Ícones já representam
metade de todas as frases postadas no Instagram, segundo pesquisa
Neil Cohn (*)
O ano de 2015 poderia ser já chamado de o ano do Emoji. A
lista quase infindável de ícones foi a responsável por mandar um adolescente
americano para a cadeia (quando ele usou imagens de pistolas para ameaçar a
polícia de Nova York) e atiçou a ira do presidente russo, Vladimir Putin, que
estaria tentando banir o uso de símbolos gays do aplicativo. As adoráveis
carinhas sorridentes até ganharam vida própria em um filme de Hollywood.
O Emoji é agora usado em cerca de metade de todas as frases
publicadas no Instagram. E o Facebook deve introduzi-los em breve ao lado do
famoso botão “Curtir”, para os usuários expressarem sua reação a uma postagem.
Algumas pessoas já dizem que o Emoji é um novo idioma e que
logo deve competir com o inglês em número de usuários mundiais.
Para muitos, isso seria uma evolução animadora na maneira
como nos comunicamos; para outros, é o apocalipse linguístico.
Gestos complementam o
discurso, algo que faltava à linguagem escrita
Como linguista especializado em comunicação visual, sempre
me interessei em explorar exatamente de onde vêm essas afirmações. Será que o
Emoji apresenta as mesmas características de outros sistemas de comunicação e
de idiomas propriamente ditos? E será que eles nos ajudam a expressar algo que
as palavras não conseguem?
Quando um ícone do Emoji aparece ao lado de um texto, ele
normalmente suplementa ou enfatiza o que está escrito.
É a mesma coisa que os gestos fazem quando falamos: nas
últimas três décadas, pesquisas mostraram que nossas mãos oferecem informações
importantes que normalmente transcendem e esclarecem a mensagem do discurso.
O Emoji também tem essa função. Mandar uma carinha
beijoqueira ou uma piscada pode elucidar se uma declaração é uma leve
provocação ou pura maldade.
Isso é algo crucial no uso da linguagem: quando falamos,
constantemente usamos gestos para ilustrar o que queremos dizer. A escrita
remove essas informações não-verbais, mas o Emoji pode nos permitir
reincorporá-las ao texto.
O papel da gramática
Os símbolos coloridos nem sempre são usados como enfeites.
Às vezes, uma sequência de ícones pode significar uma mensagem mais longa. Mas
para se tornar um idioma próprio, o Emoji precisaria de um componente
essencial: a gramática.
Um sistema gramatical é um conjunto de regras que define
como o sentido de uma frase é embalado de maneira coerente. O fato de as
línguas naturais terem uma gramática as torna diferentes de linguagens
inventadas.
Quando os ícones do Emoji são isolados, eles são
primariamente governados por regras simples relacionadas apenas a seu sentido.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo linguista Tyler
Schnoebelen, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, os usuários do Emoji
costumam criar sequências com símbolos que apresentam um significado comum,
como nesta mensagem:
'Oi. O que está
rolando nesta noite?' A resposta veio na forma de Emojis
A sequência acima não tem quase nenhuma estrutura interna.
Mesmo se for rearranjada, transmitirá a mesma mensagem. As imagens estão
conectadas apenas por seu significado mais amplo. É quase como uma lista visual
- “aqui estão coisas relacionadas a festas e aniversários”.
As listas são uma maneira de comunicar algo, mas elas não
têm a gramática das frases.
Apesar disso, algumas pessoas argumentam que mesmo com a
atual simplicidade do Emoji, esse pode ser um terreno fértil para que algo mais
complexo surja no futuro.
Melhor do que
desenhar?
Será que uma “linguagem visual do Emoji” poderia se
desenvolver com uma estrutura gramatical? Para responder a isso, é preciso
considerarmos as limitações intrínsecas da própria tecnologia.
O Emoji é criado ao se digitar em um teclado, como um texto.
Mas, diferentemente de um texto, a maioria dos ícones são unidades que se
encerram em si mesmas – exceto pelos emoticons que se transformam em Emoji,
como :-) ou ;-).
Ao escrever um texto, usamos os tijolos (letras) para criar
as unidades (palavras), mas sem precisar procurar em uma lista com todas as
palavras daquele idioma. Fazer um desenho é algo semelhante, pois combinamos
linhas e formas para formar unidades maiores.
Mas o Emoji não permite construir unidades a partir de
tijolos. Por exemplo, se quero dizer que meu irmão foi surfar, posso escolher
um ícone com bigode para representar meu irmão e combiná-lo com o ícone de
surfe.
Isso segue o modelo sujeito-ação que é tão característico
dos idiomas naturais. Mas carece da flexibilidade que eu poderia ter se
decidisse eu mesmo fazer um desenho do meu irmão surfando.
Crescer é complicar
O Emoji nos obriga a apresentar informações em uma sequência
linear unidade por unidade, o que limita a complexidade das expressões. Essas
restrições podem fazer com que nunca sejamos capazes de atingir a complexidade
mais básica que criamos com desenhos.
Além disso, essas limitações também impedem que os usuários
criem novos símbolos – algo obrigatório em todas as línguas, especialmente as
emergentes.
Os usuários não têm controle algum sobre o desenvolvimento
do vocabulário
Conforme a “lista de vocábulos” do Emoji crescer, ela se
tornará cada vez mais difícil de dominar: usá-los significa fazer uma busca
consciente dentro de uma lista externa. Não se trata de gerar algo com nosso
próprio vocabulário mental, que é algo que fazemos naturalmente ao falarmos ou
desenharmos.
Este é um ponto crucial: o Emoji não tem a flexibilidade
necessária para criar um novo idioma.
Dose de humor ou
melancolia
A ironia é que tanta atenção dedicada ao Emoji significa que
muitos de nós esqueceram o fato de já termos linguagens visuais bastante
robustas, como se vê em histórias em quadrinhos, por exemplo.
Como defendo em meu livro The Visual Language of Comics (“A linguagem
visual dos quadrinhos”, em tradução literal), os desenhos dos quadrinhos usam
um vocabulário visual sistemático, como linhas tortas para representar mau
cheiro ou estrelas em volta da cabeça para denotar tontura.
Além disso, o vocabulário disponível aos desenhistas não é
limitado pela tecnologia e se desenvolveu naturalmente com o tempo, assim como
os idiomas falados e escritos.
Apesar disso, acredito que o Emoji ainda é muito útil para
realçar e enriquecer o texto de nossas conversas e interações digitais,
injetando uma dose de humor, afeto ou até melancolia na mais concisa das
mensagens.
Sua crescente popularidade serve para nos lembrar de que a
comunicação humana é muito mais do que apenas palavras.
No entanto, o Emoji não chega nem perto da riqueza e da
complexidade das línguas faladas ou das linguagens visuais que existem nos
desenhos que temos usado há milênios.
(*) Neil Cohn é linguista
e pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego.
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