Seu nome pode ter
sido falso, mas poucos autores foram tão obstinadamente sinceros e autênticos
quanto este, anteriormente conhecido como Samuel Langhorne Clemens. “Mark Twain” foi
apenas mais um dentre os muitos pseudônimos de Clemens, que também escreveu sob
os nomes literários Thomas Jefferson Snodgrass, Rambler, Josh, Sargento Fathom
e W. Epaminondas Adrastus Blab.
Sua alcunha mais
conhecido é derivada do termo náutico “two fathoms deep” (“duas braças de profundidade”),
que ele escolheu durante o tempo em que trabalhou nas barcas a vapor do rio
Mississipi. Embora o rebatizado Mark Twain jamais tivesse mudado o nome
legalmente, transformou o pseudônimo em marca registrada e incorporou-se como
um negócio sob este nome. Essa foi uma das muitas, muitas maneiras com que esse
humorista, satírico e contador de “casos” esteve anos à frente do seu tempo.
Muitos de nós
associam Twain ao Missouri, o seu estado natal, mas na verdade ele odiava o
lugar. Certa vez, comentou: “Se você nasceu em meu estado, o pronuncia Missourah; se não nasceu no meu estado,
pronuncia-o Missouree. Mas, se você
nasceu no meu estado e teve de viver a vida inteira nele, pronuncia misery (miséria)”. Farto dessa vida de
miséria, Twain saiu de casa aos dezoitos anos e nunca mais voltou.
Começou a trabalhar
numa barcaça a vapor, esperando seguir carreira até chegar a capitão, cujo
salário na época era o terceiro melhor país, e convenceu o irmão mais novo,
Henry, a juntar-se a ele. Em maio de 1858, Twain teve um sonho perturbador no
qual via Henry morto, deitado em um caixão de metal. Um mês depois seu pesadelo
se transformou em realidade, pois Henry morreu quando um barco a vapor
explodiu. O incidente – e o presságio do sonho – iria assombrar Twain pelo
resto da vida.
Durante a Guerra
Civil, Twain serviu por um breve período na milícia confederada, mas seria
difícil encontrar um homem menos adequado para ser soldado. Depois de passar
algumas semanas marchando no lugar, ele escapou em direção do Oeste norte-americano,
indo parar em São Francisco, onde conseguiu emprego como jornalista. Sentiu o
primeiro “gostinho” do sucesso literário em 1865, com a publicação do seu conto
A célebre rã saltadora do condado de
Calaveras. Dois livros sobre viagens, The
innocents abroad e Roughing it,
cimentaram a sua crescente reputação como um dos mais atentos observadores da
personalidade norte-americana.
A fim de “faturar”
com esse sucesso recém-encontrado, Twain mergulhou de cabeça no circuito de
palestras. Algumas pessoas, atualmente, chegam ao ponto de chamá-lo de o
primeiro humorista de platéia do mundo. Sua anedotas irreverentes e observações
mordazes sobre a vida na era dourada talvez estejam a uma grande distância de Larry, the cable guy, mas é justo dizer
que Twain inventou o papel do “humorista”, hoje reivindicado por todos, desde
Dave Barry até Bill Maher. Somente isso já teria sido suficiente para assegurar
um lugar de honra ao sarcástico nativo do Missouri na história da cultura
norte-americana. Mas, então, ele foi mais adiante e, ainda por cima, escreveu o
que muitos críticos consideram o romance mais importante da história literária
norte-americana.
O livro As aventuras de Huckleberry Finn gerou
controvérsias desde o momento em que foi publicado, em 1885. Louisa May Alcott
repeliu-o com desgosto, escrevendo uma carta a Twain na qual dizia que “se o
senhor não consegue escrever um livro melhor do que Huckleberry Finn aos nossos jovens, sugiro que não escreva nada”.
Depois, ela fez de tudo para banir a obra em seu estado natal, Massachusetts.
Essa foi proibida, seja por sua (inegável) vulgaridade, seja pelo seu
(discutível) retrato racista dos afro-americanos. A campanha particular de
Alcott teve um efeito previsível: as vendas aumentaram em 300 por cento. Twain
era agora uma celebridade literária autêntica.
No decorrer das
últimas duas décadas da sua vida, Twain estendeu sua fama pelo mundo inteiro.
Ganhou rios de dinheiro no circuito de “palestras após o jantar”, mas dissipou
sua fortuna numa série de maus investimentos, como o “prendedor de cama de
Twain”: um aparelho destinado a impedir que bebês sufocasse com as cobertas na
cama –, talvez uma das piores invenções que já foram apresentadas ao público.
Ele declarou
falência em 1895, recuperou-se, mas teve de lidar com um golpe ainda mais
doloroso quando sua amada esposa, Livy, faleceu em 1904. Twain passou seus
últimos anos disparando seus derradeiros e amargos brados contra a humanidade
com uma virulência especial direcionada à religião organizada.
Quando morreu, em
1910, deixou instruções para a publicação póstuma de alguns de seus textos
mais, digamos, “dedicados aos adultos”. Seria um último “danem-se” aos seus
futuros censores? Ou talvez, tenha sido apenas a maneira de Twain de provar o
que ele próprio certa vez observou: “Creio que jamais nos tornamos real e genuinamente
nós mesmo até estarmos mortos. As pessoas deveriam começar mortas, pois então
ficariam sinceras muito antes”.
Seria pouco dizer
que Mark Twain adorava charutos. Desde a idade de oito anos ele fumava entre
vinte e quarenta “mata-ratos” por dia, até o dia em que morreu. Às vezes
tentava parar, ou reduzir o consumo, mas invariavelmente fracassava. “Parar de
fumar é a coisa mais fácil”, ele certa vez observou. “Conheço bem o assunto,
pois já parei uma centena de vezes”. Frequentemente ele caía no sono com um
charuto aceso preso nos lábios.
Seria de esperar
que um homem com a riqueza e a fama de Twain pelo menos procurasse fumar
charutos de boa qualidade, mas não era assim. Twain fumava charutos mais
baratos mais vagabundos que pudesse encontrar. Seus companheiros de baforadas
nunca se esqueciam de levar seus próprios charutos quando visitavam, para o
caso de Twain lhes oferecer um dos seus.
Um repórter do New
York World fez um comentário a respeito dos charutos “compridos, escuros, de
aparência letal” que Twain ficou fumando durante uma entrevista em 1902. “A
mera aparência deles já obriga um comentário”, o jornalista escreveu. “Você
expressa surpresa pelo fato de que o primeiro não foi culpado de assassinato”.
A veia Twain
Muito antes de
Lenny Bruce e Redd Fox, Twain dominou a arte do working blue (teatralização do profano, do indecente e do obsceno).
Com frequência ele proferia palestras em finais de jantares íntimos para
pequenas platéias, durante as quais expressava as suas opiniões pouco
convencionais a respeito de sexo, flatulência e outros tópicos considerados
tabus.
Em um desses
discursos – Algumas Observações sobre a
Ciência do Onanismo – ele se concentrou na questão da masturbação,
alertando que “Se vocês precisam
perder sua vida sexualmente, não se dediquem demais ao jogo da Mão Solitária”.
Em outras ocasiões, na presença da rainha Elizabeth I, dedicou uma palestra
inteira à idéia de expelir gases.
Talvez a peça de
oratória mais famosa de Twain seja o “Discurso ao Clube do Gigantesco Bacalhau
de Boston”, uma obra-prima de sátira obscena moldada como uma ponderada defesa
da genitália masculina de tamanho abaixo da média. “Falho em ver qualquer
mérito especial em um pênis cujo tamanho é maior que o normal”, Twain falou aos
membros do clube, cujos “gigantescos bacalhaus” ele também ridicularizou em
versos. Prosseguiu confessando que certa vez tentara aumentar o tamanho do seu
próprio membro com uma injeção de nitrato de prata, mas que “assim que
conseguir retirá-lo da tipóia” sentiu-se envergonhado e arrependido da decisão.
Patente geral
Twain adorava
bugigangas – construí-las, comprá-las, investir nelas. Era um amigo íntimo de
Nikola Tesla, o engenheiro e inventor sérvio-americano que era ridicularizado
em sua época como um “cientista maluco”. A dupla passava bastante tempo no
laboratório de Tesla, dando tiros na água e montando e remendando inovações científicas.
Twain patenteou
três invenções: uma tira de colete auto-ajustável, um livro de recordações
auto-adesivo para fotos e lembranças e um jogo de memória histórica que, de
acordo com um crítico, “parecia uma mistura de formulário de imposto de renda
com tábua de logaritmos”. Dos três, apenas o livro de recordações rendeu algum
dinheiro.
Twain não tinha
ninguém, exceto a si mesmo, para culpar da sua falta de sucesso. Ele perdeu
algumas oportunidades potencialmente lucrativas bem mais racionais. Embora
tivesse sido um dos primeiros a ter um telefone instalado em sua casa, não quis
investir na invenção de Graham Bell porque acreditava que o ruído de estática
na linha destruiria as chances de aceitação generalizada do aparelho.
Twain também foi um
dos pioneiros a adotar a máquina de escrever. Depois de comprar uma das
primeiras máquinas de datilografia, em 1874, ele passou à história literária
como sendo a primeira pessoa a entregar um manuscrito datilografado (de Life on the Mississippi, em 1883). Dessa
vez ele investiu o dinheiro onde devia – na verdade, todo o seu dinheiro –, mas
montou no cavalo errado. O tipo de aparelho no qual ele colocou toda a sua
fortuna foi um fracasso monumental. (Até se poderia dizer que o esquema de
investimento lhe sugou todo o sangue, pois um de seus colegas investidores foi
Bram Stoker, autor de Drácula.)
Não demorou muito
para que Twain decretasse falência. Acabou vendendo a sua velha máquina de
escrever Remington porque precisava de dinheiro vivo. Para acrescentar um
insulto à injúria, a Remington Typewriter Company aproveitou-se da sua
associação com o famoso escritor em seus anúncios – sem lhe pagar um tostão, é
claro.
Quando grandes autores colidem
Quando se mudou
para Hartford, Connectucut, em 1874, Twain descobriu que tinha como vizinha uma
lenda literária: Harriet Beecher Stowe, autora de A cabana do pai Tomas e a mulher a quem Lincoln creditou a centelha
da Guerra Civil norte-americana. Twain ainda não estava no auge da celebridade,
enquanto Stowe era uma das mulheres mais famosas dos Estados Unidos.
Ainda assim, Twain
era o proprietário da melhor e mais bem montada casa. Sua enorme mansão gótica
continha dezenove cômodos e sete banheiros – cada um deles equipado com o que
era a maravilha das maravilhas modernas: a descarga sanitária. Twain viveu
nessa casa até 1891, quando seu declínio financeiro o obrigou a se mudar para a
Europa.
Amigos dos gatos
Twain adorava
gatos. Na verdade, em seus últimos anos ele chegou a alugar os gatos dos vizinhos
para lhe fazer companhia, durante as longas estadas de verão em New Hampshire.
“Se o homem pudesse ser cruzado com o gato”, certa vez ele observou, “seria uma
melhoria para o homem, mas uma deterioração para o gato”.
Oh, Baby!
Por mais que
gostasse de gatos, Twain detestava os “filhotes” humanos – pelos menos, era o
que dizia. Certa vez, uma amiga estava lhe exibindo o mais novo integrante da
família. “O senhor não adora os bebês, sr. Clemen?”, ela perguntou. “Não, eu os
detesto”, ele respondeu, e contou-lhe uma história sobre quando ele estava se
recuperando de uma doença e o filho de sua irmã subiu em sua cama e o beijou.
“Eu decidi que, se sobrevivesse, mandaria erguer um monumento a Herodes”, Twain
concluiu.
A dieta Mark Twain
Twain acreditava
firmemente no poder de cura do jejum. Quando era atacado por um resfriado ou
febre, ele costumava ficar sem comer por dois dias ou mais, proclamando
notáveis resultados curativos. “Um pequeno jejum pode realmente fazer mais para
um homem doente do que podem os melhores remédios e os melhores médicos”, ele
observou.
Estrela cadente
Twain não era
grande coisa no que se referia a apostas financeiras, mas quando se tratava de
prever a própria morte era um Nostradamus e tanto. Nascido em novembro de 1835,
quando o Cometa Halley foi visível, Twain previu corretamente que iria morrer
quando o cometa retornasse. “Eu vim com o Cometa Halley”, ele declarou em 1909.
“Ele está chegando novamente no ano seguinte e espero partir com ele. Será a
maior frustração da minha vida se eu não me for com o Cometa Halley. Sem
dúvida, o Todo Poderoso deve ter dito: “Agora, aqui estão estas duas
inexplicáveis anomalias; elas vieram juntas, terão de partir juntas”. Dito e
feito, o cometa retornou em abril de 1910, e Twain morreu no dia seguinte.
Quantas lembranças...
Nem todas as invenções
de Twain provaram ser desastrosas. Na verdade, uma das suas criações mais
bem-sucedidas se tornou uma inspiração para donas de casa e colecionadores de memorabilia de todas as partes do mundo.
Em 1873 Twain patenteou o primeiro livro de recordações auto-adesivo, o que o
ajudou a celebrar suas viagens através do globo e também lhe rendeu algum
dinheiro. O livro de recordações de Twain, que vinha também em uma variedade de
capas de couro, vendeu mais de 25 mil cópias.
Margaritaville no Mississippi
Quando não está
procurando o seu saleiro perdido, o cantor/compositor Jimmy Buffett gosta de
encarnar o espírito de Samuel Clemens. O músico nascido no Mississippi
frequentemente inclui citações e paráfrases de Twain nas letras de suas
músicas. Ele escreveu três canções inspiradas no guia de viagens do autor, de
1897, Following the Equator. Buffett
até denominou um cavalo de “Mr. Twain” em seu romance publicado em 2004.
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