Fernando Gabeira
Quem cai primeiro: Dilma ou Eduardo Cunha? Essa, para mim, é
uma escolha de Sofia, a personagem que teve de decidir qual dos dois filhos
seria sacrificado. Sofia queria que ambos sobrevivessem, daí a angústia de sua
escolha. No caso brasileiro, gostaria que os dois caíssem e, se possível,
levassem também o Renan Calheiros.
Para o ex-ministro Joaquim Barbosa, o impeachment de Dilma é
uma bomba atômica. Mesmo discordando de sua conclusão, acho que a imagem é útil
e nos remete ao período da Guerra Fria, no qual a ameaça de uma hecatombe
nuclear se tornou um fator de equilíbrio.
Eduardo Cunha tem contas na Suíça e foi detonado por quatro
delatores. Hoje, conta com a simpatia da oposição. O líder do PSDB fez um
discurso nauseante de apoio a Cunha na CPI. Fiquei tão chocado que escrevi
mensagem de protesto para seu gabinete.
Mas Cunha floresceu no período do PT. Era líder de seu
partido, o PMDB, comandava votações e nas questões econômicas fechava com o
governo. O processo de degradação que o PT favoreceu acabou levando a uma
consequência lógica na Câmara: o mais hábil e experimentado bandido acabaria
ocupando a presidência.
A imagem de Barbosa serve, no entanto, para descrever o
quadro. O impeachment tem valor para Cunha apenas como ameaça. Ele sabe que o
impeachment de Dilma, imediatamente, levaria à sua própria queda. Dilma e Cunha
necessitam um do outro e talvez evitem a guerra até que um deles caia por si
próprio, derrubado pelos cupins que o consomem. Só existe um fator capaz de
trazer alguma esperança: a participação popular. Sem ela, o Congresso fica
perdido, os dramas vão se arrastar e reduziremos as chances de prosperidade das
novas gerações.
Lula, por exemplo, escolheu um caminho de defesa: os fins
justificam os meios. As pedaladas fiscais aconteceram para financiar o Bolsa
Família e o Minha Casa Minha Vida. É um argumento tenebroso porque engana os
mais ingênuos e continua dando à quebra das regras do jogo um certo charme de
Robin Hood. Acontece que o governo não pedalou apenas com os gastos sociais. Fez
inúmeras despesas, em torno de R$ 26 bilhões, sem consulta ao Congresso. Em
qualquer democracia do mundo, isso é crime bem mais grave do que comer um
bombom na mesa do delegado da PF.
Não importam Teoris e Rosas e outros juristas vestidos de
preto, com uma linguagem empolada. Nessa semana fizeram o que condenamos nos
juízes de futebol: apitaram perigo de gol. O governo acentuou seus erros num
ano eleitoral precisamente para dizer agora: esqueçam o passado, não sou
responsável por ele. E, com esse argumento, pedalou até em 2015.
Enquanto potencialmente puder acenar com o impeachment de
Dilma, Cunha ficará vivo. E enquanto tiver Cunha como seu grande oponente, o
governo vai propor a ele um acordo de sobrevivência. É uma dádiva para o PT que
ele tenha encarnado a oposição.
Dizer que nada vai se resolver enquanto for decidido por
cima não é, necessariamente, pessimismo. Milhões de pessoas rejeitam Dilma e
Cunha. Mas não podem apenas esperar que um destrua o outro. Ou supor que as
instituições, por si próprias, encontrem a saída. O Brasil está vivendo, de
novo, aquele dilema do personagem de Kafka que esperou anos diante da porta do
castelo, para descobrir que ela sempre esteve aberta.
Nossa oposição é medíocre, o Supremo aparelhado pelo PT, que
se gaba de ter pelo menos cinco ministros na mão. Os principais personagens,
Dilma e Cunha se equilibram pelo terror.
Milhões de pessoas querem mudança. Mas esperam que aconteça
num universo petrificado de Brasília. As coisas se parecem um pouco como aquele
poema de John Donne sobre sinos dobrando. Não pergunte por quem dobram, pois
dobram por você. De uma certa maneira, não será o Cunha, Congresso ou Supremo
que resolverão essa parada. Ela depende de cada um.
Enquanto os atores institucionais e seus cronistas nos reduzirem
apenas a expectadores, esse filme de quinta categoria não acaba nunca. Não
quero dizer com isso que precisamos fazer manifestações cada vez maiores, para
os jornalistas medirem, fita métrica na mão, o nosso avanço.
Com mais de meio século de experiência nas ruas, cheguei à
conclusão de que nelas, como em outros lugares, não é só a quantidade que
conta. Há um grande espaço para a qualidade e invenção. Mesmo sem nenhuma
garantia de que esse caminho dê certo, ele tem, pelo menos, a vantagem de estar
nas nossas mãos.
Da anistia às diretas, passando pela queda de Collor, as
conquistas populares foram notáveis. Mas, assim como na profissão de
jornalista, o passado é muito bom mas não serve de consolo para os desafios do
momento. O foco é sempre a próxima tarefa.
E o Brasil parece ter empacado na próxima tarefa. Ela não se
resume na troca no poder, mas também na busca de um crescimento sustentável em
todos os sentidos. Não podemos mais voar como galinha nem seguir,
desvairadamente, destruindo recursos naturais.
Alguns amigos sonham com a garotada que vem aí. Mas os
ombros dos jovens não precisam suportar o mundo. O futuro interessa também aos
que não estarão vivos para presenciá-lo.
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