No dia 28 de maio de 2009, na coluna que mantém no site da
revista Veja, o jornalista Augusto Nunes escreveu um texto intitulado “A volta
de Renan prova que o Brasil esquece a cada dois anos o que aconteceu nos dois
anos anteriores”, que ser tornou o elemento catalisador para que esse livro
sobre os 30 anos da Banda Independente Confraria do Armando (BICA) começasse a
ser planejado. Mas vamos primeiro rever o texto do jornalista:
O Brasil que esquece a cada 15 anos o que ocorreu nos 15
anos anteriores, como constatou o escritor Ivan Lessa, é coisa do século
passado. O país reconstruído pelo presidente Lula tem pressa – e encurtou para
dois anos o intervalo entre as lobotomias malandras. No fim de maio de 2007,
por exemplo, uma reportagem de Veja escancarou a face horrível de Renan
Calheiros, então presidente do Senado. Os homens de bem se estarreceram com o
que viram, os colegas não viram nada de novo, Renan deixou o comando da mesa,
foi para as coxias e esperou exatamente 24 meses para reaparecer na ribalta,
neste fim de maio, no papel de parceiro preferido do presidente Lula.
Por decisão do chefe de governo, cabe ao companheiro Renan,
líder da bancada do PMDB e amigo de infância do presidente José Sarney, impedir
que a CPI da Petrobras consiga provar que a estatal praticou, permitiu ou
patrocinou delinquências bilionárias. As nuvens que se avolumam sobre a empresa
são formadas por denúncias, suspeitas, indícios e evidências. Quem melhor para
enfrentá-las do que o alagoano que sobreviveu a um tsunami de provas tangíveis
e pilantragens visíveis a olho nu? É o homem certo no lugar certo: para
assassinar os fatos no nascedouro, foi convocado um serial killer especializado
no extermínio de verdades inconvenientes.
Fosse o Brasil um país sério e Renan não conseguiria
pronunciar sequer uma vírgula sobre a CPI. Primeiro teria de providenciar
respostas verossímeis para questões que seguem pendentes. O que tem a dizer
sobre as relações mais que promíscuas envolvendo as empreiteiras Gautama e
Mendes Junior?, apartearia um jornalista. E sobre as mesadas de R$ 16,5 mil
entregues pelo amigo lobista a Mônica Veloso?,
perguntaria outro. Um terceiro se interessaria pelas notas fiscais
fraudadas por Renan na tentativa de explicar o inexplicável. E todos exigiriam
em coro que o senador ensinasse o truque da multiplicação de bois imaginários,
que transformou um fazendeiro de araque em imperador do gado. Mas o Brasil não
é sério.
Como não é, ficou tacitamente estabelecido que os crimes não
existiram ou prescreveram – e Renan é tratado com o respeito e as reverências
que jamais mereceu. Com incontáveis
acertos a fazer com a Justiça dos homens e o Juízo Final, pastoreia a base
alugada com a arrogância sem remorsos do pecador vocacional. Craque em
extorsões políticas, fixou preços salgados para o serviço que o presidente
encomendou. Com exigências públicas e intrigas só murmuradas, vem enquadrando
exemplarmente o PT em geral e o senador Aloísio Mercadante em particular. Bem
feito para todos. Eles se merecem. O Brasil que presta é que não merece essa
gente.
Pois foi lendo, relendo e discutindo sobre esse primoroso
texto profético do Augusto Nunes (a Operação Lava Jato, que confirmaria suas
observações sobre a Petrobras, só seria deflagrada em 2014, ou seja, cinco anos
depois de seu texto ter sido publicado), que nós dois, eu e Francisco Cruz
começamos a nos dar conta de que a BICA, por meio de seus enredos e marchinhas
irônicas, também vinha contando a história política do Amazonas desde 1989.
Mas
quantas pessoas sabiam ou ainda se lembravam disso? Urgia contextualizar a
razão de termos escolhido aqueles enredos para que a nova geração de biqueiros
soubesse que a banda não era apenas “uma reunião de bêbados, arruaceiros e
desocupados irresponsáveis”, como teimam em repetir alguns radialistas
reacionários.
Este ano, por exemplo, uma notícia fantasiosa publicada em
um site sensacionalista dando conta de que seria o último desfile da BICA
atraiu para o Largo de São Sebastião uma multidão aproximada de 100 mil
foliões. Desses, 70% tinham menos de 30 anos, ou seja, sequer haviam nascido
quando a banda foi fundada.
Some-se a isso o fato de que somente no começo dos
anos 2000 os compositores da BICA começaram a gravar suas marchinhas para
perceber a dificuldade que esses novos foliões teriam para compreender a
importância da BICA além de um simples fenômeno popular, mas como expressão
legítima do senso crítico de uma sociedade que se quer inclusiva, solidária e
libertária, sem o auxílio de uma carta náutica, um sextante ou um livro de
bordo.
Recuperando os enredos e as marchinhas dos anos 80 e 90 podemos observar
não apenas a evolução da BICA, mas o fato de que ela permaneceu rigorosamente
fiel às suas origens ao longo do tempo.
Por último, quando o jornalista Ivan Lessa escreveu no
Pasquim que “a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15
anos”, nós estávamos em meados da década de 70, quando o golpe militar de 64 já
estava com mais de dez anos.
De lá pra cá o período da perda de memória até se
estreitou. Hoje em dia, com menos de cinco anos o brasileiro já perdeu a noção
do que se passou em seu país, em seu estado, em seu município. Muitos não lembram
nem em que candidato votou na última eleição para vereador ou deputado.
Recordar o que aconteceu de relevante em nossa história política
durante esses 30 anos em que o povo entrou na BICA – e de como esses fatos
políticos se transformaram em matéria-prima de marchinhas criativas, alegres e
demolidoras, tanto do ponto de vista crítico quanto do socialmente engajado a
favor dos oprimidos e deserdados – foi a maneira que encontramos para reavivar
a nossa memória e mostrar que a BICA ainda tem muita lenha para queimar pelos
próximos 30 anos. Esperamos que tal objetivo tenha sido alcançado.
Francisco Cruz e Simão Pessoa, em fevereiro de 2015, no Bar
do Armando
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