Por Antônio Maria
Pai, eu tenho um
namorado. Pai, que ouve isto da filha mocinha, pela primeira vez, sente uma
dor muito grande. Todo sangue lhe sobe à cabeça, e o chão do mundo roda sob
seus pés. Ele pensava, até então, que só a filha dos outros tinha namorado. A
sua tem, também. Um namorado presunçosamente homem, sem coração e sem ternura.
Um rapazola, banal, que dominará sua filha. Que a beijará no
cinema e lhe sentirá o corpo, no enleio da dança. Que lhe fará ciúmes de
lágrimas e revolta; pior ainda, de submissão, enganando-a com outras mocinhas.
Que, quando sentir os seus ciúmes, com toda certeza, lhe dirá o nome feio e,
possivelmente, lhe torcerá o braço.
E ela chorará, porque o braço lhe doerá. Mas ela o perdoará
no mesmo momento ou, quem sabe, não chegará, sequer, a odiá-lo. E lhe dirá, com
o braço doendo ainda: “Gosto de você, mais que de tudo, só de você.” Mais que
de tudo e mais que dele, o pai, que nunca lhe torceu o braço. Só de você é não gostar dele, o pai.
E pensará, o pai, que esse porcaria de rapaz fará a filha
mocinha beber whisky, e ela, que é mocinha, ficará tonta, com o estômago às
voltas. Mas terá que sorrir. E tudo o que conseguir dela será, somente, para
contar aos amigos, com quem permuta as gabolices sobre suas namoradas.
Ah! O pai se toma da imensa vontade de abraçar-se à filha
mocinha e pedir-lhe que não seja de ninguém. De abraçá-la e rogar a Deus que os
mate, aos dois, assim, abraçados, ali mesmo, antes que torçam o bracinho da
filha.
Como é absurda e egoisticamente irracional amor de pai! Mais
que ódio de fera. Ele sabe disso e se sente um coitado. Embora sem evitar que
todos esses medos, iras e zelos passem por sua cabeça, tem que saber que sua
filha é igual à filha dos outros; e, como a filha dos outros, será beijada na
boca.
Ele, o pai, beijou a filha dos outros. Disse-lhe, com ciúme,
o nome feio. E torceu-lhe o braço, até doer. Nunca pensou que sua namorada
fosse filha de ninguém. Ele, o pai, humanamente lamentável, lamentavelmente
humano.
Ele, o pai, tem, agora, que olhar a filha com o maior de
todos os carinhos e sorrir-lhe um sorriso completo de bem-querer, para que ela,
em nenhum momento, sinta que está sendo perdoada. Protegida, sim. Amada, muito
mais. E, quando ela repetir que tem um namorado, dizer-lhe apenas:
– Queira bem a ele, minha filha.
(Última Hora, 21 de julho de 1960)
Um comentário:
Se ela ficar aqui, poderá se tornar minha protetora quando eu envelhecer. Não será bom, nem para mim, nem para ela.
Para que prendê-la, então?
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