O “Sandy Koufax” da literatura mundial, Jerome David Salinger havia
muito tempo dominava a arte de elevar a própria reputação permanecendo
inabordável, indisponível e incomunicável. (Greta Garbo e Howard Hugh também
usaram esse truque inteligente, lá na época deles.) Em termos de volume, as
contribuições de Salinger aos cânones literários foram magros. Porém, poucos
autores podem se equiparar à mística de um escritor que descreveu o simples ato
de ser publicado como “uma terrível invasão à minha privacidade”. Quantos
autores não seriam capazes de matar por uma invasão dessas?
Seu principal romance, é claro, foi O
Apanhador no Campo de Centeio uma obra-prima de alienação adolescente que
ainda tem ressonância com os estudantes insatisfeitos – entre outros tipos
insípidos – até os dias de hoje. O personagem de Holden Caulfield (cujo nome
foi uma homenagem aos atores William Holden e Joan Caulfield) foi amplamente
baseado no próprio Salinger, com o exclusivo Pencey Prep fazendo as vezes da
academia militar Waspy que ele
frequentou.
Uma lista de inimigos expressa em forma de romance, o livro
acidentalmente engraçado forneceu ao seu autor sensível, narigudo e judeu um
fórum onde clamar por uma vingança retórica contra todos aqueles que o fizerem
se sentir um intruso. Depois de escrever mais uns poucos livros adorados pelo
crescente culto às quinquilharias da era Eisenhower, ele isolou-se e nunca mais
publicou nenhum livro.
Seria essa saída de cena produto de uma falta de talento? Nos anos que
se seguiram à publicação do livro, eminências literárias como John Updike,
Alfred Kazin e Leslie Fiedler expressaram sérias dúvidas quanto à obra de
Salinger. Joan Didion rotulou-a de “estúpida”, ridicularizando a “tendência de
Salinger de exaltar a trivialidade essencial em cada um dos seus leitores, sua
predileção por dar instruções de vida”.
Talvez tais comentários fossem apenas do tipo “as uvas estão verdes”.
Afinal, Salinger estava ganhando muito mais dinheiro e obtendo muito mais
atenção do que qualquer um deles. Mas algumas pessoas acreditam que talvez as
críticas o tenham afetado. Ou, talvez, ele estivesse apenas preocupado com a
idéia de nunca mais produzir algo que se igualasse ao seu primeiro sucesso.
Qualquer que tenha sido o motivo, ele se tornou o mais célebre recluso do
mundo.
Mas, quando vem à superfície, Salinger tende a gerar controvérsia. No
início dos anos 1970, ele “juntou os trapos” com a biógrafa de dezoito anos Joyce
Maynard e, sem a menor cerimônia, descartou-a nove meses depois. Ela vingou-se
leiloando as cartas de amor que ele lhe escrevera e lançou um livro “contando
tudo” sobre o relacionamento de ambos.
Em 2000, a filha de Salinger, Margaret, escreveu o seu próprio livro de
memórias, pintando um retrato decididamente pouco lisonjeiro do ícone
literário. Segundo seus relatos, o escritor que cativou uma geração de leitores
com seus contos adolescentes na verdade era um homem autoritário, rabugento e
rígido que bebia a própria urina e agarrava-se a decrépitos estereótipos
raciais extraídos de antigos filmes de Hollywood. “Para meu pai, todas as
pessoas que falam espanhol são lavadeiras porto-riquenhas”, ela escreveu, “ou
os desdentados e sorridentes tipos ciganos dos filmes dos irmãos Marx”.
Quando Margaret ficou noiva de um rapaz negro Salinger quase subiu pelas
paredes, alertando a filha sobre um antigo filme que ele havia assistido no
qual o casamento de uma garota branca com um músico negro gerava consequência
desastrosas.
Recluso em seu esconderijo em New Hampshire, Salinger continua
escrevendo. Segundo relatos, ele possui cofres do tamanho de salas, repletos de
manuscritos prontos ou em progresso. De vez em quando ele divulga a notícia de
que um novo romance talvez seja lançado, mas, invariavelmente, muda de idéia.
Ele se recusa terminantemente a vender os direitos para filmagem de
qualquer uma das suas obras e impediu as poucas adaptações não-autorizadas que
foram feitas. Diz-se que seu testamento contém uma estipulação impedindo que
qualquer pessoa adapte seus romances para o cinema após a sua morte.
Certamente ele não precisa do dinheiro: O Apanhador no Campo de Centeio continua vendendo mais de 250 mil
cópias por ano, inspirando adolescentes angustiados do mundo inteiro. Numa
sórdida reviravolta do destino, a maior criação de Salinger também se tornou o
guia mágico de malucos solitários e assassinos em potencial de todas as partes.
Quando Mark David Chapman atirou em John Lennon em dezembro de 1980, o
assassino foi encontrado carregando uma cópia toda manuseada de O apanhador no campo de centeio. Mais
tarde ele citou Holden Caulfield como sua inspiração pra o crime.
Quando Hollywood deseja demonstrar que um personagem é biruta, como o
personagem de Mel Gibson no filme Teoria
da conspiração, os produtores colocam uma cópia de O apanhador no campo de centeio na estante do sujeito. “Tenho medo
das pessoas que gostam de O apanhador no
campo de centeio”, dizem os roqueiros da banda Too Much Joy em uma canção
de 1991. Você poderia culpá-los por isso?
Diversão em alto mar
O recluso mais famoso do mundo certa vez já foi o rei do “conga”. Em
1941 Salinger trabalhou como diretor de entretenimento a bordo do H. M. S.
Kungshlom, um transatlântico sueco de luxo que transportava ricaço para as Índias
Ocidentais. Mais tarde ele aproveitou essa experiência para escrever o conto Teddy, que se passa em um navio.
Oonático
Em seus vinte anos Salinger namorou Oona O’Neil, filha do dramaturgo
Eugene O’Neil. Salinger achava que eles formavam o par perfeito, mas acabou
sendo passado para trás pelo “Carlitos”. Charlie Chaplin intrometeu-se no
romance e conquistou a jovem Oona. Eles se casaram em pouco tempo, apesar dos
trinta e seis anos de diferença na idade. Enfurecido, Salinger escreveu a Oona
uma carta raivosa e perversa, descrevendo em detalhes sórdidos suas impressões
sobre a noite de núpcias dela com Charlie.
Casei-me com uma nazista
Isso sim é que é ser um judeu autodestrutivo: Salinger sempre se sentiu
desconfortável com sua herança judia, um traço que passou a muitos dos seus
“descendentes” na ficção. Mas talvez seja o único judeu na história que sabida
e voluntariamente se casou com uma nazista. Tudo aconteceu nos últimos meses da
Segunda Guerra Mundial, quando Salinger servia como oficial da contra-inteligência
na Alemanha ocupada.
Encarregado de interrogar alguns oficiais nazistas de baixo-escalão,
Salinger apaixonou-se por uma delas – uma mulher conhecido apenas como Sylvia
(ou “Saliva”, como Salinger a chamava). Anti-semita declarada, Syvia não foi
recebida exatamente de braços abertos pela família dele, quando voltaram para
os Estados Unidos. A união durou apenas uns poucos meses, até que Sylvia correu
de volta para sua terra natal.
Ele também disse que eu devia
atirar em você
Quando O apanhador no campo de
centeio foi escolhido pelo Clube do Livro do Mês, em 1951, a eminente
diretoria da organização teve um problema com o obscuro título do livro.
Solicitando a mudá-lo pelo presidente do clube, Salinger recusou-se friamente.
“Holden Caulfiels não iria gostar disso”, explicou.
Que tal um copo de xixi?
De acordo com sua filha Margaret, Salinger bebia a própria urina, ao que
tudo indica por motivos terapêuticos e não como refresco. A terapia pela urina
tem sido praticada na Índia há mais de cinco milênios e dizem que possui
efeitos fortemente curativos. Pode servir também para branquear os dentes.
Homeopata
Engolir urina era somente um dos aspectos do sistema de medicina
alternativa de Salinger. Ele também envolveu-se com a Cientologia, homeopatia,
acupuntura e Ciência Cristã. Ele se bronzeava em um aparelho feito em casa,
equipado com refletores de metal, até que a pele ficasse marrom escura. Em
outra ocasião, sua dieta macrobiótica o fez ficar com uma estranha tonalidade
esverdeada. De acordo com sua família, o hálito dele era fétido.
Mas praticar medicina alternativa em si mesmo não era o bastante. Sempre
que um dos seus filhos adoecia, Salinger ficava fora de si, recusando-se a
descansar até que encontrasse o exato remédio homeopático para curar a
enfermidade. Ele passava horas analisando os livros de medicina alternativa,
buscando a cura perfeita para um caso de resfriado.
Quando se tratava de acupuntura, o “doutor” Salinger tinha um jeito
ainda mais estranho de dispensar o tratamento. Ele abstinha-se das agulhas em
favor de pontudas cavilhas de madeira. O resultado era a mais pura agonia. Sua
filha Margaret descreveu a sensação “como se tivesse um lápis pontudo enfiado
ne pele”.
Salinger tentou curar o resfriado do seu filho Matthew enfiando uma
dessas cavilhas mágicas nos ossos do dedinho do pé do garoto. A pobre criança
gritava de dor, mas seu pai estava irredutível. “Você, sua mãe e sua irmã têm a
menor resistência à dor que já vi na vida!”, ele esbravejava. Não é de admirar
que as duas crianças começaram a esconder do papai as suas enfermidades.
Caixa de surpresa
Quando não estava atormentando os filhos com remédios malucos, Salinger
gostava de passar um tempo “consigo mesmo” em seu orgasmatron particular.
Chamada de caixa de orgônio, a caixa de madeira e metal para apenas um ocupante
foi inventada em 1930 pelo excêntrico psicanalista Wilhelm Reich e também era
conhecida como Acumulador de Orgônio. Supostamente servia para absorver o
“orgônio”, ou a essência vital do universo. (Também acreditava-se que agia como
poderoso estimulante sexual para a pessoa que ficava lá dentro.)
O aparelho vendeu como pão quente no início dos anos 1950, antes que o
governo norte-americano e declarasse como fraude e mandasse o seu inventor para
a cadeia. (A saber, Reich realmente passou cinco horas conversando com Albert
Einstein. Quando a conversa terminou, ele disse a Einstein: “Agora você entende
porque todos pensam que sou louco”. Einstein respondeu: “E como”.)
O poder do blábláblá
A vida espiritual de Salinger foi bastante variada. Judeu de nascimento,
ele experimentou o Zen-Budismo, Hinduísmo Vedântico e até o cristianismo
carismático. Ao que parece, Salinger ficou tão bem impressionado com uma visita
a um templo carismático na cidade de Nova York que, ao retorna para sua
casa em New Hampshire, começou a falar
em dialetos estranhos. Sua filha o encontrou no quintal da residência da
família arrebatado com o glossolallia,
o mítico idioma antigo que, diz-se, representa o poder do Espírito Santo.
Nós nos veremos no tribunal!
Salinger é um protetor feroz de sua privacidade, muitas vezes usando ou
ameaçando usar processos judiciais para amedrontar prováveis biógrafos. Ele
obteve sucesso quando processou o autor lan Hamilton, para impedi-lo de
republicar suas cartas em uma biografia não-autorizada de 1988.
Quando um cineasta iraniano dirigiu uma adaptação não-autorizada do
romance Franny e Zoe, em 1988,
Salinger e seus advogados impediram o lançamento do filme.
Até suas ameaças de ações legais provaram ser eficientes. Os personagens
Terrence Mann, cujo papel foi desempenhado por James Earl Jones no filme Campo dos sonhos e William Forrester,
com Sean Connery em Encontrando Forrester,
foram baseados em Salinger, porém modificados mais tarde para evitar o litígio.
Meu herói
O filho de Salinger é Mattew Salinger, autor que fez o papel do
super-herói superpatriota do Marvel
Comics, o Capitão América, em um filme de 1990 que foi lançado apenas em
vídeo.
E o ermitão foi embora...
J. D. Salinger morreu aos 91 anos, de causas naturais, em sua casa, segundo
um comunicado oficial emitido por seu filho. Apesar da fama conquistada com o
livro O Apanhador no Campo de Centeio,
lançado em 1951, Salinger vivia voluntariamente em isolamento e se recusava a
dar entrevistas ou ser fotografado há décadas. Ele também não gostava de
receber visitas em sua casa, em uma área praticamente isolada na minúscula
cidade de Cornish, em New Hampshire. Autor de Fanny and Zooney (1961) e Pra
Cima com a Viga, Moçada (1962), entre outros, sua última obra, Hapworth 16, 1924, foi publicada em 1965
na revista New Yorker. Em 1996, uma editora anunciou que iria lançar o romance
em forma de livro, mas isso nunca aconteceu.
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