Fernando Gabeira
Por toda parte, queixas e lamúrias: arrasaram o Brasil,
estamos quebrados, tudo fechando, alugando. É uma fase pela qual temos de
passar. Quanta energia, troca de insultos, amizades desfeitas. Às vezes penso
que a melhor forma de abordar o novo momento é apenas deixar que os fatos se
imponham.
Muitas vezes afirmei que o dinheiro roubado da Petrobras foi
para os cofres do PT e usado na campanha de Dilma Rousseff. Caríssima campanha,
R$ 50 mil por mês só para o blogueiro torná-la um pouco engraçada.
O primeiro fato importante foi a delação premiada do
empresário Ricardo Pessoa. Ele afirmou que deu quase R$ 10 milhões à campanha
para não perder seus negócios na Petrobras. Logo depois surgiram suas
anotações, estabelecendo um vínculo entre o dinheiro que destinou ao PT e os
pagamentos que recebia da Petrobras. Verdade que a empresa estava nomeada
apenas como PB. Claro que ainda podem dizer que esse PB quer dizer Paraíba, ou
pequena burguesia. É um jogo cansativo.
Nem é tão necessário que a investigação defina novos
vínculos entre o escândalo, o PT e a campanha de Dilma. Basta assumir as
consequências do que já se descobriu. Se o tema vai ser neutralizado no
Supremo, se o governo compra um punhado suficiente de deputados, tudo isso não
altera minha convicção de que o escândalo desnudou um projeto político
criminoso.
Ainda na semana passada o Estadão publicou reportagem sobre
a Medida Provisória (MP) 471. Ao que tudo indica, foi comprada. Ela garante a
isenção de R$ 1,3 bilhão em impostos. E rendeu R$ 36 milhões em propina.
Não estranho que tenha sido aprovada pela maioria. Eram estímulos
para três regiões do país e as respectivas bancadas estavam satisfeitas com
isso.
Também não havia, da parte das outras regiões,
questionamentos sobre estímulos localizados. O único nó nesse campo, se me
lembro bem, era a divisão dos royalties do petróleo.
Muito possivelmente, a emenda foi vendida com o preço da
aprovação parlamentar embutido. De qualquer forma, a maioria no Congresso foi
enganada e, com ela, todos os seus eleitores.
A empresa que negociou a medida provisória destinou R$ 2,4
milhões ao filho de Lula. Segundo a notícia, ele diz que o dinheiro foi pago
por assessoria de marketing esportivo. O pai assina a MP, o filho recebe R$ 2,4
milhões da empresa de lobby. Se você não estabelece uma conexão entre as duas
coisas, vão chamá-lo de ingênuo; se estabelece, é acusado de lançar suspeita
sobre a reputação alheia.
A maioria das pessoas consegue processar fatos e documentos
já divulgados e talvez nem se escandalize mais com a venda de uma MP: é o modo
de governar de um projeto. É todo um sistema de dominação. É preciso ser um
Jack estripador ou um ministro do Supremo para dizer: vamos por partes.
As conexões estão feitas na cabeça da maioria e nada de novo
acontece. Neste momento pós-moderno, em que as narrativas contam, mas não as
evidências, o conceito de batom na cueca também se tornou mais elástico. Não é
bem uma marca de batom, mas algo vermelho que esbarrou pelo caminho, uma tinta,
um morango maduro.
Enquanto se vive este faz de conta nacional, a situação vai
se agravar. É muito grande o número de brasileiros que se sentem governados por
uma quadrilha. Apesar de não estarem organizados, ou talvez por isso, alguns
vão se desesperar, ultrapassando os limites democráticos. O tom do protesto
individual está subindo. Dirigentes do PT são vaiados, figuras identificadas
até a medula com o partido, como o ministro Lewandowski, também não escapam
mais da rejeição popular.
O PT e os intelectuais que o apoiam falam de ódio. De fato, o
amor é lindo, mas como ser simpático a um partido que arrasa o país, devasta a
Petrobras e afirma que está sendo vítima de uma injustiça?
Não são apenas alguns intelectuais do PT que se recusam a
ver a realidade. No passado, as denúncias de violência stalinista eram
guardadas numa gaveta escura do cérebro. Era impossível aceitar que o modelo
dos sonhos se apoiava numa carnificina. Agora também parece impossível admitir
que o líder que os conduz tem como principal projeto tornar-se milionário. É
como se admitissem ser humildes fiéis de uma religião cujo pastor acumula,
secretamente, uma fortuna, enquanto teoriza sobre a futilidade dos bens
materiais.
A sucessão de escândalos, demonstrando a delinquência do
governo, não basta para convencer os mais letrados. E certamente não bastará
para convencer os que ignoram a História e são pagos para torpedear o
adversário nas redes.
Mas os fatos ainda têm grande força. Lutar contra eles, em
certas circunstâncias, não é só um problema de estupidez, mas também de estreita
margem de manobra.
Se o governo não pode aceitar que suas contas sejam
recusadas por unanimidade no TCU, não resta outro caminho senão tentar melar o
julgamento. Sabem que todos estão vendo sua jogada e talvez experimentem uma
ligeira sensação de ridículo. Mas o que fazer?
A única saída decente seria renunciar. Mas, ao contrário,
decidiram ficar e convencer os críticos de que estão cegos por causa de sua
ideologia de direita, conservadora e elitista.
Isso radicaliza a tática de Paulo Maluf, que insiste em
dizer que não tem conta na Suíça, que o dinheiro e a assinatura não são dele.
Maluf apenas nega o que estamos vendo. O PT nos garante que há algo de errado
com nossos olhos.
Pessoalmente, na cadeia e no Congresso, fui treinado a
discordar, mas conviver com as pessoas, apesar de seus crimes. Nem todos os
brasileiros pensam assim, na rua. Não é possível irritar as pessoas ao extremo
e, quando reagem, classificá-las de intolerantes.
O momento é uma encruzilhada entre a ira popular e a
enrolação institucional. Com todos os seus condenáveis excessos, a raiva nas
ruas é que tem mais potencial transformador.
A esquerda sempre soube disso. Agora, com o traseiro na
reta, o PT descobre o amor.
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