getúlio se matou; também
não deu. Houve tentativas outras, como o episódio de novembro de 1955, quando o
general Lott garantiu a posse de Juscelino, mas somente em 1964 é que
conseguiram, finalmente, tomar o poder.
Como você avalia a
relação da mídia com os ditadores?
Apareceram os “líderes civis” daquela cretinice, como
Magalhães Pinto, governador de Minas, e Carlos Lacerda, governador do Rio, mais
um eito de generais, os “líderes militares”. Achei que era muita gente a
mandar, a “revolução” não iria muito longe. Do ponto de vista histórico, não
foi muito longe mesmo; porém, viver aquela desgraça por 21 anos foi uma das
maiores perdas de tempo já verificadas neste país. Convém não esquecer que a chamada
grande imprensa apoiou o golpe de 1964; depois, com seus interesses
contrariados, começou a fazer oposição. O próprio Correio da Manhã, que havia
publicado dois terríveis editoriais contra João Goulart, intitulados “Basta!” e
“Fora!”, logo se arrependeu e partiu para o ataque aos militares, com seu
cronista Carlos Heitor Cony na linha de frente.
PROFISSIONAL DE
DIVERSAS MÍDIAS E FUNÇÕES
Seu início de
carreira foi no jornal impresso, mas você soma passagens em TV, rádio, revistas
e internet; atualmente é colunista do Comunique-se. Quais os pontos positivos e
negativos de cada meio de comunicação?
São linguagens muito diferentes, cada uma tem virtudes e
defeitos. Parece-me, contudo, que a internet vai dominar a paisagem, pois reúne
os atributos das demais. Será aperfeiçoada com o passar dos anos e aí teremos a
chave que abrirá todas as portas.
Além de redator,
repórter e apresentador, você acumulou experiência como chefe de atrações e de
veículos de comunicação. Foi também diretor de Redação da revista FootBall e
editor-chefe do “Fantástico”, da Rede Globo. Entre todos, qual foi o cargo que
mais alegrias lhe trouxe?
O melhor período de minha vida profissional se passou entre
1964 e 1967, no Jornal do Brasil, cuja Redação era comandada por Alberto Dines.
Eu trabalhava na sucursal do Diário de S. Paulo e fui convidado por Murilo
Felisberto para ser redator do recém-criado Departamento de Pesquisa. Este não
era, como se pode imaginar, um simples arquivo do jornal; tratava-se de uma
super-secretaria responsável por textos que davam “molho” às matérias do dia a
dia e ainda criava e editava suas próprias matérias e cadernos especiais. No
meu caso, o prazer aumentava porque o Jornal do Brasil dos anos 1960 era a
paixão de todos nós, jovens jornalistas; trabalhar ali era como ganhar um
troféu.
No jornalismo, assim
como em quaisquer profissões, o chefe tem que tomar decisões que nem sempre
agradam à equipe, casos de mudança na linha editorial e até demissões. Como é
lidar com essa pressão profissional?
Nunca gostei de chefiar coisa alguma; sempre dei um jeito de
não aceitar os convites que recebi no início da profissão. No Departamento de
Pesquisa, por exemplo, quando Murilo Felisberto voltou para São Paulo, queria
que eu ficasse no lugar dele. Respondi que não era a pessoa indicada, sugeri o
nome de um colega do Correio de Minas, Samuel Dirceu, e eu mesmo viajei a Belo
Horizonte para lhe fazer o convite em nome do Murilo. Samuel aceitou, e, com
ele, tivemos um ótimo período na Pesquisa.
Capa da primeira
edição da revista Foot Ball com João Havelange na capa. Japiassu conta que
publicação pode voltar ao mercado
Porém, chegou o
momento que o convite para chefiar uma Redação não foi recusado...
Em 1967, José Itamar de Freitas me convidou para ser o chefe
de Redação de uma revista que era ainda um projeto, a Enciclopédia Bloch; eu
novamente tentei tirar o corpo fora, mas ele me disse algo que mudou minha vida
daí em diante: “Se você, um jornalista competente e honesto, diz não a um
convite para ser chefe, pode acreditar que um filho da puta vai ocupar o cargo”.
A vida me provou a verdade de tal assertiva...
Qual o principal
atributo para comandar uma equipe de jornalistas?
Chefiei algumas vezes, mais para evitar aquele filho da puta
citado pelo Itamar, porém nunca gostei. Comandar jornalistas exige uma
paciência que não tenho, infelizmente. Gosto de passar experiência, de ensinar
o que aprendi, sempre me dei bem com os focas; mas a verdade é que quase
ninguém aceita críticas. Por mais jovem que seja, o elemento se considera um
gênio e isso transforma o relacionamento num inferno.
Sobre essa questão de
jornalistas não aceitarem críticas, inclusive os focas, tem um caso no JT que
exemplifica muito bem essa sua afirmação. Com texto ruim e arrogância, o
cidadão deixou o jornalismo de lado?
Certa vez, no Jornal da Tarde, o editor de esportes, Kléber
de Almeida, me passou um texto tenebroso; não foi possível aproveitar uma
vírgula daquele atentado ao jornalismo e à língua portuguesa. Reescrevi tudo e
o Kléber entregou o resultado ao candidato a foca. O sujeito leu, chegou-se ao
editor, e, cheio de arrogância, perguntou quem tinha mexido “no texto dele”.
Kléber me apontou com os olhos e o elemento, mais arrogante ainda, aproximou-se
de mim: “Foi você quem mexeu no meu texto?”, inquiriu. Levantei os olhos e
perguntei, no mesmo tom: “E quem lhe disse que você tem texto?”. Ele desistiu
do pesadelo de ser um astro da reportagem.
Com a criação da
revista Jornal dos Jornais e da já citada FootBall, quais as principais tarefas
a desempenhar para conseguir manter um veículo de comunicação no mercado? E por
qual razão as duas publicações foram extintas?
A falta de recursos foi o principal problema nosso, embora a
FootBall não deva ser considerada “extinta”; ocorreu uma “parada técnica”. Como
não é publicação vendida em bancas e não está presa a nenhuma periodicidade,
pode parar e voltar de repente, como um drible de Pelé. É bem possível que
esteja de volta proximamente. Estamos a trabalhar com este objetivo.
Jornal dos Jornais é que se acabou mesmo, porque tínhamos
apenas dois patrocinadores e a verba estava longe de nos permitir vida longa. E
é preciso dizer que se não fosse o empenho pessoal do Miguel Jorge, na época
diretor da Volkswagen, a revista nem teria nascido; ele conseguiu liberar uma
verba, por meio da Lei Rouanet, e pediu a outro jornalista de respeito na
praça, Tom Camargo, diretor do HSBC, que também nos ajudasse. Acontece que
precisávamos de mais duas cotas, estas não foram conquistadas e tivemos que
fechar a revista. Esclareço que pagamos todas as dívidas, inclusive com o
sacrifício de uma modesta poupança doméstica. De todo modo, em sua curta vida
Jornal dos Jornais nos deu muitas alegrias, entre as quais o Prêmio Esso de
Contribuição à Imprensa de 1999.
LITERATURA
O que leva um
jornalista a se tornar romancista?
Não sei. Creio que não se deve generalizar, embora os
jornalistas tenham, quase todos, certeza de que vão escrever um livro algum
dia. Na maioria das vezes é apenas um longínquo projeto, um sonho que jamais se
realizará.
Falta incentivo e
reconhecimento aos escritores brasileiros?
Falta, sim. Você precisa de uma grande editora, capaz de
investir na publicidade do livro. Paulo Coelho, esse fenômeno editorial, disse
certa vez que seus leitores só aparecem nas livrarias para comprar os livros
dele e deve ser verdade, pois o brasileiro nunca foi chegado em leitura e muito
menos em literatura; falta-lhe um mínimo de cultura e também não existe o
hábito de se folhear um livro. Agora, com a eleição de Lula e Dilma, até sentem
orgulho do analfabetismo.
Japi, com exemplar da
revista Jornal dos Jornais, está se dedicando à produção de mais um livro
Você está preparando
mais algum livro?
Um escritor está sempre “escrevendo” um livro; se não no
computador, pelo menos na cabeça eivada de “grandes projetos”. Como meus livros
não vendem, falta-me um mínimo de incentivo para criar, mas assim mesmo
insisto, porque não sou vendedor de livros, sou escritor. E não sou um mau
escritor, modéstia à parte. Em meio a outras obras menos desgastantes, escrevi
três romances que foram bem recebidos pela crítica.
Quais as
características desse novo projeto?
Atualmente, trabalho noutro romance, cujo personagem
principal é um velho jornalista carioca que vive na favela em companhia de uma
faxineira do hospital Souza Aguiar. Ele está, evidentemente, na miséria, porém
surge uma oportunidade de ganhar dinheiro e o personagem sonha com isso. Uma,
digamos, curiosidade do romance é que todos os personagens são criaturas sem
caráter algum. Afinal, comecei a escrever na época do mensalão. Trabalho
devagar, por causa dos outros afazeres, e sofro obrigatória influência do dia a
dia. No Brasil, a realidade é tão impressionantemente sórdida, tão canalha, que
já pode ser considerada ficção.
O que te irrita em
relação à literatura?
Para mim, é inconcebível a “literatura pela literatura”,
essa vertente do chamado vanguardismo. Estou convencido de que o leitor gosta
de uma história bem contada, bem tramada. Esse negócio de tentar imitar James
Joyce não me atrai. Se você tem um “enredo” interessante e capacidade para
desenvolvê-lo numa boa linguagem, você estará a fazer literatura e isso me
basta.
PRESENTE E FUTURO
“Nada substitui o
talento”, ressalta Moacir Japiassu
Que avaliação você
faz da qualidade do jornalismo brasileiro, do seu início no Correio de Minas
até o momento atual?
Escrevíamos melhor, muito melhor; era bacana dar um furo,
porém os colegas respeitavam mesmo aqueles que escreviam bem. E não havia
muitas escolas de jornalismo, a meninada aprendia com os veteranos das
Redações. Hoje, se tudo fica mais fácil com a internet, o talento continua a
fazer a diferença. “Nada substitui o
talento”, diz aquele anúncio.
Como você espera ver
o jornalismo daqui a dez anos? Domínio da internet, fim do impresso?
Não tenho a pretensão de “ver” o jornalismo daqui a dez
anos. Posso apenas imaginar que teremos o domínio da internet, sim. Não creio
que o jornalismo impresso aguente a concorrência, principalmente com a
proliferação desses aparelhinhos que se leva no bolso e são conectados aos
satélites, esteja o usuário onde estiver.
Recentemente, houve
críticas ao fato de você ter se referido a um lutador de boxe como “gorilão”.
Faltou, na sua visão, conhecimento dos críticos que não acompanham a sua coluna
para ver que você já se referiu a si próprio como “macacão”?
Também já escrevi que o maior problema da humanidade não é
nenhuma doença transmissível; é a burrice. Os “politicamente corretos” são, em
princípio, seres desprezíveis e de uma burrice sideral, pois ignoram o bom
senso. No caso do gorilão, protestaram porque o elemento era um negão africano.
Hoje em dia você não pode falar nada de alguém que seja negro. Tudo é racismo.
Ora, o sujeito foi apresentado como lutador de boxe, mas era simplesmente um
canalha, um sujeito nojento que agrediu o adversário com tapas e cusparadas.
Ficar calado diante de uma coisa assim é covardia, é coisa de gente sem
caráter, um “pomba d’água” como dizemos no sertão nordestino.
NOTA DO MOCÓ: Esse texto foi publicado no portal
Comunique-se, em abril de 2012. O jornalista Moacir Japiassu faleceu no dia 4
de novembro de 2015, aos 73 anos. Para maiores detalhes, clique aqui.
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