Por Rubem Braga
– Is this an
elephant?
Minha tendência imediata foi responder que não; mas a gente
não deve se deixar levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei à
professora bastou para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar de quem
propõe um grave problema. Em vista disso, examinei com a maior atenção o objeto
que ela me apresentava.
Não tinha nenhuma tromba visível, de onde uma pessoa leviana
poderia concluir às pressas que não se tratava de um elefante. Mas se tirarmos
a tromba a um elefante, nem por isso deixa ele de ser um elefante; mesmo que
morra em conseqüência da brutal operação, continua a ser um elefante; continua,
pois um elefante morto é, em princípio, tão elefante como qualquer outro.
Refletindo nisso, lembrei-me de averiguar se aquilo tinha quatro patas, quatro
grossas patas, como costumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui
descobrir o pequeno rabo que caracteriza o grande animal e que, às vezes, como
já notei em um circo, ele costuma abanar com uma graça infantil.
Terminadas as minhas observações, voltei-me para a
professora e disse convincentemente:
– No, it's not!
Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: a demora de minha
resposta a havia deixado apreensiva. Imediatamente perguntou:
– Is it a book?
Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte de minha vida no
meio de livros, conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir um
livro a primeira vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam eles
garrafas, tijolos ou cerejas maduras – sejam quais forem. Aquilo não era um
livro, e mesmo supondo que houvesse livros encadernados em louça, aquilo não
seria um deles: não parecia de modo algum um livro. Minha resposta demorou no
máximo dois segundos:
– No, it's not!
Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita – mas só por
alguns segundos. Aquela mulher era um desses espíritos insaciáveis que estão
sempre a se propor questões, e se debruçam com uma curiosidade aflita sobre a
natureza das coisas.
– Is it a handkerchief?
Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Para dizer a
verdade, não sabia o que poderia ser um handkerchief; talvez fosse hipoteca...
Não, hipoteca não. Por que haveria de ser hipoteca? Handkerchief! Era uma
palavra sem a menor sombra de dúvida antipática; talvez fosse chefe de serviço
ou relógio de pulso ou ainda, e muito provavelmente, enxaqueca. Fosse como
fosse, respondi impávido:
– No, it's not!
Minhas palavras soaram alto, com certa violência, pois me
repugnava admitir que aquilo ou qualquer outra coisa nos meus arredores pudesse
ser um handkerchief.
Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez, porém, a
pergunta foi precedida de um certo olhar em que havia uma luz de malícia, uma
espécie de insinuação, um longínquo toque de desafio. Sua voz era mais lenta
que das outras vezes; não sou completamente ignorante em psicologia feminina, e
antes dela abrir a boca eu já tinha a certeza de que se tratava de uma palavra
decisiva.
– Is it an ash-tray?
Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeiro lugar
porque eu sei o que é um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugar
porque, fitando o objeto que ela me apresentava, notei uma extraordinária
semelhança entre ele e um ash-tray. Era
um objeto de louça de forma oval, com cerca de 13 centímetros de comprimento.
As bordas eram da altura aproximada de um centímetro, e
nelas havia reentrâncias curvas — duas ou três – na parte superior. Na
depressão central, uma espécie de bacia delimitada por essas bordas, havia um
pequeno pedaço de cigarro fumado (uma bagana) e, aqui e ali, cinzas esparsas,
além de um palito de fósforos já riscado. Respondi:
– Yes!
O que sucedeu então foi indescritível. A boa senhora teve o
rosto completamente iluminado por onda de alegria; os olhos brilhavam –
vitória! vitória! – e um largo sorriso desabrochou rapidamente nos lábios havia
pouco franzidos pela meditação triste e inquieta. Ergueu-se um pouco da cadeira e não se pôde
impedir de estender o braço e me bater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava,
muito excitada:
– Very well! Very
well!
Sou um homem de natural tímido, e ainda mais no lidar com
mulheres. A efusão com que ela festejava minha vitória me perturbou; tive um
susto, senti vergonha e muito orgulho.
Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula;
andei na rua com passo firme e ao ver, na vitrine de uma loja, alguns belos
cachimbos ingleses, tive mesmo a tentação de comprar um. Certamente teria
entabulado uma longa conversação com o embaixador britânico, se o encontrasse
naquele momento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhe diria:
– It's not an ash-tray!
E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabia
falar inglês, pois deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua língua
natal começa a ser versada pelas pessoas de boa-fé do país junto a cujo governo
é acreditado.
(Maio, 1945)
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