Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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quarta-feira, abril 29, 2009
Operação SOS Tartarugas
Nelson, eu e Simas, durante um réveillon no Solarium
Setembro de 2004. Sabedor do meu vício quase genético por “bichos de casco”, meu cunhado Nelson, marido da Selane, me telefona, querendo saber se, por acaso, eu não estaria interessado em comprar uns pitiús, que o irmão dele havia trazido de Beruri.
Fui lá conferir a mercadoria. Havia tracajás e tartarugas de todo tamanho, dos miúdos (dois palmos de peito) aos parrudos (três palmos e meio), num total de 130 quelônios.
Na base do um pelo outro, ofereci R$ 1.200,00 pelo lote. O irmão do Nelson devia estar louco pra se livrar da encrenca porque nem regateou.
Como na minha casa não havia lugar disponível para guardar aquela montanha de quelônios, liguei para o velho indagando se podia deixar “alguns pitiús na piscina da casa dele”.
Outro emérito comedor de tartarugas, papai concordou.
Na seqüência, pedi para o Nelson transportar a mercadoria lá pra casa do velho. Era uma sexta-feira.
O Nelson encheu o carro com uns 18 tracajás e deu a primeira viagem.
– “Seo” Simão, o Simãozinho pediu para o senhor guardar aí dentro da sua piscina esses bichos de casco...
O velho Simão, supondo tratar-se de um ou dois tracajás, não deu a mínima.
– Tudo bem, pode deixar aí...
Quando viu a quantidade de tracajás, o velho começou a suar frio.
Meia hora depois, Nelson estava de volta, trazendo mais 25 tracajás. Depois de descarregar a mercadoria, ele indagou:
– Tudo bem, “seo” Simão?...
– Mais ou menos... – respondeu o velho, tomando um suco de maracujá, enquanto a Dulce preparava um chazinho de camomila com erva doce.
Na terceira viagem – com mais 35 tracajás sendo desembarcados –, o velho Simão falou:
– Olha, Nelson, esse negócio tá ficando meio complicado...
Na quarta viagem – com mais 20 tartarugas médias (dois palmos e meio) sendo entregues pelo Nelson –, o velho começou a procurar remédio tarja preta para tomar:
– Rapaz, isso tá ficando perigoso...
Na quinta viagem – um novo lote de 22 tartarugas grandes (três palmos) – o velho Simão foi taxativo:
– O Simãozinho enlouqueceu...
Na sexta viagem – o derradeiro lote de 10 tartarugas gigantes, de três palmos e meio de peito –, o velho Simão estava à beira de um ataque de nervos.
A piscina estava repleta de quelônios, idem o tanque da área de serviço e a área do entorno da piscina. Pra se movimentar no quintal da casa, só pisando em cima dos cascos das tartarugas, que não paravam de se movimentar pra todo lado. Uma zorra total.
Na primeira noite, o velho não conseguiu dormir, por causa do som infernal dos cascos de tartarugas se batendo dentro da piscina (devia ter umas 90).
Ele abriu todas as torneiras da casa para fazer barulho d’água, a fim de que os vizinhos, incluindo um delegado da Polícia Civil, não ouvissem o som dos cascos e o denunciassem ao Ibama.
De madrugada, o velho Simão e a Dulce mataram 30 tracajás. Porém surgiu novo problema. Aonde iriam jogar os cascos?
Antes de o dia amanhecer, papai pegou o EcoSport dele e foi atrás de um local seguro para se transformar em cemitério de pitiús, lá pras bandas do São José, onde fez o descarte dos cascos. Os bancos e a mala do carro ficaram empapados de sangue.
Mesmo assim, o “bate-bate” de cascos dentro da piscina continuava insuportável.
Na manhã de sábado, os dois abateram mais 20 bichos e congelaram a carne. O barulho prosseguiu. O velho Simão foi ficando cansado, abatido, nervoso e sem paciência. Mas mesmo assim, não reclamou.
O diabo é que seu estado de ânimo chegou aos ouvidos da Selane (desconfio que a Dulce deu uma leve “fuxicada”).
Primeiro, ela xingou o Nelson até não poder mais. Depois foi a minha vez.
– O papai não tem porque passar por isso! – esbravejava ela, pelo telefone.
Eu, do alto de minha paciência zen, contemporizava:
– Não te preocupa, mulher! Na pior das hipóteses, ele vai sair nos jornais apenas posando próximo da piscina cheia de quelônios. Preso ele não pode ir porque tem mais de 80 anos. De mais a mais, eu só queria ver o sonho do velho realizado. Ele sempre disse que queria ter um monte de tartarugas pra comer...
Enquanto o velho Simão vivia o maior pesadelo da sua vida (as freezers já não suportavam mais a carne das tartarugas, que estavam sendo abatidas em regime industrial), a Selane continuava enchendo o saco, meu e do Nelson, com xingações a cada meia hora. O nosso sábado foi um inferno.
Na madrugada de sábado pra domingo, a Dulce abateu o lote de 10 tartarugas gigantes de três palmos e meio de peito. Pelos meus cálculos, eles tinham carne de tartaruga suficiente para comer diariamente até maio de 2005.
No domingo, nós (eu, Nelson, Antonio Diniz e Simas) resolvemos ir buscar o resto dos quelônios, na operação batizada “SOS Tartarugas – Salve-se quem puder!”.
No meio da operação de retirada dos quelônios da piscina, Nelson picou a mula, argumentando que precisava levar minha sobrinha, Priscila, no Pronto-Socorro. Cinco minutos depois, Antonio Diniz também picou a mula, argumentando que precisava visitar uns eleitores (ele era cabo eleitoral do vereador Paulo Nasser). Sobrou pra mim e pro meu brother.
Não sei como, mas o Simas arranjou dez sacos de anilina. Acondicionamos sete tartarugas dentro de cada um deles, colocamos na mala do EcoSport dele e nos preparamos mentalmente para uma missão quase impossível: doar quelônios, em plena luz do dia e escondidos do Ibama, sem se deixar trair pelo puta cagaço de ir em cana (tráfico de animais selvagens é crime inafiançável, pois não).
Tomamos meia dúzia de cervejas para clarear as idéias.
Visivelmente nervoso, o Simas perguntava:
– E aí, cara, onde é que nós vamos deixar essa porra?...
– Você pára na primeira ladeira bem movimentada que pintar, a gente abre uns dois sacos, derrama a mercadoria no chão e coloca os bichos para apostar corrida no meio da rua. Daí a gente fica só assistindo. Uns vão morrer atropelados pelos carros, pelos ônibus, pelas motos... Os que sobreviverem, a gente dá de presente para os amigos... – expliquei.
Simas não achou a idéia muito boa. Tomamos mais meia dúzia de cervejas para criar coragem.
Depois de meia hora discutindo as alternativas, nos despedimos do papai e nos mandamos. Pedi pra ele dirigir em direção ao Parque Dez.
Na casa do poeta Aníbal Beça, a gente deixou um saco. O poeta ficou feliz que nem pinto no lixo. Pedi pro Simas dirigir em direção ao Beco do Macedo.
Descarregamos dois sacos na casa do compositor Davi Almeida, um deles para ser entregue ao Engels Medeiros, compadre dele.
O Davi ficou tão nervoso com a quantidade de quelônios que não quis receber o presente de jeito nenhum.
O irmão do Davi, Mário, assumiu a encrenca. Ele pegou os dois sacos e entocou no quintal de um vizinho.
Eu nunca tinha visto aquilo: um cara completamente louco por carne de tartaruga, como o Davi Almeida, recusar 14 tartarugas dadas de graça. Vivendo e aprendendo...
A gente ia passar na casa do Mário Dantas, no Vieiralves, para deixar um saco, e depois na casa do Ari de Castro Filho, na Praça 14, para deixar outro, mas o Simas ficou tão invocado com a atitude do Davi Almeida, que resolveu radicalizar.
Ele me deixou em casa, com dois sacos, e se mandou pra Cachoeirinha. Soube, depois, que ele distribuiu quelônios para todos os moradores da Rua Parintins.
Nessa noite de domingo, o velho Simão conseguiu dormir tranqüilo e aliviado. E até hoje os vizinhos do Simas, lá da Parintins, cobram uma nova fornada de “bichos de casco” totalmente “de grátis”.
Se o projeto “Pé de Pincha”, supervisionado pelo Ibama, estiver mesmo dando certo, eles não perdem por esperar...
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