Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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quarta-feira, abril 08, 2009
Volver a los 17, despues de vivir un siglo
A primeira formação do Raíces de América: Enzo Merino, Oscar Segovia, Julio Peralta, Isabel Ribeiro, Celso Ribeiro, Tony Osanah, Mariana Avena, Fred Goés e Willy Verdaguer
David Almeida, Fred Góes e o bucho desse vosso escriba. Literalmente
Em meados dos anos 70, o talentoso músico parintinense Fred Góes se mudou para São Paulo, na busca do velho sonho de se transformar em músico profissional e viver da própria arte. Em Sampa, ele se juntou a alguns músicos chilenos e argentinos no “Grupo Chasky”, cujos integrantes eram o próprio Fred, Guillermo Noriega, Enzo Merino, Carlitos Demutti e Oscar Segovia. Paralelamente, Enzo, Oscar, Fred e Celsinho Ribeiro formaram o “Grupo Machitún”. Os dois grupos tocavam a chamada “música folclórica latino-americana de raiz”.
Em fins de 1979, o visionário empresário Enrique Bergen, argentino radicado no Brasil, teve a feliz idéia de formar um grupo de música latino-americana que se sobressaísse dos padrões corriqueiros da época, quando os grupos do gênero mantinham características primordialmente folclóricas em seus repertórios e formações. Surgia o grupo “Raíces de América”, formado por Fred Góes, Enzo Merino, Oscar Segovia, Julio Peralta, Isabel Ribeiro, Celso Ribeiro, Tony Osanah, Mariana Avena e Willy Verdaguer.
O grupo Raíces de América nasceu praticamente junto com a gravadora Eldorado, unindo músicos encantados com a proposta de resgatar a música latina produzida na região e que falasse da vida e dos problemas latino-americanos, de um povo vivo e de cultura vibrante, sem buscar os estereótipos fáceis que reforçam a região como subdesenvolvida e eternamente bucólica e atrasada. No repertório, ao lado de composições próprias, o grupo cantava Violeta Parra, Vinícius de Moraes, Gilberto Gil, Chico Buarque e Milton Nascimento.
Em 1980, tendo a lendária Mercedes Sosa como madrinha, o Raíces de América estreou em São Paulo, com direção de Flávio Rangel, um espetáculo maravilhoso que contava com performances e arranjos ricos e modernos, iluminação, figurino e cenografia elaborados especialmente para o show. As músicas eram permeadas por leitura de poemas feitas pela atriz Isabel Ribeiro, já falecida.
Durante os ensaios, Rangel sugeriu ao grupo que incluíssem no repertório dois de seus primeiros sucessos: “Guantanamera”, de José Marti, e “Disparada”, de Theo de Barros e Geraldo Vandré. Do primeiro disco, gravado com o sucesso do espetáculo, os destaques eram, além das duas canções citadas, a pastoral “El Condor Pasa”, de Daniel Robles, valorizada pela voz melancólica da cantora portenha Mariana Avena, e “Cantor de Ofício”, de A. Morelli.
O sucesso de público conquistado pelo Raíces de América foi imediato. Não custa lembrar que o início dos anos 80 foi marcado, no Brasil, pelos processos de reabertura política e pela reintrodução das eleições diretas, o que aproximou a proposta do grupo às demandas da população brasileira. Um novo disco foi gravado no ano seguinte, que trazia pérolas como “Los Hermanos”, de Atahualpa Yupanqui, “Volver a Los 17”, de Violeta Parra, “Guajira Para Esperança de América”, de Oswaldo Avena e Enrique Bergen, “La Ciudad”, de Enzo Merino, Oscar Segovia e Fred Góes, e “Pássaro Cativo”, de Celso Ribeiro.
Em 1982, o grupo conquista o segundo lugar no Festival MPB Shell promovido pela Rede Globo de Televisão com a música “Fruto do Suor”, de Tony Osanah e Enrique Bergen. A canção cativou principalmente os imigrantes latinos radicados no Brasil e foi o carro-chefe do terceiro álbum do grupo, também chamado “Fruto do Suor”. Além da faixa título, o álbum continha “Pedro Nadie”, de Piero e José, “O que Será”, de Chico Buarque e “Soy Loco Por Ti América”, de Gilberto Gil, Capinam e Torquato Neto.
Com a saída das vozes de Mariana Avena e Tony Osanah, substituídos respectivamente por Lídia Tolaba e Jota Mariano, o grupo grava “Dulce América”, com destaque para as versões de “O Cio da Terra”, de Milton Nascimento e Chico Buarque, “Nada Será Como Antes”, de Milton e Ronaldo Bastos e “Rosa de Hiroshima”, de Vinícius de Moraes e Gérson Conrad.
Depois desse disco, Fred Góes deixa o grupo e retorna a Parintins, para assumir a coordenação artística do boi Garantido e ajudar a transformar o Festival dos Bumbás nesse mega-espetáculo em que acabou se transformando. Foi Fred que introduziu o charango (espécie de cavaquinho típico dos Andes) no acompanhamento das toadas – o que fez muito brincante tradicionalista torcer o nariz. Ele também contribuiu decisivamente para que as letras das toadas se tornassem mais poéticas, melódicas e criativas.
Em 1994, com o festival de Parintins entrando no seu momento mais criativo e se transformando em referência internacional, Fred Góes dá outra tacada de mestre: junto com o também músico Sidney Resende, ele arregimenta um grupo de músicos da ilha e cria o Regional Vermelho e Branco, o primeiro grupo a se apresentar em shows acústicos antes e depois do festival de Parintins e o primeiro grupo a gravar um CD de toadas. Para Fred, aquela era uma maneira legítima de os músicos permanecerem em atividade independente da sazonalidade do festival. E pelo número de “grupos de boi” que surgiu depois do Regional Vermelho e Branco, essa também foi uma iniciativa vitoriosa.
Um ano depois, Fred estava em casa, compondo uma nova toda, quando toca o telefone. Do outro lado da linha, num portunhol sofrível, um sujeito entabula uma conversa esquisita:
– Señor Fred Góes?... Ah, si, como no... Acá quem fala es mister Pablito Milongués... Soy empresário del noche em Chile... Yo quiero contratar usteds para duas semanas de espetaculos em Viña del Mar... Si, si... Estoy em hotel Imperial, acá en Manaus... Vienam, vienam... Yo voy pagarle 5 mil dólares por cada show en el Casino Viña del Mar... Si, si, como no... Si, si, es invierno... Mucho, mucho frio... Abajo de 10 graus, quiero crer... Pero, por supuesto, em Manaus ahi muy buenos agasalhos... Si, si, vienam, vienam... El contrato vos espiera... Si, si, muchas gracias, señor Fred Góes... Estay agendado... Saluto para vosotros.... Gracias, gracias!
Fred ficou em estado de graça. E correu para contar a boa nova pros parceiros. No mínimo, aquilo era o início de uma carreira internacional. Duas semanas na capital turística do Chile por certo geraria dividendos para, depois dali, ganharem o mundo. Era pegar ou largar. O músico Paulinho du Sagrado quis largar.
– Porra, meu irmão, a gente aqui é tudo um bando de liso. A gente não tem grana nem pra chegar em Manaus. Cumé qui a gente vai custear uma viagem até o Chile?...
Fred não se fez de rogado.
– O nosso papo agora é chegar até Manaus para assinar o contrato com o gringo. Depois, talvez a gente descole um adiantamento com ele para as passagens. Só que a gente não pode chegar junto do cara com jeito de esfamiado, que pega mal. Vamos levantar a grana que a gente puder e fazer bonito. O resto vem na seqüência.
Dito e feito.
Fred Góes vendeu dois violões de estimação, quase aos prantos. Sidney Resende vendeu um três-em-um da Sony, novinho em folha, pela metade do preço. Paulinho du Sagrado pegou emprestado uma grana da irmã – sem ela saber. Buião meteu a mão na poupança que a duras penas estava economizando para pagar a faculdade do filho, então com quatro anos. Os outros músicos fizeram a mesma coisa. A grana apurada era suficiente para pagar as passagens de barco até Manaus e, com sorte, comprar meia dúzia de casacos de esquimós em liquidação na loja Oriente. Era aquilo ou morrer enregelado no sul do Chile. Determinados como um grupo de vikings, eles foram à luta.
Chegando em Manaus, enquanto os músicos iam às compras na loja Oriente, Fred Góes foi na casa de seu irmão, o advogado Wander Góes, procurador-geral e plenipotenciário da Assembléia Legislativa do Amazonas há mais de três décadas. Com certeza ela teria umas merrecas acumuladas e não se negaria a ajudar o irmão naquela empreitada internacional.
Enquanto Wander enchia os copos de uma legítima “branquinha” mineira, Fred começou a contar o motivo da odisséia (ele não pisava em Manaus há quase duas décadas).
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, Wander lhe estendeu um dos copos, fez o brinde tradicional, e caprichou na pronúncia:
– Señor Fred Góes?... Ah, si, como no... Acá quem fala es mister Pablito Milongués... Soy empresário del noche em Chile... Yo quiero contratar usteds para duas semanas de espetaculos em Viña del Mar... Si, si...
Quase que sai porrada entre os dois irmãos.
E a loja Oriente não aceitou a devolução dos casacos de pele nem pelo caralho.
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