Em 1946, Moacir Andrade começou a trabalhar durante o dia como
auxiliar de escritório da firma comercial Ciex S.A., de Isaac Benzecry, que se
tornou seu grande amigo e um dos principais incentivadores para que o artista
se dedicasse ao paisagismo amazônico, e na parte da noite, dava expediente como
revisor do Jornal do Commercio.
Durante uma reunião informal de jornalistas, no Café do
Pina, na Praça da Polícia, ele conhece Aristóphano Antony, proprietário do
vespertino “A Tarde”. A conversa entre os dois sobre cultura, antropologia e
folclore amazônico rendeu a Moacir um convite para colaborar no vespertino.
Seus primeiros textos, indicando uma futura carreira de
escritor, historiador e poeta, são publicados em “A Tarde”. Foi também no Café
do Pina que Moacir conheceu o lendário jornalista Ubiratan de Lemos, um dos
mais talentosos repórteres da revista O Cruzeiro, pertencente ao empresário e
jornalista Assis Chateaubriand.
Em 1948, Moacir foi contratado como desenhista de construção
civil da empresa Mário Novelli, que construiu o Sanatório Adriano Jorge, no
bairro da Cachoeirinha. No mesmo ano, a convite do jornalista Assis
Chateaubriand, realiza sua primeira exposição no Rio de Janeiro, no salão de
eventos do charmoso Hotel Glória, onde conhece os grandes intelectuais da então
capital da República: Austregésilo de Ataíde, Carlos Drummond de Andrade,
Manuel Bandeira, Rubem Braga, Vinícius de Moraes, Pascoal Carlos Magno, Raquel
de Queiroz, Clarice Lispector, Guilherme de Almeida, Dinah Silveira de Queiroz,
Antônio Olinto, David Nasser, Graciliano Ramos e Leandro Tocantins, entre
outros.
O jornalista e escritor Graciliano Ramos é um dos mais
empolgados com a exposição e publica o seguinte texto no jornal carioca Correio
da Manhã:
Moacir Andrade,
pintor, historiador, poeta, investigador, desenhista, é homem de mil atividades
culturais, ressaltando-se, e com justa razão, a de pintor, na qual sua
contribuição às artes do Brasil é incalculável. A vocação de artista plástico
veio-lhe muito cedo, quando ainda era uma criança de apenas seis anos. Aos
quatorze anos já demonstrava o seu poder inato de um futuro artista. Mais tarde,
muito mais tarde, nos idos de 1941, o pintor já mostrava para os céus as suas
poderosas asas de pássaro de grande voos. Caracterizou-o, entretanto, um
acendrado amor pela sua terra, pela sua gente e se existe obra que possa ser
chamada de brasileira é a dele.
Moacir Andrade não tem
somente o amor pelo Brasil, tem também o orgulho e, na defesa de seu
nacionalismo, empenha-se em polêmicas que se tornaram famosas. Se seus assuntos
são o homem e a terra do Brasil, apanhados do Norte a Sul, a forma com que os
explora é também brasileira, pela sintaxe das cores que emprega em seus quadros
e pelos modismos que introduz nos pequenos retângulos de sua obras, pois foram
seus quadros que lhe deram nomeada nacional e foram, inclusive, mostrados nos
salões oficiais deste Brasil. O Brasil do campo, o Brasil dos beiradões dos
rios amazônicos e dos pequenos povoados estão presentes em sua obra luminosa,
assim como o homem da sociedade, o homem da rua e o caboclo dos igarapés.
Moacir Andrade, como
um ambicioso esteta, abarcou em suas telas os aspectos mais variados da nossa
sensibilidade e da nossa formação, constituindo sua obra um painel a que nada
falta, inclusive o caboclo aculturado que nela tem participação considerável. Moacir
Andrade, como expoente máximo da arte brasileira, manifesta-se como um anjo do
bem e do mal diluído em cores. Moacir Andrade é o expoente robusto da
caboclitude, da expressão estética da nossa inteligência. Nenhum outro pintor
tem em mais alto grau a alma brasileira materializada em quadros. Houve e há
quem lhe aponte no estilo algo de pomposo e de declamatório com a sua paixão
pela natureza, de que sempre se utiliza em suas características e imagens.
Moacir Andrade foi o
primeiro artista brasileiro a usar suas tintas à base de seiva de plantas,
obtendo, com isso, um resultado surrealista e abstrato. Ele é um virtuoso da
paleta, cujos valores consegue explorar na direção que pretende, seja
reproduzindo o clima variado da sua região, seja usando o diapasão mater, seja
ostentando numerosas outras direções estéticas simbolistas modernas na sua
maneira livre de criatividade, em sua composição medida, versátil e hábil,
todas essas diretrizes que se observam em sua obra. Hoje, com apenas vinte e um
anos, desfrutando os mais altos degraus da fama, Moacir Andrade certamente
desfrutará, ainda neste século, o que nenhum artista nacional ou estrangeiro
desfrutará nas enciclopédias. Recebe, pois, o meu abraço, Moacir Andrade.
Em 1950, Moacir Andrade se junta ao engenheiro José
Florêncio da Cunha Batista e dá início a um escritório de desenhos técnicos e
projetos de construção civil, localizado na Rua da Instalação nº 109, onde
trabalharia por 20 anos. Simultaneamente, Moacir fez vários concursos para
professor conquistando sempre os primeiros lugares. Por conta disso, exerceu o
cargo de professor de desenho e educação artística na Escola Normal São
Francisco de Assis, do saudoso professor Fueth Paulo Mourão, na Escola Normal
Benjamin Constant, no Colégio Estadual do Amazonas, na Escola Técnica Federal
do Amazonas, no Colégio Militar de Manaus e na Universidade do Amazonas. Moacir
também fez um concurso para Cartógrafo do Ministério da Aeronáutica, obtendo a
maior nota da região norte do país.
– Nos meus quadros, eu trabalho com o telurismo, com o
regional, com as coisas autóctones, com todo o mistério que caracteriza a
Amazônia – diz ele. – Mas não sou um pintor, sou antes de tudo um professor.
Ser professor, para mim, é um estado de espírito e de bem-estar social. Pintar,
fazer poesias e escrever ensaios antropológicos e memorialísticos foi apenas um
desdobramento natural do fato de eu ser professor.
No dia 9 de maio de 1953, Moacir Andrade se casou com a
senhora Graciema Britto de Andrade, com quem teve cinco filhos: Gracimoema,
Lúcia Regina, Graciema, Maria do Carmo e Moacir Junior. O casal também adotou
uma nova filha, Raimunda Santos da Cruz.
No ano seguinte, em companhia de Jorge Tufic, Anthístenes
Pinto, Alencar e Silva, Saul Benchimol, Teodoro Botinelli, Farias de Carvalho,
Francisco Vasconcelos, Óscar Ramos, Luiz Bacellar e Afrânio de Castro, entre
outros, ele participa da fundação do Clube da Madrugada, sob o pé de uma
frondosa árvore localizada na Praça da Polícia Militar, que denominaram de
“Mulateiro” ou “Banco dos Patos”.
No mesmo ano, sob os auspícios da recém-fundada sociedade
cultural, realizou uma exposição de seus quadros nos salões do Ideal Clube,
ocasião em que recebeu grande consagração por parte do público que prestigiou o
evento, e iniciou sua carreira de escritor com a publicação do livro de poemas
“Lauréis”.
Em 1955, a pedido da União dos Estudantes Secundaristas do
Amazonas (UESA), Moacir Andrade inaugura um curso gratuito de desenho e
pintura, com ênfase no ensino de desenho geométrico plano, aberto a todo e
qualquer aluno filiado à entidade. No mesmo ano, expõe seus novos trabalhos no
hall da Biblioteca Pública, localizada na Rua Barroso, esquina com a Av. Sete
de Setembro. Em julho, a convite do jornalista Assis Chateaubriand, realiza uma
nova exposição no Rio de Janeiro, dessa vez na Galeria Bonino, em Copacabana.
O poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto registrou o
evento:
Gostei de ter
conhecido, conversado e ter convolado amizade com esse sertanejo nortista da
Amazônia, de ter observado com atenção, respeito e admiração, seus quadros
construídos com o material mais caro e mais raro nos nossos tempos atribulados
de hoje em dia: a imaginação criadora. Moacir Andrade não é igual à maioria de
seus colegas pintores que tenho conhecido através desse mundo de Deus, nas
minhas viagens como diplomata. Ele é autóctone, singular, único, solitário, no
seu mundo artístico das selvas selváticas. Ele não imita, não rouba as ideias
alheias. Ele arranca das regiões abissais de suas entranhas toda uma população
de fantasmas que habitam o seu mundo interior, agasalhados como tesouros
indevassáveis em sua alma de artista genial.
Sim, porque Moacir
Andrade é um gênio que materializa em cores, formas e conteúdos toda uma
multidão de seres mitológicos que habitam aquela região alagada por muitas
águas de que ele é feito. Descendente de nordestino – seu pai, Severino, filho
de portugueses, trocou o sertão seco, esturricado, faminto do nordeste, pelo
sertão úmido e afogado daquela incomensurável pátria das águas –, ele se
manifesta um telúrico, um amazônida impregnado de todas essas cicatrizes
ancestrais de portugueses e índios.
Moacir não pode
escapar de sua ancestralidade que manifesta não só em seus quadros monumentais,
mas na poesia, na maneira de falar, de se comunicar com as pessoas. Homem de
cultura superior e jornalista, poeta, conferencista, contador de histórias (o
seu humor é inimaginavelmente empático), tem o poder de logo conquistar as
pessoas. Basta saber dos convidados que afluíram à sua mostra na Galeria
Bonino, em Copacabana, patrocinada pelo patrono da comunicação que é o
jornalista Assis Chateaubriand onde compareceram artistas como Manoel Bandeira,
Ubiratan de Lemos, Marcos Acyoli, David Nasser, Pascoal Carlos Magno, José Lins
do Rego, Raquel de Queiroz, Áureo Melo, Rodrigo de Melo Franco de Andrade,
Paulina Kaez, além de dezenas de convidados, todos seus amigos e admiradores.
Seus quadros, depois dessa mostra, deverão viajar para a Europa onde,
certamente, receberão a consagração que bem merecem.
Moacir Andrade ainda faria mais duas exposições, em Manaus,
antes de sair para conquistar o resto do Brasil e, de lá, conquistar o mundo:
em 1957, nos salões do Ideal Clube, e em 1958, novamente no hall da Biblioteca
Pública.
Em 1958, patrocinado pelo empresário Adalberto Vale, Moacir
Andrade viaja para Brasília (DF) e mostra seu trabalho nos salões do Brasília
Palace Hotel. Entre os ilustres convidados que prestigiaram a exposição estava
o presidente Juscelino Kubitschek.
– Belíssimos quadros. O Amazonas é grande até nos seus
artistas! – declarou JK.
Foi o primeiro elogio público recebido por Moacir Andrade de
uma alta autoridade federal. Talvez por conta desse “empurrãozinho”
presidencial, ele vendeu todos os quadros que expunha no mesmo dia.
Ainda patrocinado pelo empresário Adalberto Vale, Moacir
Andrade realiza uma nova exposição no Museu de Arte de São Paulo, o famoso
MASP, encantando a Pauliceia Desvairada.
– Esse artista amazonense conseguiu atingir a plenitude de
uma obra pictórica – assegurou Pietro Maria Bardi, presidente do museu. – Seus
quadros são de um colorido equilibrado e bem distribuído. Parabéns ao Dr.
Adalberto Vale por ter trazido ao Museu de Arte de São Paulo um artista do
quilate de Moacir Andrade.
– A pintura do artista Moacir Andrade tem a marca forte e
segura do mestre maduro que já traçou o seu caminho na difícil saga da
criatividade – observou o importante crítico Sérgio Milliet. – Ele sabe aplicar
com maestria as tonalidades do verde, do azul e do amarelo, da mesma maneira
como dispõe as figuras no formidável cenário amazônico, manifestado em cada
quadro que compõe a sua magnífica obra, toda ela uma sinfonia de amor e
sentimento. Há equilíbrio, harmonia, muita beleza que despertam empatia e muita
emoção estética no conjunto, assim como uma grande sensação de movimento e
dinamismo em todos os componentes do quadro. Parabenizo o meu velho amigo
Pietro Maria Bardi pela oportunidade de mostrar, ao público de São Paulo, este
singular artista amazonense e sua excelente obra.
No final de 1959, Moacir Andrade mostra seus novos trabalhos
na Galeria Montmarte-Jorge, em Copacabana, no Rio de Janeiro.
– Quando Ubiratam me disse que Moacir Andrade era um gênio,
não duvidei, mas agora vi que seus quadros são realmente lindos – suspirou a
cantora Dolores Duran. – Parabéns!
O ensaísta e jornalista Otto Maria Carpeaux escreveu um
pequeno texto para o jornal Correio da Manhã, dando conta da impressão positiva
que aquelas obras haviam produzido no seu espírito:
Numa casa à beira de
um barranco, deitado sobre o rio Solimões, um menino loiro, magro, olhos
rasgados em forma de amêndoas, olhava os imensos cardumes de botos cinzentos
que boiavam de instante em instante à superfície das águas barrentas como se
dançassem um ritmo qualquer de balé. Talvez, naquele instante de silêncio e
observação, um mundo de personagens mitológicos estivesse alicerçando um
edifício estético na mente daquela criança magra, que se comprazia em riscar a
superfície das praias brancas, que afloravam do rio na baixada de suas águas.
Como um Anchieta
caboclo, o menino desenhava horas e horas sobre a areia, um poema mitológico,
talvez uma mensagem ancestral psicografada pelo inconsciente, de datas sem
cronologia. Ouvia estórias de velhos índios aculturados, seus parentes recuados
que lhe transmitiam uma mensagem tão antiga como sua origem. Cada palavra que
ouvia registrava em seu subconsciente como uma gravação em fogo. Aquilo era uma
linguagem mágica para os ouvidos do pequeno caboclo que dormia e sonhava com
mundos inconscientes, imagens fantásticas e indefinidas.
Esse menino, que
cresceu alimentado pelas águas e as lendas da grande calha amazônica, jamais
pensou que hoje, 33 anos depois, viesse situar-se entre os melhores pintores do
Brasil. Seu nome? Moacir Andrade.
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