Dom Markito quer ter
você assim, gafanhoto
Luciano Andolini (*)
Fui bloqueado pelo Facebook por trinta dias. É aqui que
começa nossa história.
Eu sou editor no PapodeHomem e, entre outras coisas,
administro a página do site no Facebook.
Para quem não sabe, lá nós brincamos bastante com diversos
temas e isso inclui posts que ficam na linha limite entre o que é permitido ou
não na plataforma. Portanto, já aconteceu outras vezes de sermos denunciados e
eles acharem válido nos bloquearem.
Na primeira vez, foram 24 horas. Depois, 48 horas. Em
seguida, 7 dias. Agora, 30 dias. Pois é, cometemos o mesmo erro algumas vezes.
Ainda que não seja tanto tempo assim, a rede social azul
está tão entranhada na minha rotina que só essa pausa já deu pra tirar alguns
insights que resolvi compartilhar aqui embaixo.
Sim, Facebook vicia
Eu achava que meu consumo de redes sociais era saudável.
Ainda acho que é, perto do que vejo por aí, juro.
Mas sendo autocrítico e tentando olhar de forma um pouco
mais objetiva, o Facebook era a primeira e a última coisa com a qual eu me
envolvia todo santo dia. E eu passava horas e horas recebendo notificações e
reagindo tanto ao app quanto ao site desktop — ou seja, não contente em estar
sempre com ele aberto, eu usava em dois lugares ao mesmo tempo.
Nunca consegui ter esse mesmo engajamento com nada que fosse
benéfico pra mim. Atividade física, meditar, estudar, nada disso. Por que justo
com o Facebook?
O que me fez notar isso foi como, nos primeiros dias, não
poder usar a plataforma me deixava irritado.
Quando você está bloqueado, basicamente, qualquer interação
fica restrita. Nada de likes, nem comentários, nem mensagens privadas. Você se
torna um observador passivo da timeline. Seu Facebook transforma-se em um
leitor de feed com participação especial de fotos dos seus amigos.
Eu queria falar com as pessoas, responder aos comentários,
comentar nos grupos, postar fotos, mas não dava.
E aqui caiu uma ficha. A interface é quase toda baseada num
sistema de feedback/recompensa feito pra manter você por perto o máximo de
tempo, como uma criança que quer, constantemente, sua atenção. O efeito
emocional é de certa forma parecido. Os designers não só sabem como projetam a
coisa toda para isso.
Então, ao atender as demandas do software, algo em você se
sente contemplado, acolhido. Se você fosse um cachorro, postar uma foto e ver
os likes surgindo seria o equivalente a ganhar um pequeno cafuné. Quando você
menos espera, torna-se esse cãozinho apertando botões compulsivamente, na
esperança de que saia ração de algum alçapão.
É impressionante como aquilo ali simplesmente perde a magia
quando não há um jeito fácil de preencher o vazio clicando e recebendo
feedback, seja de pessoas com quem você interage ou apenas da plataforma (é,
não subestime o poder de um sonzinho ou uma mudança de cor em um elemento
visual quando você clica nele).
Assim, quando me vi privado justamente desses agrados, em
uma ou duas semanas perdi o interesse e resolvi fazer outras coisas.
E aqui a magia aconteceu. Como que por milagre, eu tinha
tempo.
Li um livro, arrumei minha casa, pensei em textos, toquei
guitarra, ouvi música, vi filmes, descansei, saí com a namorada, conversei com
amigos sem distrações.
Parece bobo, eu sei. Eu deveria conseguir fazer todas essas
coisas como um ser humano normal. Mas a realidade é que somos bem menos donos
da nossa energia e atenção do que pensamos. Se o aplicativo chama, você quer
saber o que houve, mesmo que rapidinho. E, de segundo em segundo, de olhadinha
em olhadinha, você perde muito tempo.
Se acha que é mentira, quantas vezes você não estava no
trabalho, resolveu responder aquela mensagem e, quando viu, ganhou dez abas e
perdeu meia hora?
A atenção é um recurso escasso, limitado. Quando você
precisa escrever um texto, por exemplo, vai ter que usar atenção e força de
vontade para chegar até o final.
Quando um aplicativo apita, ele pede pela sua atenção.
Aquela mudança de foco vai ter um gasto de energia que parece breve, quase
insignificante. Depois, para retomar de onde você parou, um período de imersão
vai se fazer necessário para “acelerar” novamente, rumo a uma experiência de
fluxo, na qual você entra numa certa frequência que permite o retorno pleno ao
que você estava fazendo.
Até aí, tudo bem, mas imagine isso multiplicado, literalmente,
por centenas de vezes durante um dia.
Quando penso em alguém que trabalha atendendo demandas
urgentes, pulando de um lado pro outro, de tarefa em tarefa, apagando
incêndios, eu fico exausto. Por isso, não consigo entender como podia me
colocar voluntariamente nessa condição, respondendo às notificações do
Facebook. Mas é exatamente o que eu fazia.
Já estão surgindo os primeiros estudos que comentam a fadiga
de notificações de aplicativos. Uma das constatações é que a reatividade
relacionada a elas pode diminuir em até 40% a produtividade de uma pessoa no
trabalho. E imagine que cerca de 43% dos usuários de tecnologia nos EUA
simplesmente nunca desconectam. Minha aposta é que as estatísticas no Brasil
não sejam muito diferentes.
Além disso, o próprio teor do que educamos o algoritmo a nos
mostrar costuma ser bem tóxico. Ironias, discussões acaloradas, ansiedade de
provar que está certo, impulsividade, medo de perder o assunto do momento. Tudo
isso aumenta ainda mais o custo de atenção e força de vontade ao final de um
dia.
Aparentemente, não era à toa que nesse período eu chegava ao
final de um dia de trabalho bem mais disposto do que antes.
Ninguém precisa de Facebook pra ser feliz
Ainda que a estrutura inteira não seja exatamente pensada
para o nosso benefício, somos nós que, ativamente, continuamos alimentando o
Facebook.
Há um motivo para isso.
A rede inteira é pensada para se aproveitar dos nossos
mecanismos de carência e vaidade. Lá no fundo, somos crianças e adolescentes
procurando por validação, tentando sustentar uma autoimagem por meio do máximo
de gratificação instantânea que conseguirmos.
Por mais que não falte vídeos, imagens, gifs, textos,
pregando para sermos autênticos independente de qualquer circunstância, temos
fome do olhar dos outros.
Basta ver: a forma mais impulsiva, animalesca e, ainda
assim, socialmente aceitável de punição que levamos para as redes sociais é a
difamação pública. Queremos tanto ser acolhidos, bem vistos, que negamos esse direito
a quem odiamos.
Assim, perdemos o foco, transformamos nossa busca pela
felicidade em pura vaidade.
A internet está tomada de textos que vilanizam as redes
sociais. Eu juro que, apesar de tudo o que você leu até aqui, esse não é o meu
objetivo.
Eu sei que a experiência de ficar 30 dias sem Facebook não é
grande coisa. Sei que minha vida não se transformou definitivamente e agora,
sim, vai dar certo — e sei que essa conclusão é extremamente cafona.
Também não estou defendendo que você viva em uma caverna e
se isole de toda tecnologia e futilidade das nefastas redes sociais. Tanto que,
apesar do textão, nem penso em deletar minha conta.
É só que nunca é demais pensar a respeito das ferramentas
que usamos, para que elas não nos escravizem e virem um fim em si mesmas.
Vale a pena experimentar um período de abstinência
voluntária de redes sociais e outros hábitos arraigados, como uma forma de
exercitar liberdade. Ninguém vai morrer se ficar um mesinho sem acompanhar a
timeline.
Afinal, felicidade não é essa satisfação fugidia que a gente
tem quando ganhamos um like na última foto que postamos.
Felicidade é outra coisa.
E garanto que não está no Facebook.
Nota: experimentei publicar esse texto primeiramente no
Medium. Volta e meia pretendo colocar alguma coisa mais informal por lá. Se
quiser acompanhar, é só me seguir.
(*) Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem
nas horas vagas. Volta e meia grava e disponibiliza no Soundcloud. Está no
Instagram, Twitter, Facebook, Google+.
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