José Nêumanne
Na semana passada, a literatura universal perdeu um dos mais
eruditos entre seus exegetas e também um dos mais bem-sucedidos de seus
criadores com a morte de Umberto Eco. Este, contudo, não levou para o túmulo um
célebre axioma universal do romance policial, seja o mais popular, seja o mais
sofisticado: o criminoso sempre volta ao local do crime.
O grande mestre, porém, desapareceu sem ter tido a
oportunidade de conhecer uma contribuição, dada pelo grupo de criminosos que
promoveu no Brasil o maior assalto ao patrimônio público de todos os tempos e
que, de certa forma, parodia esse truísmo: o novo tesoureiro sempre volta a
cometer o crime do antigo.
Foi assim que o ex-tesoureiro do partido que manda na
República há 13 anos (por coincidência, o número com que está inscrito na
Justiça Eleitoral) Delúbio Soares, condenado na Ação Penal (AP) n.º 470, vulgo
mensalão, por corrupção, entre outros delitos, foi imitado por seu sucessor.
Como é notório, João Vaccari Neto já foi condenado por similar sequência de
crimes após investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, e
com penas impostas pelo juiz da chamada e muito aclamada Operação Lava Jato,
Sergio Moro, da Justiça Federal do Paraná.
Com sua habitual dose de ironia, a deusa grega Clio, que
rege a História, acaba de nos conceder exemplo da mesma natureza, que parece
ter sido feito para confirmar a máxima anterior e exatamente na atividade em
que o citado professor Eco foi pontífice máximo desde os anos 60: a comunicação
de massas.
Em depoimento na Câmara, em 2005, o publicitário baiano Duda
Mendonça abalou os alicerces da política profissional no Brasil ao revelar que
havia recebido em moeda estrangeira e em contas no exterior o pagamento por
seus serviços à campanha vitoriosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
do Partido dos Trabalhadores (PT). Mostrando que, em política e polícia, o raio
pode cair no mesmo lugar, isso acaba de acontecer com quem o substituiu na
função.
A prisão temporária do sucessor de Duda na campanha de
reeleição de Lula, em 2006, e nas vitórias de Dilma Rousseff, apoiada pelo
antecessor, em 2010 e 2014, outro baiano, João Santana, confirma, de forma
peremptória, a aplicação do aforismo sobre o tesoureiro quando se trata de
marqueteiro. E não é mera coincidência. Afinal, nos tempos modernos da
comunicação de massas, genialmente explicados por Eco, o guardador de dinheiro
e o fabricante de sonhos para enganar eleitor têm importância capital na
disputa pelo voto do povo. E distorcem a paródia de Hegel por Marx, segundo a
qual a História acontece como tragédia e se repete como farsa. Na versão do PT
brasileiro, só se conhecem tragédias.
Surpreendido pela notícia fatídica quando tentava asfaltar o
caminho de volta de Danilo Medina, do Partido de la Liberación Dominicana, à
presidência da República Dominicana, o marqueteiro defendeu-se como pôde.
Ocorreu-lhe, por exemplo, dizer que o dinheiro que entesoura em bancos estrangeiros
foi licitamente ganho em campanhas que assessorou no exterior.
Convenhamos que imaginar que nos convence de que faturou
milhões de dólares de candidatos de Venezuela, El Salvador, República
Dominicana, nas Américas do Sul e Central, e Angola, na África, com economias a
anos-luz da brasileira, por mais críticas que sejam nossas condições econômicas
no momento (o que está longe de ser o caso nas primeiras campanhas de Lula e
Dilma), é uma aposta muito arriscada em nossa estupidez coletiva.
Por mais razões que algum observador cruel tenha para
justificar esse motivo, é contar excessivamente com a credulidade popular.
Muito embora sua imaginação publicitária tenha sido capaz de ludibriar mais de
54 milhões de eleitores brasileiros que sufragaram sua candidata em 2014
imaginando que com as asas de suas mentiras voariam sobre o abismo à vista.
Se Aristóteles pudesse ressuscitar e opinar, talvez o tutor
de Alexandre, o Grande, arriscasse a hipótese mais lógica de que pode ter
ocorrido exatamente o contrário: o propinoduto da Petrobras e a generosidade do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) podem ter
financiado as campanhas dos companheiros venezuelano, salvadorenho, dominicano
e angolano.
Seria, no mínimo, curioso imaginar mais essa dívida da
originalidade histórica a nosso PT: com o fracasso da exportação da revolução
cubana de Fidel Castro e Ernesto Che Guevara para o Terceiro Mundo, a esquerda
tupiniquim inaugurou a exportação da corrupção do Robin Hood às avessas, em que
os pobres empobrecem para enriquecer os companheiros socialistas.
A hipótese, contudo, é absurda: para Hegel e Marx, os fatos
históricos podem voltar a ocorrer, mas não seus protagonistas. Sem Aristóteles
para nos tutelar, podemos concluir que enfrentamos uma tentativa de negar a
História e, ao mesmo tempo, dotá-la de um espelho às avessas.
A Operação Lava Jato mandou prendê-lo após reunir provas
testemunhais e documentais acachapantes de seus crimes contábeis. Só que ele,
contando apenas com seu extraordinário dom de iludir nosso eleitorado, se diz
vítima de “perseguição” sem considerar nenhuma das evidências apresentadas por
policiais e promotores federais, com aval de um juiz respeitável.
O desgoverno falido, assombrado pela hipótese de o Tribunal
Superior Eleitoral interrompê-lo com a cassação de Dilma e Temer, diante de
novas provas óbvias, argumenta que pagou R$ 70 milhões (!) pelo talento número
um de João Patinhas. E, ainda assim, nada tem que ver com suas diabruras
contábeis. Isso é tão convincente como persuadir policiais, promotores, juiz e
todos nós de que o “chefe” citado nos e-mails de Léo Pinheiro, da empreiteira
OAS, publicados na capa da revista VEJA, seja Touro Sentado, Tibiriçá ou
Winnetou. E que “madame” seja Pompadour, Bovary ou Ming.
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