Martinho José Ferreira pode dizer que é graduado em escola de samba. Desde menino que travou conhecimento e intimidade com todos os instrumentos de percussão. Não há mistérios pra ele. Quando saiu dos Aprendizes da Boca do Mato e foi para a Unidos de Vila Isabel, chegou com o curso feito, tornou-se o Martinho da Vila, cantor do povo, das alegrias e das aflições, da gente quem ele nunca renunciou.
GRES Unidos de Vila Isabel
É na rua Teodoro da Silva, onde o compositor Noel Rosa nasceu e morreu, que ensaia o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel. Única no bairro tido e havido como um dos redutos do samba urbano, a Vila congrega os moradores do local, além de muitos do Grajaú, Andaraí e Tijuca, que desfilam ou simplesmente torcem pelas cores azul e branco.
O seu fundador foi Antonio Fernandes da Silveira, o China, que veio do morro do Salgueiro, onde pertencia à escola verde e branco. Com a sua experiência e capacidade de arregimentação, não foi difícil criar as bases de uma nova escola, que seria fundada no dia 4 de abril de 1946 com o nome do novo bairro que ele tinha adotado. Como sempre, os primeiros elementos provinham de um bloco, célula primeira de todas as escolas de samba, e nesse caso particular foi o Azul e Branco, que brincava no Boulevard 28 de Setembro e ruas adjacentes.
Com cerca de 200 componentes, a Unidos de Vila Isabel desfilou pela primeira vez na Praça Onze, em 1947, com o enredo Escrava Rainha. Na bateria iam uns 30 ritmistas, quantidade que na época já dava para impressionar um pouquinho. O prêmio oferecido pela Prefeitura do então Distrito Federal era de trezentos cruzeiros, mas isto para a Vila não teve a menor importância, porque ela foi classificada em 13º lugar. Mas não desistiu.
De 1946 para cá a Vila começou uma trajetória nem sempre muito fácil ou brilhante. Em 49 consegui o 6º lugar com o enredo Iracema, em 1950 subia para o 4º posto com o enredo Baía de Guanabara. Em 1951 o tema escolhido foi Liberdade do Trabalho, em homenagem ao Presidente Getúlio Vargas, mas no dia do desfile caiu um aguaceiro daqueles e os carros alegóricos não conseguiram chegar à cidade, fato que prejudicou a escola, que voltou para o nono lugar.
Em escala descendente, a partir daí, a Vila baixando, baixando, até atingir o 18º lugar em 1954, com o enredo Último Baile da Ilha Fiscal, e quase foi mesmo... Mas o ânimo do pessoal não arrefeceu, o lema era o verso do poeta Noel:
A vila não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também!
A escola só voltou a conhecer o gosto da vitória em 1960, quando conseguiu o primeiro lugar na Praça Onze com o enredo Poeta dos Escravos. Entre idas e vindas pelos grupos que compõem os desfiles oficiais, a Vila nunca obteve o primeiro lugar entre as supercampeãs, mas já fez carnavais de grande beleza, como em 1977, quando Arlindo Rodrigues apresentou o tema Ai, Que Saudades Que Eu Tenho!
Assim como a Unidos de Vila Isabel, outras escolas ainda não conheceram a alegria de uma vitória consagradora, não obstante os bons enredos e os belos sambas levados à Avenida. É o caso da Unidos de São Carlos, da Em Cima da Hora, da União da Ilha do Governador, da Mocidade Independente de Padre Miguel e da Imperatriz Leopoldinense. Mas todas, nos seus esforços, contribuem para o momento grandioso que é um desfile das escolas de samba.
O Salgueiro foi campeão em 1969 com o enredo Bahia de Todos os Deuses, sem dúvida uma das grandes vitórias da escola pela ousadia de suas concepções e a coragem de arriscar em conceitos nada ortodoxos. Naquele desfile houve duas criações memoráveis, uma Iemanjá prateada concebida por Arlindo Rodrigues e os adereços usados pelos componentes, imaginados e executados por Joãozinho Trinta, ex-bailarino do Teatro Municipal e habilidoso criador artesanal.
Até então anônimo, João começou a se destacar graças ao seu talento sempre incentivado por Fernando Pamplona e Arlindo. Alguns anos mais tarde, com a saída deste dois do Salgueiro, Joãozinho assumiu a função de carnavalesco e fez enredos tão memoráveis quanto discutidos: As Minas do Rei Salomão (1974) e Rei da França na Ilha da Assombração (1975).
Foi a ida de Joãozinho Trinta e Viriato Ferreira para a Beija-flor que deu a grande virada nesta escola. Profundo conhecedor do carnaval e de sólida cultura popular, João realizou com o tricampeonato da azul e branco de Nilópolis uns dos mais belos desfiles de toda a história das escolas de samba.
GRES Beija-flor de Nilópolis
O ano era 1945, mês de maio, fim da Segunda Guerra Mundial, o povo comemorava cantando e sambando. Pelas ruas de Nilópolis um bloco famoso fazia a sua peregrinação de bar em bar, era o Bloco do Irineu Perna-de-Pau, que costumava sair durante o carnaval. Tempos depois Irineu faleceu e os seus liderados ficaram desnorteados.
Na noite de Natal de 1948, em casa de D. Eulália de Oliveira, os remanescentes do bloco estavam reunidos e, entre copos de vinho tinto e rabanadas, resolveram fundar a Associação Carnavalesca Beija-flor, o pássaro preferido de D. Eulália, que foi quem sugeriu o nome.
Seu filho Milton, o Negão da Cuíca, foi aclamado presidente e já no ano seguinte saia às ruas do local o novo bloco com as cores azul e branco, herdadas do agrupamento do finado Irineu. Com a adesão de mais gente e o inevitável crescimento a Associação tornou-se escola de samba em 1951 desfilando, com o enredo Libertação de Nilópolis. Começava ali a grande trajetória da escola que estava destinada a terminar com a hegemonia das chamadas quatro grandes (Mangueira, Portela, Império e Salgueiro).
Somente em 1952 é que a Escola de Samba Beija-flor desceu à cidade e apresentou-se no desfile da Praça Onze, entre as do segundo grupo. Ora subindo para o primeiro, ora descendo para o segundo, a escola foi adquirindo forma e coesão, até que em 1974 firmou-se entre as do desfile principal com o enredo Brasil Ano 2000. Mas o grande acontecimento deu-se em 1976, quando Joãozinho Trinta tendo saído do Salgueiro, foi convidado pelo presidente Nelson Abraão David e fez na Beija-flor o enredo Sonhar Com Rei Dá Leão, focalizando com malícia e espírito cariocas uma das grandes instituições do Rio de Janeiro: o jogo do bicho.
Ninguém resistiu à beleza dos figurinos de Viriato Ferreira e às alegorias do Joãozinho, animadas por um contagiante samba de Neguinho da Vala. E a Beija-flor foi a campeã de 1976, quebrando uma escrita de anos, rompendo o cerco das quatro que se revezavam no primeiro lugar. Em 1977 e 1978, o fato viria se repetir e o ex-bloco de Irineu Perna-de-Pau, agora é uma poderosa escola, que tornou-se tricampeã do carnaval carioca.
Sonhar Com Rei Dá Leão (1976), Vovó e o Rei da Saturnália (1977) e Criação do Mundo na Tradição Nagô (1978) são enredos que se tornaram inesquecíveis pela concepção e pela realização.
Poucos conseguem fazer ritmo de samba numa caixa de fósforo como Elton Medeiros, compositor-fundador da Unidos de Lucas e autor de sambas de inconfundível caráter e personalidade, onde ele expõe com lucidez e precisão a sua visão do mundo e do samba.
A via férrea que passa em Parada de Lucas dividiu por muito tempo o samba do local. Esta divisão não era somente geográfica, era muito mais. Era a irreconciliável rivalidade entre duas escolas de samba que disputavam a preferência dos habitantes daquele subúrbio.
Os encontros, evitados sempre que possível, degeneravam numa pequena batalha onde partilhavam todos, e que só terminava quando cada grupo recuava até a linha divisória.
No dia do desfile, o grande objetivo das duas não era propriamente o primeiro lugar, mas sim a colocação na frente da outra. Era um campeonato particular.
Esta disputa durou apenas 33 anos, até que, em 1º de maio de 1966, foi homologada a fusão e, dai em diante, Aprendizes de Lucas e Unidos da Capela transformaram-se na escola de Samba Unidos de Lucas.
A idéia da fusão já existia há uns vinte anos, mas nenhuma diretoria de qualquer das duas agremiações aceitava consumá-la. Muita conversa ao pé do ouvido, emissários que iam e vinham de lado para o outro, papos nos botequins da redondeza, mas quando parecia que tudo estava resolvido aparecia sempre alguém para dizer: “Fusão sim, mas só se a sede for em cima da linha do trem!”.
José Serrão, mais conhecido como Cartola, atesta que a escola Aprendizes de Lucas foi fundada em 1933, em frente à padaria da esquina das ruas Cordovil com Lucas Rodrigues, onde a turma que jogava pelada todos os domingos se reunia ao cair da noite. O nome da escola foi conhecido pela primeira vez em 1935, quando com cerca de 200 pessoas ela participou do desfile na Praça Onze.
A criação dos Aprendizes determinou o nascimento, na outra margem da linha do trem, dos Unidos da Capela. Isto em 15 de Janeiro de 1933. Já existia no local a agremiação Capela Futebol Clube, desde 1928, e em 1926 o bloco virou escola desfilando pela primeira vez com enredo Sonho de Ópio, sendo campeã em 1950 com o enredo Homenagem ao Esporte Nacional.
No carnaval de 1968 surgia no desfile da Avenida Presidente Vargas uma nova escola e com as cores amarelo e vermelho: Unidos de Lucas, batizada na Matriz São Sebastião de Lucas e tendo como padrinhos a cantora Elizete Cardoso e o poeta Vinicius de Moraes que, impedido de comparecer, foi representado por outro poeta: Hermínio Bello de Carvalho. Em diversos carnavais Elizete desfilou com a Unidos de Lucas, mesmo quando a escola desceu para o segundo grupo.
À Unidos de Lucas, se não tivesse outros motivos para ter o seu nome inserido entre aqueles das escolas que acrescentaram fatos positivos à história do samba, bastava um: o samba enredo História do Negro no Brasil, mas conhecido como Sublime Pergaminho, de autoria de Zeca Melodia, Nilton Russo e Carlinhos Madruga. É uma das mais perfeitas sínteses e um dos mais pungentes cânticos da saga do negro em terras brasileiras.
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