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quinta-feira, dezembro 24, 2015

A vida secreta de Virginia Woolf (25/JAN/1882 – 28/MAR/1941)


Poucos escritores foram tão predestinados à imortalidade quanto Virginia Woolf. Seu pedigree era impecável. Seu pai era um ilustre biógrafo e editor que se casara com a filha mais velha de William Makepeace Thackeray. Seu padrinho era o poeta norte-americano James Russell Lowell (um antepassado de Amy e Robert Lowell), e apenas para acrescentar mais um toque de realeza, sua mãe era descendente de uma das armas de honra de Maria Antonieta. Durante a sua infância passavam pela sua casa luminares artísticos e literários, como Henry James, George Eliot e a fotógrafa Julia Margaret Cameron, tia de sua mãe.

Mas nem tudo era chá com biscoitos, é claro. Quando criança, Virginia e sua irmã Vanessa eram sujeitas aos assédios constantes dos meio-irmãos George e Gerald Duckworth. Sua mãe morreu subitamente de gripe em 1895, e dois anos depois, em 1897, morreu sua meia-irmã, Stella Duckworth. “O golpe, o segundo golpe da morte, atingiu-me”, Woolf escreveu mais tarde, “trêmula, enrugada, sentada com minhas asas ainda presas na crisálida rompida”. A morte de Stella precipitou a primeira de mais de uma dezena de crises nervosas que ela sofreria durante sua vida.

Woolf era maníaco-depressiva em uma época em que ninguém ainda entendia essa doença. Para aqueles que a rodeavam, ela simplesmente tinha uma tendência a intermitentes ataques de insanidade. Tais ataques costumavam coincidir com as grandes mudanças de vida, tal como a morte de seu pai em 1904, ou com períodos de dificuldade criativa. Ela tendia a “enlouquecer”, como ela própria colocava, quando estava perto de completar um romance. Na fase maníaca da sua enfermidade, era conhecida por falar incessantemente. Esse comportamento errático devia deixar chocados aqueles que a conheciam como uma pessoa tímida e reservada.

Outro aspecto da vida íntima de Woolf era o lesbianismo. Embora forjasse vários relacionamentos românticos com homens, está claro que, desde muito cedo, ela preferia as mulheres. Na adolescência, teve uma grande paixão por Violet Dickinson, amiga da família e dezessete anos mais velha do que ela. “Eu queria que você fosse um canguru e que tivesse uma bolsa onde os pequenos cangurus pudessem se esconder”, Woolf escreveu a Violet em uma de suas cartas tipicamente enigmáticas e carregadas de sensualidade. Em outra carta, chamou-a de “bendita gata infernal”, declarando: “Quantos tumultos e guinchos deve haver dentro de você”. Provavelmente Woolf jamais consumou seu relacionamento com Violet, porém, mais tarde, teve um longo caso homossexual com Vita Sackille-West, a inspiração para o seu romance Orlando.

O mais notável relacionamento heterossexual de Woolf, é claro, foi com seu marido, Leonard Woolf, um escritor e intelectual que adorava uma farra. Juntos eles ajudaram a fundar o influente salão literário Bloomsbury. Ele formava um par interessante: Virginia detestava judeus e relações sexuais com homens mais ou menos na mesma medida, e Leonard, além de homem, era judeu. Depois de passar alguns anos tentando inutilmente convencer Virginia a fazer sexo com ele, Leonard simplesmente desistiu. Felizmente ambos acreditavam no “casamento aberto” e compartilhavam uma visão igualmente sombria sobre o futuro da humanidade e acabaram formando um dos casais mais estranhamente compatíveis da história literária.

O suicídio era outro interesse que Leonard e Virginia tinham em comum. Convencida de que o mundo iria direto para o inferno e que os socialistas judeus e as lésbicas feministas provavelmente seriam os escolhidos para suportar o apocalipse que se aproximava, o casal passou a estocar gasolina na garagem para o caso de, a qualquer momento, ser necessário que os dois cometessem suicídio inalando a fumaça do escapamento do automóvel. Eles também estocavam doses letais de morfina.

Quando a Segunda Guerra Mundial estourou e os nazistas começaram a bombardear Londres, Woolf perdeu o que parecia ser o seu último parafuso. A casa onde morava foi destruída duas vezes enquanto ela lutava para completar o seu último romance, Entre os atos. Ela e Leonard mudaram-se para a casa de campo que tinham nos arredores de Londres onde, durante o inverno de 1941, sua disposição de espírito ainda mais sombria. Convencida de que estava prestes a “enlouquecer” novamente, Woolf não conseguiu suportar a perspectiva. Na manhã do dia 28 de março ela escreveu cartas de despedidas para o marido e a irmã e saiu da casa, seguindo para o rio Ouse que ficava próximo. Ali, depois de enfiar pedras nos bolsos para mantê-la no fundo, entrou na água e afogou-se. Seu corpo foi encontrado três semanas depois.


Nomes carinhosos

Woolf adorava animais. Quando criança, cercava-se de uma coleção incomum que incluía um esquilo, uma marmota e um ratinho chamado Jacobi. Como se já não bastassem tantas criaturas silvestres à sua volta, ela também gostava de chamar as pessoas por apelidos que lembravam de animais. Escolheu o apelido de “golfinho” para a sua irmã Vanessa que, por sua vez, a chamava de “bode”. Adequadamente, o primeiro ensaio publicado de Woolf foi um obituário para o cão da família.

Tire as mãos do meu busto!

Quando menina, Woolf teve uma altercação com o famoso escultor francês Auguste Rodin. Numa visita ao seu estúdio com um grupo de amigos, ela foi explicitamente instruída a não examinar nenhuma das peças inacabadas que Rodin mantinha ocultas, enroladas com faixas. Ansiosa como sempre por desafiar os limites que lhe eram impostos, Woolf imediatamente começou a desenrolar a faixa de uma das esculturas proibidas. Robin avançou para ela e deu-lhe um tapa no rosto.

Alegres brincadeirinhas

Entre um ataque de nervos e outro Woolf gostava de divertir pintando o rosto de preto e pregando peças na Marinha Britânica. Bem, ela fez isso apenas uma vez – mas causou uma confusão e tanto.
Em 1910 Woolf foi uma das seis pessoas – e a única mulher – por trás do infame Embuste de Dreadnought, que resultou na humilhação pública da Marinha Real Britânica. O esquema envolveu convencer o comandante do HMS Dreadnought de que uma delegação da realeza da Abissínia (atual Etiópia) iria inspecionar seu navio.

Woolf e seus companheiros de brincadeira, então fantasiados com barba falsa, turbantes e mantos alugados e os rostos cobertos de tinta preta, subiram a bordo do navio sem despertar nenhuma suspeita. Distribuíram cartões escritos em suaili (que não é o idioma da Etiópia) e gritavam “bunga bunga” de vez em quando para demonstrar sua animação. Antes de partir, os africanos falsificados até mesmo se deram ao trabalho de prender falsas medalhas no peito de alguns oficiais britânicos.

Depois retornaram à terra firme, onde revelaram a artimanha à imprensa britânica, causando uma imensa consternação na hierarquia naval da nação. Alguns jornais exigiram que os autores da “brincadeira” fossem processados, mas a opinião pública foi mais compreensiva e os perdoou, chegando até mesmo a adotar o “bunga bunga” dos abissínios como uma espécie de bordão nacional. Satisfeito com a diversão, Woolf tranquilamente retomou a sua nascente carreira literária.

Em pé!

Inspirada pela irmã Vanessa, que ficava em pé enquanto pintava, Woolf, até bem tarde em sua carreira, só escrevia nessa posição.

Hardy Har Har

No verão de 1926 Woolf visitou Thomas Hardy, um dos seus antepassados literários, na casa dele em Dorchester. O encontro não transcorreu tão bem quanto o esperado. Hardy, muito esnobe, não parecia absolutamente interessado em discutir questões literárias. Descartou com desdém todas as ponderadas perguntas que Woolf lhe fazia sobre a natureza da poesia, respondendo com banalidades e sem oferecer nenhuma opinião para guiá-la nas atribulações da vida literária. Mas autografou um livro para ela, embora escrevesse seu nome de maneira errada, “Wolff”. Qual foi a reação de Woolf a esse encontro? Teve uma crise nervosa.

Virginia Woof

Está interessado em ler uma pequena biografia canina, no estilo Virginia Woolf? Então dê uma olhada no Flush, a bizarra “vida de cachorro” que Woolf escreveu em 1933 como uma espécie de brincadeira. O cão da raça cocker spaniel que inspirou o título, e a obra, pertencia à poetisa Elizabeth Barrett Browning. Woolf leu sobre Flush nas cartas de Browning ao seu marido, Robert, e “a figura do cão me fez rir tanto que não consegui resistir à idéia de criar uma vida para ele”.

O livro relata extensos – alguns diriam penosos – detalhes sobre os devotados ancestrais do au-au, incorporando material extraído de lendas cartaginenses, de contos bascos e das cortes dos Tudor e Stuart. O mais impressionante é que a história da cauda do spaniel abanando atingiu o coração do público. Flush tornou-se o livro mais vendido de Woolf até aquela data, vendendo cerca de 19 mil cópias em seis meses de publicação. O New York Times chamou-o de “tour de force literária”.

Talvez a única pessoa a ficar decepcionada com toda essa aceitação tenha sido a eternamente deprimida Woolf, pois temia que o livro a rotulasse para sempre como uma “velhota tagarela”. “Tenho um grande desgosto com o sucesso de Flush”, ela declarou.

Quem tem medo de ser processado?

A resposta é Edward Albee. O dramaturgo pediu e recebeu permissão do viúvo de Virginia, Leonard, para usar o nome da falecida esposa no título da sua peça de 1962, Who’s afraid of Virginia Woolf? (“Quem tem medo de Virginia Woolf?”). O título foi extraído de um grafite que Albee certa vez viu rabiscado no espelho do salão de um bar. O dramaturgo inglês Alan Benett respondeu comicamente, em 1978, com uma peça intitulada Me – I’m Afraid of Virginia Woolf (“Mim – Eu tenho medo de Virginia Woolf”).

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