Em 2006, Moacir lança o livro de crônicas “Acontecimentos de
um Amazonas de Ontem”, que se assemelha a um velho baú de histórias secretas
que dormitavam no fundo de sua memória prodigiosa. Estão lá os portugueses que
viviam nas grandes hortas da Praça 14, as “carreiras” que eram instaladas nos
igarapés de Educandos, Cachoeirinha, Mestre Chico e na baía do rio Negro, onde
ele e outros moleques iam apanhar arrebites para servirem de munição para as
baladeiras com as quais caçavam passarinhos pelas matas vizinhas.
Estão lá os bondes ingleses desfilando à noite sobre trilhos
de aço, transportando as madames e cavalheiros bem vestidos de gravata e
paletó, desfilando elegância e perfume. Estão lá os cobradores educados que
antes de cobrar as passagens diziam “Faz favor?”. Estão lá os padeiros,
sorveteiros, puxa-puxeiros, vendedores de pirulitos, vendedores de cascalho,
garapeiros, vendedores de garrafa e, principalmente, os vendedores de gelo que
davam carona em sua carroça em troca da entrega do produto. Trata-se de um
autêntico mergulho na nostálgica Manaus dos anos 20.
No mesmo ano, a convite do governo japonês, ele passa um mês
peregrinando pelo interior do Japão, observando a cultura local, expondo seus
quadros e fazendo palestras sobre a Amazônia.
Em 2007, expõe seus desenhos “Barcos da Amazônia” na Galeria
do Palácio da Justiça, sob o patrocínio do Ministério da Marinha – 9º Distrito
Naval, sediado em Manaus.
Em 2008, Moacir lança o livro de memórias “Vida e Pintura”,
sob o patrocínio do Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos, e recebe a
comenda de “Honra ao Mérito” da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas,
pelo trabalho desenvolvido em prol da cultura regional.
O livro “Vida e Pintura” inclui um texto do poeta Thiago de
Mello intitulado “O verde coração de Moacir”:
Antes de mais nada,
quero distinguir, comovido, neste momento em que celebramos, de mãos dadas a
ele, os quarenta e cinco anos de permanente atividade criadora de Moacir
Andrade, a inquebrantável coerência com a sua vocação artística, nele
permanentemente vinculada ao compromisso com a vida do homem do nosso Amazonas.
O primeiro e principal
compromisso de um artista é com a própria arte. Mas Moacir tratou sempre de
colocar o seu talento a serviço da descoberta, interpretação transfigurada e
cântico colorido da mágica realidade da nossa floresta e do homem seu
habitante.
No trabalho criador de
Moacir não há contradição entre o artista e o homem. Afinal é o próprio ato de
existir que permite e ampara a criação artística. Para Moacir, que reúne em sua
alma generosa as melhores virtudes do caboclo, há uma constante inquietação – o
seu fascínio, seu deslumbramento é o Amazonas: raiz, seiva e sortilégio de sua
vida e de sua arte.
Tão poderoso é esse
fascínio, que a sua realização criadora não se limita à pintura, arte que o fez
famoso e respeitado dentro e fora de sua pátria.
Além da cor, da forma,
da linha e da luz, Moacir Andrade se vale também da palavra, como matéria-prima
de expressão artística (ele é autor de vários livros de matéria antropológica,
hoje indispensáveis ao conhecimento da vida e da alma que habita e convive com
a floresta e a água), para a divulgação e valorização da riqueza da cultura
amazônica. Por onde Moacir anda, pelos tantos países onde se promovem
exposições de sua pintura, o Amazonas vai com ele: na sua figura de criança
grandona, na sua sabedoria, no encantamento dos seus quadros.
O coração de Moacir
Andrade não é vermelho. No seu sangue lateja a força torrencial das nossas
águas barrentas e a das antemanhãs de esmeraldas dos grandes lagos, ardem as
cores do entardecer rubro do rio Negro, palpita o silêncio esplendor das nuvens
alvíssimas e imóveis, esculturas barrocas soltas na vastidão do azul. Pelas
suas veias percorrem os brilhos de cobre e safira das águas do caudaloso rio e
a vibração ardente dos barrancos e dos telhados de palha ao sol do meio-dia.
O coração de Moacir é
sobretudo verde. Porque é banhado por todos os verdes, os verdes de todas as
cores, que os seus olhos de grande artista sabem ver a floresta que ele ama,
porque é ela quem lhe guia a mão abençoada de pintor.
Em 2009, recebe do Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas a comenda de “Honra ao Mérito” pelos serviços prestados à cultura
regional. No mesmo ano, recebe do Ministério da Educação a comenda de “Honra ao
Mérito Educativo” pelos serviços prestados à educação e cultura nacional e
divulgação do Brasil no exterior.
Em 2010, reedita seus livros “Manaus, Ruas, Fachadas e
Varandas” e “Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica”. O Ministério do Interior,
por meio da Suframa, lança a primeira biografia do artista em um livro
intitulado simplesmente “Moacir Andrade”.
Em 2011, recebe do Ministério de Relações Exteriores a
comenda de “Honra ao Mérito” pelos muitos serviços prestados ao Brasil nas
relações culturais no exterior.
Em 2013, a Federação das Indústrias do Estado do Amazonas
publica o livro “Moacir Andrade sob o olhar dos amigos”, uma robusta coletânea
de depoimentos sobre o artista. Entre os depoentes estão Álvaro Maia, Hemetério
Cabrinha, Ariano Suassuna, Jean Paul Sartre, João Cabral de Melo Neto, Jorge
Tufic, Rubem Braga, Manabu Mabe, Roger Bastide, Mário Lago, Raquel de Queiroz,
Márcio Souza, Samuel Benchimol e Sérgio Buarque de Hollanda.
Em 2015, Moacir Andrade coloca o ponto final em um novo
livro de crônicas intitulado “Acontecimentos de um Amazonas de Antes de Ontem”,
atualmente em fase de revisão.
Como aperitivo, segue abaixo uma das crônicas do novo livro
intitulada “As promoções do Clube da Madrugada”:
Corria o ano de 1950, éramos seis professores do Colégio
Estadual do Amazonas: Farias de Carvalho, Sebastião Norões, Moacir Andrade,
Francisco Batista, Cleômenes Chaves e Otávio Hamilton Mourão. Farias de
Carvalho lecionava Literatura Brasileira, Sebastião Norões lecionava História
do Brasil, Moacir Andrade dava aulas de Desenho e Matemática, Cleômenes Chaves
dava aulas de Matemática, Otávio Mourão, de Física.
Um dia, o Farias de Carvalho inventou de fazer um grupo para
levar às escolas públicas e privadas o conhecimento da poesia e, assim, todas
as sextas-feiras, esse grupo visitava uma ou duas escolas onde ministrávamos
palestras sobre os vários aspectos da literatura brasileira, principalmente
sobre poesia que era ministrada pelo Farias de Carvalho. Foram muitos os
colégios que receberam a nossa atenção com aulas de literatura brasileira,
entre eles o Colégio Santa Dorotéia, Nossa Senhora Auxiliadora, Dom Bosco,
Santa Terezinha, Brasileiro, Sólon de Lucena, Escola Técnica de Manaus e Escola
Normal do Amazonas (ou Instituto de Educação do Amazonas, como passou a ser
chamado). Foi realmente um ano profícuo. O Farias, com o seu poder de
criatividade, achou por bem também fazer palestras na Praça da Polícia para
aproveitar a presença da juventude que se aglomerava naquele local.
A partir daquela memorável tarde de maio de 1951, aquele
logradouro público passou a receber grupos de jovens com a finalidade de
discutir literatura, artes e música, tendo esta última matéria como principal
responsável o grande e inesquecível maestro Dirson Costa, professor da Escola
Técnica de Manaus, que levava o seu coral de alunos daquele estabelecimento de
ensino federal para cantar na praça.
Foi nesse tempo que vários jovens passaram a frequentar com
certa assiduidade aquele ponto da praça em frente ao edifício do quartel da
Polícia Militar do Amazonas, entre eles os seis primeiros citados e mais José
Pinheiro, Joaquim de Alencar e Silva e Messias Couto de Andrade. É possível que
esse grupo tenha recebido a influência da banda de música da Polícia Militar,
que todos os sábados à tarde se apresentava no coreto da praça até às 18 horas.
O certo é que três anos depois esse pequeno grupo já ampliado pela adesão de
novos intelectuais criou o Clube da Madrugada, cujo nome foi sugerido pelo
poeta Luiz Bacellar.
Muitos anos depois, o pintor Moacir Andrade, ouvindo os
pedidos de muita gente para criar uma escola de pintura na cidade, resolveu por
conta própria inaugurar um curso de desenho, pintura, escultura em barro e
música na Praça da Polícia, bem ao pé de uma enorme árvore que o povo denominou
de “mulateiro”. Ali, o pintor, juntamente com seu colega dileto e também pintor
Ademar Brito, o pintor e escultor Alberdan Lopes de Andrade e o maestro Dirson
Costa, inauguraram festivamente o referido curso no dia 2 de janeiro de 1975,
com as presenças do governador do Estado, prefeito municipal de Manaus,
comandante da Policia Militar do Amazonas e o presidente do Clube da Madrugada,
contista Aluizio Sampaio Barbosa.
Naquela manhã chuvosa de janeiro estiveram presente à
solenidade, além das autoridades e pessoas convidadas, centenas de populares
que deram ao evento um brilho singular. O curso era absolutamente gratuito e
destinado às pessoas de baixa renda.
O curso era assistido pelo comandante da Policia Militar que
permitia guardar em uma de suas salas todo o material didático usado pelo curso
como cavaletes, pincéis, barro, livros, etc. A Construtora Sociedade de Obras e
a Fábrica de Guaraná Magistral forneciam sanduíches e guaraná. Isso acontecia
todos os sábados a partir das oito horas da manhã até às 12 horas. O curso era
composto de 50 alunos de ambos os sexos que iam de 8 a 15 anos de idade. As
aulas se prolongavam de janeiro a dezembro de cada ano.
No fim de cada ano letivo, o aluno recebia um certificado
fornecido pela Secretaria de Educação do Amazonas numa solenidade em que
compareciam os familiares dos alunos, autoridades civis, militares,
eclesiásticas e muitos transeuntes. Na ocasião, discursavam o diretor do curso,
pintor Moacir Andrade, o Secretário de Educação, o governador do Estado e o
presidente do Clube da Madrugada, Aluizio Barbosa. É necessário registrar a
honrosa participação do coral do maestro Dirson Costa que cantava belíssimas
canções clássicas e populares para animar o evento.
O curso de desenho e pintura da Praça da Policia se
prolongou até 30 de dezembro de 1985, portanto, durante dez anos, ele iniciou
parte de nossa juventude na arte de Portinari. Nos finais do ano, o diretor da
escola promovia uma exposição de todos os trabalhos que os alunos faziam
durante o ano letivo. Os trabalhos eram expostos ali mesmo na praça, sobre os
canteiros, dando uma visão singular às pessoas que tinham a oportunidade de
visitá-la. Esses trabalhos ficavam à venda para o público.
Foi então que o diretor do curso, professo Moacir Andrade, e
o Secretário da Educação do Estado fizeram um convite formal às empresas
comerciais e industriais de Manaus no sentido de adquirirem as obras dos alunos
com o objetivo de ajudá-los pelo fato da maioria ser muito pobre. A sugestão
teve um êxito absoluto, tanto que houve aluno que vendeu todos os quadros,
rendendo uma boa importância para artistas em começo de carreira.
Depois do fim do curso na praça, o pintor Moacir Andrade,
juntamente com o presidente do Clube da Madrugada, começaram a promover aulas
de pintura aos sábados nos bairros da Cachoeirinha, Flores, Educandos, São
Raimundo e em vários bairros da periferia, aulas essas que duraram até outubro
de 1992.
No mesmo ano, o professor Moacir Andrade, o escritor Aluizio
Sampaio e o maestro Dirson Costa iniciaram em todos os colégios públicos de
Manaus a promoção de concursos de desenho, cujos prêmios eram ofertados por
empresários da Zona Franca de Manaus.
Muitos de nossos artistas foram revelados à sociedade a
partir dessas promoções e conseguiram desenvolver as suas capacidades para
serem hoje artistas reconhecidos. Um desses artistas, hoje residindo em São
Paulo, vendeu todos os quadros que pintou durante o ano a uma empresa hoteleira
para decorar um hotel de luxo recentemente inaugurado, amealhando R$ 36 mil,
com o qual comprou um automóvel.
Infelizmente, uma das alavancas dessas promoções, o escritor
Aluizio Sampaio Barbosa, adoeceu gravemente falecendo dois anos depois e assim
foi extinta essa nobre iniciativa do Clube da Madrugada.
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