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quarta-feira, dezembro 30, 2015

Os livros que muito poucos conseguem terminar


Miqui Otero, do El País

No último festival literário de Cheltenham, o romancista britânico Nick Hornby encorajava as pessoas a queimar em uma fogueira os livros complicados. A não insistir nesse romance que se instala na mesinha de cabeceira como um parasita porque seu leitor é incapaz de lê-lo, mas não quer admitir sua derrota. “Cada vez que continuamos lendo sem vontade reforçamos a ideia de que ler é uma obrigação e ver televisão é um prazer”, afirmava, em um elogio da leitura como atividade hedonista.

Depois que Hornby expressou essa posição, muitos fóruns discutiram quais títulos são os mais indigestos, em mais uma versão do eterno debate sobre se as pessoas leem obras complicadas para poder dizer que as leram, não pelo prazer de lê-las. Alguns levam essa ideia longe demais.

O romancista britânico Kingsley Amis disse em seus anos de maturidade que a partir de então, com pouco tempo de vida pela frente, só leria “romances que começam com a frase: ‘Escutou-se um disparo’”. Talvez o pai de Martin Amis tenha exagerado (as memórias de seu filho, nas quais tanto o ataca, têm quase 500 páginas), mas são muitos os que opinam que “a vida é muito curta para ler livros muito compridos”. Eis aqui uma lista de volumes que carregam o estigma (frequentemente injusto) de ser impossível terminar de ler.


1. O Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon

No episódio A Pequena Garota no “Big Ten”, da 13ª temporada de Os Simpsons, a pequena Lisa quer se fazer passar por estudante universitária. Em uma cena, bisbilhota o armário de uma estudante e descobre este grande romance. A conversa das duas é a seguinte: “Você está lendo O Arco-Íris da Gravidade?”, pergunta-lhe a pequena Simpson. “Bom, estou relendo”, responde a estudante. A brincadeira, e o fato de que apareça nessa série, resume até que ponto esse e outros romances do autor mais misterioso da literatura americana alcançaram o status de literatura ilegível. Não para todos, claro. É famoso o caso do professor George Lavine, que cancelou suas aulas para se recolher durante três longos meses de 1973 com o único objetivo de devorá-lo. Quando saiu de sua reclusão, afirmou que Pynchon era o melhor que havia acontecido para as letras americanas do século XX.

2. Crime e Castigo, de Fiodor Dostoievski

Não adianta muito que se possa ler como um thriller psicológico e torturado que não se resolve até o último parágrafo. Talvez por seu título, que alguns consideram aplicável ao que representa sua escritura e sua leitura, poucos se atrevem a criticar os delírios de Raskolnikov, ou os abandonam na sexta manifestação de tormento.

3. Guerra e Paz, de Leon Tolstói

Outro exemplo da literatura russa, que se costuma colocar neste tipo de lista com piadas como: “Lamentavelmente, não cheguei nem ao primeiro disparo da guerra”. Embora muitos o considerem uma leitura trepidante ambientada durante a invasão napoleônica da Mãe Rússia, eles prefeririam ver a versão cinematográfica. Carrega o estigma recorrente de que ler para os russos é complicado e mais cansativo que escalar algum pico dos Urais. Seu autor o escreveu convalescendo, depois de quebrar um braço ao cair de um cavalo. Alguns leitores declaram, neste tipo de debate, ter se sentido assim durante sua leitura.

4. Orgulho e Preconceito, de Jane Austen

Outro romance que esconde pistas em seu título. Alguns leitores terminam de lê-lo pelo primeiro elemento, por orgulho, enquanto outros nem se aproximam dele por causa do segundo, por puro preconceito. É um festival de murmúrios e vaivéns românticos, inclusive cômicos, mas o leitor contemporâneo frequentemente se cansa das tensões sexuais que celebra, entretanto, nas comédias da televisão. Esse leitor pouco paciente não é o único. O gênio Mark Twain chegou a declarar: “Cada vez que leio Orgulho e Preconceito, tenho vontade de desenterrar [a autora] e golpeá-la no crânio com sua própria tíbia”.

5. A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, de Laurence Sterne

Foi publicado por volumes durante oito anos. O autor morreu antes que se publicasse como romance; de fato, muitos especialistas consideram a obra inacabada depois de tantas páginas. O livro pretende ser a autobiografia do narrador, que se perde em digressões e rodeios infinitos e hilários, mas não adequados para todos os gostos. É uma peça fundamental da narrativa moderna e cômica, mas o fato de que o protagonista não nasça até o terceiro volume não ajuda muita gente a aguentar manter o livro nas mãos. Talvez prefiram a adaptação de Michael Winterbottom, embora seja uma adaptação pouco fiel, como não poderia deixar de ser.

6. A Divina Comédia, de Dante

O poema escrito por Dante Alighieri no século XIV pertence ao grupo dos que talvez enganem o leitor desprevenido pelo título. Crucial na superação do pensamento medieval e ácido como um limão nos olhos graças aos comentários sobre sua época, foi até adaptado em um monólogo por Richard Pryor. No entanto, muitos ficam na primeira parte (intitulada Inferno) ou não passam pela segunda, o Purgatório, e muito menos terminam a última, batizada de Paraíso.

 7. Moby Dick, de Herman Melville

Se o protagonista de outro relato deste autor, Bartleby, o Escrivão – esse advogado nova-iorquino entediado, entre outras coisas, com seu trabalho – diz aquilo de “Preferiria não fazer isso”, muitos leitores adotam essa frase quando encaram o romance definitivo de Melville. Não compartilham a obsessão cega do Capitão Ahab por caçar a baleia e se enjoam com a primeira tormenta em alto mar. Não estão sozinhos, apesar da legião de fãs que realmente vibram com o livro. Em uma recente reedição em castelhano desta obra, o autor do prólogo inclui uma saborosa curiosidade. O músico Moby (sim, aquele que faz canções que saem em oitenta anúncios) admite que, embora tenha adotado esse pseudônimo, jamais terminou de ler o romance porque lhe parece “muito longo”. Uma pista: esse músico calvo se chama, na verdade, Richard Melville. Seu tio-bisavô é o consagradíssimo autor.

8. Paradiso, de José Lezama Lima

As mais de 600 páginas desta espécie de romance de aprendizagem, exuberante em sua prosa como uma árvore repleta de frutos, são um inferno para muitos leitores. Muitos resolvem abordar a formação do poeta José Cemí aconselhados por Julio Cortázar, um autor fundamental para muitos adolescentes, do qual tentam devorar todas suas pistas, mas a linguagem personalíssima e o longo alcance afugentam uma altíssima porcentagem do público de um dos principais romances em castelhano do século XX. É mais curioso ainda quando se sabe que o autor é cubano, já que os cubanos geralmente são pouco dados a introspecções. Na narrativa latino-americana, apesar do recente culto global a Roberto Bolaño, também se costuma brincar com 2.666, do escritor chileno, que não alcança esse número de páginas, mas tem mais de mil.

 9. As Aventuras do Bom Soldado Svejk, de Jaroslav Hasek / Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes

O mesmo bufo de tédio e desinteresse nas salas de aula checas e espanholas. E o pior é que ambos são emitidos pela obrigação de ler dois dos romances mais divertidos e delirantes da história. Duas histórias pitorescas com dois anti-heróis absolutamente inesquecíveis que carregam o problema de ser o clássico mais aplaudido de ambos os países. Seu problema? Obrigar alunos imberbes com os feromônios disparados a mergulhar em suas numerosíssimas páginas para transformá-los em “um livro de La Mancha – ou de Praga – do qual não quero me lembrar”. No entanto, quando lidos mais tarde, são mais viciantes que um saquinho de pipocas ou que a série de TV com maior audiência.

10. Graça Infinita, de David Foster Wallace

É curioso que um romance que trata, entre outras coisas, do vício e do colapso da cultura do entretenimento desanime tantas pessoas. Suas mais de mil páginas – centenas delas são notas de rodapé – o convertem em um dos livros pós-modernos fundamentais na história da literatura, mas também fazem com que muitos acreditem que seu depressivo autor, que acabou se suicidando, tenha escrito, efetivamente, uma espécie de piada infinita sem graça. Os leitores atuais traçam uma linha no chão e formam dois grupos: aquele dos que amam o livro e aquele dos que o odeiam.

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