Kátia Flávia
Pena que a autora do comentário enviado à coluna às 12h28
deste domingo tenha optado pelo anonimato. Gostaria de saber quem escreveu o
texto que, pela limpidez da forma e pela lucidez do conteúdo, merece ser
reproduzido na seção Opinião. As observações sobre Fernando Gabeira feitas por
Flavia, prenome extraído do email, compõem um elegante e inteligente
contraponto ao artigo do Oliver publicado logo abaixo. Vale a pena ler os dois,
amigos. (AN)
Parece que algumas pessoas ainda desconfiam da sinceridade e
visão da política do Gabeira. Eu gostava dele enquanto ele lutava contra a
ditadura militar, me perdi dele durante o exílio e achei o máximo quando ele
ressurgiu no Rio de tanga roxa. Como dizia o Paulo Francis, pior que patrulha
de ex-fumante é patrulha de ex-comunista. Acho que ele dizia ex-trotskista, mas
dá no mesmo.
É preciso ter feito parte dos partidos clandestinos, é
preciso ter ouvido as infindáveis discussões entre maoístas, trotskistas, e
outros istas, é preciso ter ficado sem respostas ao fazer uma pergunta
inteligente prá saber como funciona o PT, o Foro de SP, a cabeça da Marina e
outras coisitas mais.
Lá nos meus 15 anos, durante uma daquelas intermináveis
reuniões de centro acadêmico, eu disse e perguntei: Gente, eu acho que
conquistar o poder é fácil. O que eu quero saber é o que vamos fazer depois. E
me responderam: Você quer saber demais. Faça o que for decidido aqui e pare de
querer saber demais. Ali eu vi que não tinha jeito. Nunca votei em comunista,
porque é uma contradição.
Eu sonhava subir a rampa do Planalto num tanque de guerra, e
quem viesse atrás saberia o que estava apoiando. A esquerda chegou ao poder via
Gramsci, via engodo, mentira, distorção da realidade. Gabeira sabe disso. Ele
também sabe, talvez mais do que alguns que ficam invocando seu passado de
torturas, que quanto mais a pessoa se comprometia, menos chances tinha de
voltar atrás, pensar, mudar de ideias.
Quando veio a Anistia, eu estava empolgadíssima, lendo e
ouvindo todas as entrevistas dos nossos valentes que voltavam lá de mundos mais
avançados e — principalmente — mais bem informados. Achava que estavam voltando
cheios de novas propostas e soluções. Ledo engano! Voltaram todos iguais, como
se tivessem passados o exílio em estado de vida suspensa, congelados e duros.
O único que voltou diferente foi o Gabeira. E voltou falando
em ecologia, em verde, em temas que, não por acaso, são caros à esquerda alemã
e europeia. Ele continuava na vanguarda, mas com um discurso melhor. É surreal,
nós continuamos tentando ser de esquerda e somos taxados de coxinhas
neoliberais! Bom, todos esses rótulos que se danem! Nós continuamos tentando ir
prá frente e o PT é o atraso.
Isso desqualifica a análise que o Gabeira faz do PT? Acho
que não. Ele conhece os companheiros. Sabe como são atrasados e tacanhas. Sabe
como eles pensam. Eu tenho uma mágoa muito grande de ver a palavra democracia
enxovalhada na boca do PT. Eu e o Gabeira estávamos lutando pelo fim da
ditadura militar, mas não pensávamos o futuro como uma democracia, sinto muito.
O importante é que nós MUDAMOS. A nossa cabeça mudou. É isso
que faz do ser humano uma criatura especial. Nós podemos aprender.
Hoje, nós sabemos que o PT nunca lutou nem luta pelos
direitos de ninguém. Hoje está claro, até para os mais idealistas, que a
esquerda só tinha um plano de PODER, conforme eu descobri em 1968. Chegaram lá
e o futuro acabou. Ficaram desnorteados, nunca se deram conta que agora podiam
pegar a caneta e fazer a reforma agrária. Em vez disso, criaram o MST, prá
ficar em só um exemplo.
Enfim, viva o Gabeira.
Eu confio nele, porque nós temos a frustração de nunca ter
realizado o nosso sonho de melhorar o Brasil. Ficamos votando no menos pior.
Lutamos contra a ditadura militar e agora nem temos como
lutar claramente contra uma ditadura fantasma, que se faz de democracia. Nos
sentimos meio loucos de dor, desesperados como aqueles que eram declarados
loucos e despachados para hospícios siberianos.
Talvez um dia a gente chegue ao fundo do poço e comece a
voltar à boa luta. Talvez ainda nos reste um tempo para ver a maré mudar. Mas
são anos e anos, gerações de completo desperdício.
O que foi isso, companheiro?
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