Luiz Fernando Verissimo
Além dos sinais externos que nos denunciam – cabelos
brancos, cabelo nenhum, rugas, barrigas, essas indignidades – as gerações se reconhecem
pelos jogadores de futebol que têm na memória. Diga o nome “Gerson” em qualquer
roda e todos se lembrarão do Gerson de 70, que mesmo quem não viu jogar conhece
de retrospectiva. Mas é possível que alguém na roda, à beira da senilidade,
diga “Gerson, claro, beque. Gerson e Santos, Botafogo, 48”, para a perplexidade
geral. Beque? Santos? 48?
Beque, crianças, era zagueiro. Santos era o Nilton Santos,
antes que outro Santos na seleção, o Djalma, obrigasse todo mundo a usar o
primeiro nome dos dois. E 48 foi um ano que existiu mesmo, entre 47 e 49,
embora hoje seja difícil de acreditar. Para quem ficou com o outro Gerson, o
beque, na memória, Ademir não era o da Guia, filho do Domingos. Era o Ademir
Menezes, o Queixada, o do rush famoso. (Rush: escapada em direção ao gol, você
não entende português?)
Se a tal roda hipotética fosse um velório e “Leônidas”
fosse citado, alguém se lembraria do zagueiro com esse nome em 50, por aí, mas
o morto talvez se lembrasse do centroavante, o “Diamante Negro”, supostamente o
inventor da bicicleta. Nunca mais houve um bom Leônidas no futebol brasileiro.
Isso tudo era no tempo em que ninguém se chamava Donizeti.
Me lembrei do Gerson porque quando vi o Botafogo jogar pela
primeira vez, naquele improvável 48, o seu “trio final” era Oswaldo (o Baliza),
Gerson e Santos. Comecei a torcer pelo Botafogo por causa do Internacional,
quando eles compraram o Ávila, grande centromédio, depois substituído pelo
Ruarinho, também do Inter.
Peguei a fase lendária, de Garrincha, Quarentinha etc., no
Maracanã. Mas mesmo naqueles tempos de glória, muitas vezes, você era obrigado
a amar o Botafogo apesar do Botafogo. Paulo Mendes Campos (outro craque do
passado) escreveu que o Botafogo tem um coração amador. E que é capaz de sair
de derrotas feias mais orgulhoso mais Botafogo do que se houvesse vencido.
É isso, é isso, aquela estrela no peito é uma predestinação,
símbolo ao mesmo tempo de fulgor e solidão. Mas são tristes os tempos em que o
que resta para o Botafogo é a literatura.
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