Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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terça-feira, abril 21, 2009
Perdidos na Selva
Pauderney pensando na morte da bezerra, digo, da nossa famigerada Romiseta, e eu nem aí pra desgraceira
Agosto de 1998. Candidato à reeleição, o deputado federal Pauderney Avelino procura Cristina Calderaro, na redação de A Crítica, para que ela indique um bom jornalista para acompanhá-lo em suas viagens pelo interior.
Polida como sempre, Cristina explica que não pode abrir mão dos bons jornalistas que tem na redação, mas sugere que ele procure o marido dela, Mário Jr., na agência de propaganda Grafite, que talvez ele possa abrir mão de um bom redator que trabalha na agência.
Dois dias depois, o Mário Jr. me chama na sua sala e me dá uma nova missão: acompanhar o deputado federal em suas andanças pelos grotões do estado. Meu parceiro na empreitada seria o fotógrafo Frank Sena, do qual logo me tornei amigo de infância tal a sua (dele) capacidade de manter uma serenidade zen nas situações mais catastróficas.
Sim, eu já conhecia Pauderney Avelino. A gente havia estudado juntos na ETFA e também trabalhamos juntos na implantação da Sharp do Brasil. Ele e seu irmão gêmeo, Pauderley, saíram da empresa para montar a assistência técnica Medave, que depois se transformou na Construtora Capital.
Pauderney não passou no vestibular da Utam (foi um dos desfalques dos "homens de ouro"), mas no ano seguinte passou na FUA e se formou em engenharia civil. Mais tarde, se candidatou a deputado federal em 1990 e foi eleito. Ele se reelegeu em 1994 e era um dos mais valorosos defensores do Pólo Industrial de Manaus, porque vinha do chão de fábrica.
Em 1998, ele se reelegria deputado federal com facilidade, mas Amazonino Mendes garantiu que lhe apoiaria para o Senado. Na hora agá, o negão preferiu apoiar a candidatura de Gilberto Mestrinho (que derrotou meu brother Marcus Barros no apagar das luzes) e Pauderney ficou segurando a brocha na parede, sem uma mísera escada por perto (ao anunciar no início do ano que não disputaria a reeleição, metade de seus cabos eleitorais firmou compromissos com outros candidatos ao cargo).
Bom, mas esse era um problema dele. O meu era encarar de frente aquelas viagens suicidas em monomotores que não podem voar muito alto senão são derrubados pelas rajadas de vento e nem muito baixo porque senão se chocam com as copas das árvores. Quem já passou por esse sufoco, sabe do que estou falando.
Nossa primeira missão consistia em viajar pra Barcelos (em um bimotor do tamanho de uma kombi) e fazer algumas visitas na cidade em companhia do prefeito José Ribamar Beleza. Na seqüência, descer o rio Negro de voadeira até a comunidade de Tapiira, participar da festa da santa padroeira do lugar, e depois pegar um barco e se mandar pra Manaus. Se tudo desse certo, a gente fazia a presepada em 24 horas.
Chegamos a Barcelos por volta das 8h da manhã de um sábado. Enquanto Pauderney e o prefeito se reuniam com seus cabos eleitorais, eu e Frank Sena fomos bater perna pela cidade.
Voltamos a nos reunir às 10h para embarcar nas voadeiras e viajar pra zona rural. Na lancha principal, do tamanho de uma Romiseta, eu, Frank, Pauderney, José Beleza (pilotando) e um aspone do prefeito. Na lancha de apoio, os outros aspones e os seguranças.
Quando soube que eu era jornalista, José Beleza ficou empolgado e começou a falar sobre as maravilhas de Mariuá, o maior arquipélago fluvial do mundo, com mais de 140 km de extensão.
– Se o cara não souber os caminhos das pedras, ele entra nesse arquipélago e nunca mais sai – garantiu o prefeito.
Aí, resolveu me dar uma aula prática: embicou dentro do arquipélago (até então a gente vinha descendo o rio Negro pela margem direita) e começou a fazer uma dissertação de mestrado sobre suas preocupações ecológicas.
De repente, como se fosse um motoboy aloprado no trânsito de Manaus, o prefeito começou a “costurar” pelos canais das inúmeras ilhas (mais de 10 mil), explicando didaticamente a diferença entre cada uma delas. Em meia-hora, perdemos de vista a lancha de apoio.
Quando expliquei o fato para o prefeito, ele riu. “Aquilo lá é um bando de otários. Se eles entrarem aqui, vão ficar perdidos. Devem estar costeando a margem do rio...”, bazofiou.
Uma hora depois, a nossa Romiseta estancou no meio do arquipélago e não teve cão que fizesse ela voltar a pegar. Via radiotransmissor, o aspone tentou um contato com a lancha de apoio. Nada. O prefeito começou a ficar nervoso. Eu comecei a acreditar que a gente nunca mais sairia dali.
Não sei como, mas o prefeito improvisou um pedaço de madeira como remo e depois de quase uma hora conseguiu levar a Romiseta para a margem direita do rio Negro. O silêncio dentro da embarcação era digno de filme de Hitchcock.
Subimos o barranco e nos deparamos com um tapiri, sem viva alma. Depois de meia hora, apareceu uma senhora, ofereceu água e cafezinho, explicou que seu marido e os filhos estavam na roça. O prefeito perguntou se eles dispunham de algum motor de rabeta, para nos emprestar.
Sem saber quem era aquele cidadão, a senhora foi de uma sinceridade desconcertante:
– Olha, meu sinhô, há dois anos o candidato a prefeito passou por aqui, distribuindo motores de rabeta, ferramentas e casas de farinha. A gente ganhou um rabetinha, mas como ninguém tem onde comprar combustível, ele ficou jogado ali – e apontou para um motor meio enferrujado que servia de apoio para a horta em forma de jirau.
Entrei na conversa, simulando um certo ar de incredulidade:
– Mas, depois de eleito, o prefeito nunca mais voltou aqui?...
– Não voltou não, meu sinhô. Acho que ele só vai parecer aqui de novo se for pra pedir voto pra uma nova eleição... – devolveu a moradora.
Resolvi dar pilha na senhora. Ela não se fez de rogada e botou pra quebrar, falando do abandono a que são relegados os moradores da zona rural de Barcelos. Pauderney saiu de perto, sentindo que aqueles votos tinham ido pra cucuia.
Cada vez mais nervoso, o aspone continuava tentando um contato via radiotransmissor com o pessoal de apoio, “aquele bando de filhos da puta incompetentes que devem estar com a mãe leprosa na zona”, em uma das clássicas definições de José Beleza. Nada.
Por volta das 13h, o marido da mulher apareceu no tapiri trazendo um saco de macaxeira nas costas e um guariba morto na mão. Ia ser o almoço deles: guisado de macaco com macaxeira. O prefeito-ecologista quase teve um troço.
Puxei conversa com o caboco, que não fazia a menor idéia de quem eram aqueles sujeitos da ilustre comitiva. Sincero como todo trabalhador da zona rural, ele também não se fez de rogado.
– Aqui na região existe apenas um posto de saúde que fica em uma localidade distante seis horas de remo – informou. “E lá no posto são apenas três fichas para cada localidade. Por exemplo, se aqui tem uma família com quatro filhos doentes, apenas um é consultado e assim esta mãe terá que esperar três meses para que os outros filhos sejam atendidos. Se for um caso de vida ou morte, a pessoa aqui morre, sem contar que a médica só atende duas horas. Na nossa comunidade tem muita criança que precisa de atendimento médico”, lamentou.
Outro problema que a comunidade enfrentava, segundo ele, era a falta de água potável para consumo. Todos do local utilizavam água de cacimbão, o que contribuía para o aumento das doenças, principalmente nas crianças. “A água é muito ruim, cheia de lodo, que prejudica nossos rins”, disse ele, resignado. O prefeito não deu um pio.
Por volta das 15h, quando ia ser servido o guisado de macaco (eu já havia dito pra senhora que só queria comer os miolos...), o “bando de filhos da puta incompetentes com a mãe leprosa na zona” nos localizou, depois de terem ido até a comunidade do Tapiira e voltado, margeando o rio. O prefeito estava uma arara.
Chegamos à comunidade por volta das 17h, com uma fome de anteontem. A sorte era que o nosso barco (o iate Amazônia, do empresário Otávio Raman) já estava a postos, com comida suficiente para alimentar um batalhão.
A festa da padroeira foi muito animada e entrou pela madrugada, apesar da quantidade inenarrável de mocréias e tribufus dando em cima do deputado. Por volta das 4h da manhã de domingo, enquanto Pauderney se refestelava com um Cohiba e eu e Frank dávamos cabo da segunda garrafa de Logan, o prefeito subiu no barco para se despedir:
– Olha, tu não publica aquela conversa com aqueles lavradores não, que eles são meus inimigos políticos. Aquilo tudo é só conversa fiada, coisa da oposição... – garantiu.
Meia hora depois, o prefeito José Ribamar Beleza voltou pra Barcelos e nós seguimos pra Manaus.
Ao nos despedirmos, no porto do Roadway, por volta do meio-dia, Pauderney cantou a pedra:
– Poeta, isso foi só uma pequena amostra da vida de político fazendo campanha nos beiradões do Amazonas. Na próxima semana nós vamos pra Iauaretê, na Cabeça do Cachorro. Lá é que você vai ver desgraça...
Na segunda-feira, entrei na Grafite disposto a estripar o Mário Jr. com um punhal de cangaceiro. Infelizmente, o salafrário havia viajado para Miami, onde permaneceria por duas semanas. Acontece.
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