Em 1960, Moacir Andrade participa do Concurso Probel de
Pinturas, no Museu da Arte Moderna (MAM), em São Paulo, e do 1º Salão de Arte
Moderna de Manaus. Na sequência, realiza mais duas exposições individuais, uma
no hall da Biblioteca Pública, e outra na Escola Técnica Federal de Manaus.
No ano seguinte, Moacir Andrade mostra seu trabalho para os
gaúchos, por meio de uma mostra individual na Galeria Casa das Molduras, em
Porto Alegre (RS), depois participa do 1º Salão de Artes Plásticas da
Universidade Federal do Pará, em Belém (PA), e faz uma nova mostra individual
no Rio de Janeiro.
O poeta e compositor Vinícius de Moraes, que marcou presença
no evento, publicou suas impressões no jornal O Globo:
Por ser um dos grandes
pintores vivos e ter alcançado a glória que apenas alguns artistas só
conseguiram após a sua morte, Moacir Andrade não toma conhecimento de sua
importância no cenário nacional. Frequentando os bares da cidade em companhia
de intelectuais e artistas seus amigos, onde oferece à mesa posta toda a ternura
de seu humanismo, escrevendo poemas e rascunhos para futuros quadros, Moacir
Andrade se confunde com a simplicidade da gente de Manaus onde nasceu e vive
até hoje. Moacir Andrade é desses gênios perdidos e raros como o cometa de
Halley, que aparece de tempos em tempos, marcando indelével e universalmente a
sua presença luminosa.
Sua obra cheia de
grandeza, hipnotismo estético e muita poesia, desperta, cria, sacode,
revoluciona, enlouquece, prende e emociona até a estesia. De uma beleza
incomparável e uma harmonia e equilíbrio que alcança o mais profundo da
sensibilidade, gera a verdadeira empatia e prende o observador provocando
ternura, quase paixão pela sua obra.
Seus peixes, suas
iaras, suas boiúnas, seus espíritos do fundo, seus caboclos remadores, seus
pescadores, suas lavadeiras, são cheios de magia e mistério que se misturam e
se galvanizam numa alquimia de cores, de formas e de movimentos, resultando daí
um verdadeiro universo de poesia, ambas pertencendo a um só binômio, cuja
dimensão se confunde com o horizonte da palavra e do sonho, poderosos
instrumentos de comunicação e de amor, recriados cada vez que o artista se
propõe a viajar o espaço infinito de sua privilegiada imaginação com toda a
carga da sua grandeza espiritual, penetrando o interior do seu universo
fabuloso e realizando a sua obra maravilhosa.
Em uma das viagens que fez ao Rio de Janeiro, Moacir Andrade
conheceu o jornalista, escritor e diplomata Leandro Tocantins. Nascido em Rio
Branco, no então Território Federal do Acre, Leandro Tocantins realizou os
estudos elementares na cidade natal e depois se mudou para o Rio de Janeiro,
onde se formou em Direito, ingressou no Itamarati e, depois, se transformou em
um dos maiores amazonólogos do Brasil. Os dois se tornaram amigos íntimos.
Autor do seminal livro “O Rio comanda a vida”, Leandro
Tocantins convidou Moacir Andrade para ser uma espécie de “embaixador cultural
itinerante” do país, proferindo palestras e mostras individuais custeadas pelas
embaixadas brasileiras.
Na exposição de motivos que enviou ao Ministério de Relações
Exteriores, o escritor acreano anotou o seguinte:
Esse gigante de quase
dois metros de altura, forte, agitado, falador, brincalhão, gozador, irreverente,
é, no entanto, um dos mais importantes artistas plásticos do Brasil. Espírito
dinâmico e criativo, vive inventando coisas e promovendo movimentos em favor da
preservação do meio ambiente. Ele foi o primeiro brasileiro a levantar a
opinião pública contra os devastadores das nossas florestas, desfilando como
homem sanduíche pelas principais ruas da capital amazonense, verberando contra
os predadores da natureza. Isso aconteceu em 1942, em plena ditadura do
presidente Getúlio Vargas. Por isso, quase foi expulso do Liceu Industrial de
Manaus, onde estava estudando como aluno interno.
Escritor, antropólogo,
jornalista, pesquisador de nossas origens, trabalhador incansável em defesa das
crianças abandonadas, Moacir Andrade tornou-se uma lenda na consciência do povo
amazonense. Não conheço ninguém que tenha produzido livros e obras de arte das
mais variadas, e nem sei de um artista tão profundamente dedicado às coisas
mais fundamentais da Amazônia brasileira. Seus livros, não menos importante na
sua obra polimorfa, são disputados pelas universidades e colégios secundários,
que leem e se abeberam de seu conteúdo indispensável. Como pintor, Moacir
Andrade, em suas primeiras manifestações acontecidas na década de 1930, deu-nos
uma mostra evidente de beleza e esplendor de sua alma generosa.
Seus traços, já cheios
de uma grandeza à flor da pele, falam a todas as consciências das raças. Aquela
nostalgia, sempre corrigida por uma constante exaltação às mais belas formas
daquela natureza selvática e misteriosa, é um dos traços da inteligência e da
sensibilidade desse artista que já nasceu pronto. Seu processo criativo
impressiona pela singularidade e limpidez de estilo. Criar termos elogiosos à
obra desse gênio não são suficientes para traduzir toda a grandeza de que a
natureza o dotou. Outros, com mais autoridade e notoriedade, certamente falaram
de Moacir Andrade, da sua majestade, da emoção de sua eloquência no trato com
as cores, das suas virtudes públicas e privadas e das suas glórias conquistadas
nos salões das exposições, na literatura e na imprensa.
Estudando o evangelista
da sensibilidade e o apostolado do artista, há de confundir-se com a história
da República, desde quando ela era apenas uma fórmula lógica da liberdade. Como
jornalista, Moacir Andrade não foi menor do que nenhum dos colegas que
exercitam sua profissão nos jornais de Manaus. Na sua simplicidade de caboclo
interiorano, jamais saiu de sua boca uma palavra sequer de elogio próprio ou de
sua obra. Escreveu em todos os jornais de Manaus, ao tempo de sua juventude,
sendo amplamente lido não só pela sociedade dita letrada, mas pelo
proletariado, a quem diz pertencer.
Como todos os
verdadeiros gênios, Moacir Andrade trouxe do berço a sua lira fecunda, o seu
instrumento maior de criatividade. O tempo não lhe dará senão maior intensidade
à emotividade criadora, alargando-lhe a visão interior que produz a ideação das
imagens. As suas obras são assim, perfeitas, até à magia do êxtase. Seus
quadros são tão perfeitos na linguagem contemporânea que chegam ao absurdo
estético. Não há neles nenhum deslize cromático outonal, uma só ofensa às leis
do bom gosto. Talhados numa linguagem pura, divina, macia, cantante, vaporosa e
verde, de um verde extremamente verde, eles tudo exprimem e retratam
magnificamente o universo residente no cerne de seu subconsciente miraculoso,
seguindo, com admirável plasticidade e nudez, as curvas caprichosas da
inspiração.
Moacir Andrade quer
descrever a natureza agreste, brutal, convulsiva, na sua agressividade selvagem
dessa cordilheira de pilosidade íngreme e inabitável, como se fossem joias
impalpáveis que enfeixadas em livros dariam uma enciclopédia. Moacir Andrade,
nome hoje inserido no pódio dos campeões da cultura nacional, é um nome de
importância na história moderna da cultura surgida a partir da década de 50,
com o aparecimento do chamado Movimento Madrugada que deu aos amazonenses e ao
Brasil muitos nomes hoje consagrados.
Em 1964, Moacir viajou para o Rio de Janeiro onde cursou
museologia na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e pós-graduação em Matemática na mesma universidade. No mesmo ano, realizou
exposições individuais na Galeria do Hotel Nacional, em Brasília (DF), na
Galeria Belvedere de Sá, em Salvador (BA), e participou da 2ª Feira de Artes
Plásticas de Manaus.
No ano seguinte, ele realizou sua primeira exposição
individual em Recife (PE). O antropólogo Gilberto Freyre ficou tão empolgado
com a exposição que publicou um pequeno texto no Diário de Pernambuco
intitulado “Moacir Andrade, pintor do trópico anfíbio”:
Não há escritor que
não se ufane de ter, alguma vez, ou mais de uma vez, criado novas expressões
para a caracterização da velha realidade. Confesso esta minha vaidade para
dizer que uma dessas criações é “trópico anfíbio”.
Com a expressão
“trópico anfíbio”, procuro caracterizar principalmente a Amazônia brasileira,
sem dúvida, a mais grandiosa expressão dessa espécie do trópico. Espécie de
trópico que teve em Euclydes da Cunha o seu apologista máximo em língua
literária. São páginas, as suas, sobre a Amazônia, que rivalizam com as que o
imortalizaram como intérprete de paisagem e gentes dos sertões.
Pois é esse o trópico
a que venho chamando de anfíbio – e do qual a Amazônia brasileira é tão
vigorosa expressão – que encontrou em Moacir Andrade quem, como pintor, lhe
interpretasse alguns dos significativos encantos de forma e de cor.
Interpretação que continua a processar-se, pois a identificação de Moacir
Andrade com a sua e nossa Amazônia é das que vão além de tempos cronológicos:
necessita de ir a todos os extremos daquilo que os especialistas em classificar
tempos chamam “duração”. Não representa uma fase na sua arte, mas a realização
contínua de uma vocação quase religiosa.
É como se Moacir
tivesse nascido brasileiro e se tornado pintor para cumprir um voto: o de
interpretar a Amazônia brasileira como a expressão do trópico anfíbio, como
terra, como mata, como verde, como céu, como azul e também como água. Água que
vive a confundir-se com a terra.
Um pintor assim de sua
região é um pintor como que monogâmico. Fiel a um imenso e exclusivo amor
amazônico. Teluricamente amazônico. Brasileiramente amazônico.
De modo que à proporção
que a Amazônia se torna, como está se tornando, mais brasileira, Moacir é parte
desse processo para o qual vem concorrendo, pois não é só através da ciência,
da engenharia, da economia, da política, que se nacionaliza em profundidade uma
região ou uma área: também através da arte.
Em 1966, Moacir Andrade ingressou na Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal do Amazonas – onde concluiu o curso de
Administração de Empresas em 1970 – e realizou sua primeira exposição
individual em Fortaleza (CE). Ele também foi o convidado especial de uma Feira
de Cultura Amazônica, em Belém (PA), pela celebração do 350º aniversário da
cidade.
Por ocasião do evento, o escritor João Guimarães Rosa
escreveu um texto intitulado “Ciclopicamente Moacir”, em que analisa o trabalho
do artista plástico:
Moacir Andrade
apropriou-se sem piedade de todos os personagens vivos e espirituais que
habitam a portentosa Amazônia de muitos mistérios, muitos fantasmas, muitos
seres ciclópicos, entes que pululam no vasto cenário verde, que desde o seu
nascimento, em 1927, hipnotizaram-no a ponto de pô-lo fora da órbita terrestre.
Moacir Andrade não habita entre nós, posto que é um espírito encarnado em mil
formas de vida e de ternura, que ele sabe transferir através das cores que,
guiado pelos gnomos e devos, seus irmãos, sabe como um gênio que é
materializar-se em suas joias que espalha como um ciclope benfazejo em todas as
partes do mundo.
Moacir Andrade
exorciza, com seu bisturi estético, todo o encanto, todo o cerne divinal que
ainda permanece escondido nas profundezas ancestrais da etnia amazônica e
esculpe em cores e forma esse panorama feito com todos os retalhos de sua
pesquisa incansável. A inconsutibilidade de seus gestos singulares o fizeram
esculpir do nada as obras que certamente ficarão eternas, como eterno ficará o
seu nome e a beleza de sua personalidade marcante.
Moacir Andrade
submete, em disciplinados espaços de arte, galos de tapeçarias, cintilações de
mosaicos e magia de presépios, os paroxismos de seu diluviano zoorama, feérico
de fauna, peixes leviatãs, dragões, harpias, perlados de fria espuma e de
recordações oníricas, a luz de um amarelo a um tempo telúrico e transcendente,
apanha assim em terna ronda a vida do grande rio e grava nos olhos de xerimbabos
abissais a desmesurada selva, a cósmica, calada essência da Amazônia.
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