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quinta-feira, fevereiro 22, 2018

Instrumento sem dó



Por Ivan Lessa

Depois de mais de duas décadas de Grã-Bretanha, acho que já dá, de vez em quando, para eu enfileirar as coisas que gosto e desgosto aqui por estas ilhas.

As coisas que eu gosto ficam para outro dia, uma vez que aqui aprendi a ter o maior cuidado em não parecer que estou – conforme dizíamos – “puxando o saco”.

Além do mais, se é que estou bem lembrado, basta a gente elogiar uma coisa do estrangeiro, vivendo-se nele, que logo vem alguém para criticar a nossa – e lá vêm aspas de novo – “falta de patriotismo”.

Eu não aceitei diversas coisas ligadas à cozinha.

Outras me souberam ao paladar com a naturalidade de uma média com pão e manteiga.

É o caso do café da manhã reforçado inglês.

Aquele que vem com feijão branco de forno, salsicha inglesa (25% é pão), cogumelos e um tomate quente e sem casca feito na panela. Com um ovo estrelado, claro.

Mas aí já estou falando do que eu passei a gostar. Não é esse, hoje, meu objetivo.

Não gosto de 80% dos programas de humor da televisão. É tudo muito físico demais para meu gosto.

Sou mais os americanos, em matéria de enlatados.

O cinema também não desce redondo. Dele, faço a mesma crítica que os franceses, que juram inexistir cinema inglês.

Há, no entanto, porque o mundo e todos seus habitantes são um poço misterioso, a possibilidade de eu estar criticando exatamente como eles, os ingleses, se criticam. Essas coisas – who knows? – pegam.

Tudo isso para chegar onde eu gostaria de não estar: perto de uma gaita de foles.

Para mim a pior coisa que há na Grã-Bretanha são as gaitas de foles, em todas as suas variações.

Mesmo em situação fúnebre, o lúgubre das gaitas de foles me soa quase que uma palhaçada e um exagero de deboche em meio a uma situação seríssima.

Todos os lugares-comuns me ocorrem: a gaita de foles soa como um saco de gatos protestando contra a iminência de serem jogados no rio.

Eu pensava que gaita de foles só na Escócia. Enganei-me em si bemol.

Elas estão em toda parte. Os irlandeses as manuseiam com – só pode ser – maldade inaudita.

E agora, fico sabendo, no sábado, 6 de abril, Sean Connery, ator que eu admirava, vai liderar 10 tocadores, ou executores, de gaita de foles em Nova York, uma cidade que já teve, do ano passado para cá, coisas bastantes com que se chatear.

Mais: os jornais me informam que as 10 mil gaitas de foles estarão representando 30 países.

Não sei se o Brasil consta da lista. Atenção, cuidado: a gaita de foles é ardilosa.

Se bobearem ela chega ao forró e acaba com ele.

Se isso é ou não desejável, não cabe a mim opinar.

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