“Cultivar o prazer
é o objetivo do homem”, Oscar Wilde afirmou certa vez. E se dispôs a provar o
que dizia, mal completando um dia sequer de trabalho em toda a sua vida. Com
exceção de um breve período de privação de dois anos como editor da revista The Woman’s, o lendário dramaturgo e
criador de frases espirituosas jamais manteve um emprego fixo, o que lhe dava
bastante tempo para compor as mordazes citações pelas quais ficou famoso.
Não é de
surpreender que muitos desses ditos espirituosos se concentrassem no tema da
preguiça. “Estive trabalhando nas provas de um de meus poemas a manhã inteira,
e retirei uma vírgula”, ele declarou em uma ocasião. “À tarde eu a coloquei de
volta”.
Certa vez, um mendigo lhe disse que não tinha trabalha para fazer nem
pão para comer, e ele repreendeu: “Trabalho!” Wilde exclamou. “Por que você
iria querer trabalhar? E pão! Por que você deveria comer pão?” (Para ser justo,
a verdade é que Wilde deu alguns trocados ao pobre homem, ao final dessa
“tirada”.)
Ninguém parecia se
incomodar com a indolência de Wilde, contanto que ele continuasse sendo um dos
mais interessantes acompanhantes para o jantar que já se viu. Ele chegou a essa
excentricidade honestamente, como filho de uma poeta irlandesa nacionalista
ligeiramente maluca e seu marido William, um habilidoso cirurgião especialista
em ouvidos e olhos – tão habilidoso, na verdade, que um tipo de incisão
cirúrgica que recebeu o nome dele é praticada até hoje.
No entanto, fora da
sala de cirurgia o sobrenome Wilde era perseguido pelas controvérsias. Uma das
pacientes do “papai” o processou, acusando-o de tê-la estuprado enquanto ela
estava sob o efeito da anestesia. Ele perdeu a causa – um mau presságio para as
futuras expectativas do jovem Oscar no tribunal.
Na escola, Wilde
sempre foi um pouco, digamos, diferente. Ele se esquiava de todos os esportes
“másculos” e, em vez disso, desenvolveu o gosto por decoração de interiores,
adornando os espaços da sua faculdade com penas de pavão, lírios (sua flor
favorita) e porcelana azul. Talvez ele tenha sido uma das primeiras vítimas
notáveis do que atualmente chamamos de assédio contra os gays.
Diz a lenda que
seus colegas estudantes destruíram seu dormitório e o atiraram no rio Cherwell
para castigá-lo pelo comportamento “estranho”, que talvez incluísse alguma
atividade homossexual. Seja como for, até hoje não está claro como, naquela
época, ele percebeu a sua identidade homossexual.
Em 1884, casou-se
com Constance Lloyd, mas, antes do “grande dia”, passou uma quantidade absurda
de tempo trabalhando nos desenhos de modelos para o vestido de noiva – um
prenúncio de que aquele casamento não seria muito convencional. Pouco tempo
depois de conhecer o seu amante mais duradouro, Robert “Robbie” Ross, em 1886,
Wilde informou Constance que não poderia mais ter relações sexuais com ela por
medo de lhe transmitir sífilis.
Certamente, na
época em que começou a produzir as peças teatrais que estabeleceram a sua
reputação, na década de 1890, Wilde já havia assumido sua homossexualidade
tanto quanto possível pelos padrões vigentes. Por diversão, ele gostava de se
relacionar com “garotos de aluguel” das classes trabalhadoras, em encontros que
ele comparava com “banquetear com as panteras”, mas também teve vários
relacionamentos estáveis. Destes, o mais conturbado foi com Lord Alfred Doglas,
filho do Marquês de Queensbury, famoso pela sua intransigência.
Um rancoroso
homofóbico (antes mesmo que essa palavra existisse), Queensbury teve um ataque
de fúria quando soube do caso de Wilde com o seu filho de vinte e dois anos.
Ele ameaçou bombardear Wilde com nabos podres na noite de estréia da peça A importância de ser prudente e deixou
um cartão com um recado grosseiro, identificando o dramaturgo como “sodomita”.
Instigado por Lord
Alfred, Wilde entrou com um processo por difamação contra Queensbury. Ele
perdeu, e as coisas pioraram a partir daí. Queensbury contra-atacou e o
professor também, acusando Wilde de torpe indecência. Um detetive particular
descobriu evidências do comportamento homossexual de Wilde, e as obras e cartas
pessoais do autor foram usadas como provas contra eles, que foi considerado
culpado e sentenciado a dois anos de trabalhos forçados na Prisão Reading.
(Parado sob a chuva, enquanto esperava o transporte para o xadrez, ele
ironizou: “Se é esta a maneira como a Rainha Vitória trata seus prisioneiros,
ela não merece ter nenhum”.)
O escândalo colocou
um ponto final na carreira de escritor de Wilde e o transformou em persona non grata nos pretenciosos
círculos sociais pelos quais ele antes circulava com tanto desembaraço. A
experiência na prisão fez de Wilde um homem alquebrado, tanto física como
espiritualmente. Sem um tostão, ele imigrou para a França, adotou a alcunha de Sebastian
Melmoth e sobreviveu graças à generosidade dos amigos.
Ironicamente, sua
devoção ao prazer talvez tenha desempenhado um papel importante na sua morte.
Arrancado à força da sua cama na prisão em Reading e obrigado a comparecer ao
serviço na capela, depois de ter implorado para que o deixassem ficar dormindo,
Wilde levou um tombo e bateu a cabeça. Depois de ter sido liberado da prisão,
passou por uma cirurgia para aliviar as dores de cabeça crônicas resultantes do
ferimento.
O médico realizou
uma mastoidectomia usando a famosa “incisão Wilde”, que havia sido criada pelo
pai dele, mas alguma coisa não deu certo, e Wilde protagonizou um caso fatal de
meningite cerebral. Depois de emitir uma última frase espirituosa a respeito do
horroroso papel de parede do seu quarto de hotel – “Um de nós dois terá de sair
daqui” –, ele morreu em Paris no dia 30 de novembro de 1900.
O que Oscar Wilde e
Ernest Hemingway tinham em comum? Pouca coisa, além do gosto que compartilhavam
de vestir trajes femininos. Os dois passaram grande parte da infância usando
roupas de menina sob o comando das suas mães. A mãe de Wilde, Lady Jane, era
uma poetisa excêntrica que gostava de trajar-se com fantasias exóticas, cada
uma delas coroada com um arranjo de cabeça repleto de pedrarias e plumas.
Aparentemente
ansiando por uma companhia para esse tipo de diversão, ela sentia que falhara
ao não ter dado à luz uma menina. Para compensar a frustração, simplesmente
fingia que o pequeno Oscar era uma menina, escondendo-o sob uma variedade de
babados e saiotes vitorianos.
Mas antes que você
chegue a alguma conclusão apressada, não há nenhuma ligação entre tal
comportamento e a homossexualidade – embora isso talvez pudesse explicar um
pouco o comportamento extremamente machista de Hemingway. (Será que alguém
falou em supercompensação?)
Noiva de Drácula
Wilde enfrentou uma
série concorrência pela mão de Florence Balcombe, sua primeira noiva e linda
filha de um tenente-coronel. Bram Stoker, o autor de Drácula, era hóspede constante dos pais de Wilde e presença
permanente no salão literário de Lady Wilde. Em 1878 ele venceu Oscar na
corrida pela mão de Florence. Ao que parece, ela decidiu que um casamento sem
amor com um gay assumido seria menos interessante do que passar o resto da vida
dormindo ao lado do primeiro especialista em vampiros do mundo.
Desdentado
Wilde pode ter sido
um espirituoso lendário, mas não era o homem mais atraente do mundo. O que mais
horrorizava em sua aparência eram os dentes, escuros e fétidos, resultado do
tratamento com mercúrio a que foi submetido para aliviar os sintomas da
sífilis, que ele contraiu no final da adolescência. Durante toda a sua vida
adulta, quando mantinha uma conversa mais próxima, Wilde sempre cobria a boca
com a mão, para evitar que os dentes apodrecidos causassem nojo ao seu
interlocutor.
Oeste selvagem
Oscar Wilde e a
imagem de um cowboy não parecem
combinar muito bem, a não ser que você esteja escolhendo atores para uma nova
versão do grupo Village People. Mas o bombástico irlandês deu-se notavelmente
bem com isso durante a sua passagem de um ano pelo oeste dos Estados Unidos
fazendo palestras, nos anos de 1881 e 1882.
Envolto num casaco
de veludo e punhos de renda, ele apresentou-se diante de grandes e interessadas
platéias em pequena cidades como Leadville, Colorado, onde declarou que os
mineiros locais eram “educados e refinados, quando comparados com as pessoas
que conheci em cidades maiores no Leste”. Também fez um gracejo, referindo-se a
uma placa em um saloon onde ele estivera, que dizia: “Por favor, não atirem no
pianista. Ele está fazendo o melhor que pode”. Wilde afirmou que isso
representava “o único método racional de crítica de arte com o que já deparei”.
Indo para o buraco
Durante a sua turnê
pelos Estados Unidos havia um homem, acima de todos os outros, a quem Wilde
desejava conhecer. Não, não era Walt Whitman, embora os dois tivessem se
conhecido e até trocado um beijo (veja página 82). Era Jefferson Davis,
ex-presidente da Confederação.
Wilde finalmente
teve a sua chance no dia 27 de junho de 1882, quando passou rapidamente pela
cidade de Beauvoir, Mississippi, a caminho de Montgomery, Alabama, onde faria
uma palestra sobre arte decorativa no teatro de ópera local. A dupla,
aparentemente incompatível, acabou tendo muita coisa em comum. Wilde comentou
sobre as similaridades existentes entre o sul-americano e a Irlanda, a sua
terra natal: ambos haviam lutado para conquistar a auto-suficiência e ambos
haviam perdido. Foi mais além e declarou que “os princípios pelos quais
Jefferson Davis e o sul entraram em guerra não podem ser derrotados”.
Quando à palestra,
provou ser algo como um desapontamento. “Uma grande multidão de curiosos
mórbidos irá recebê-lo”, declarou o Selma
Times em um artigo que fazia uma prévia do evento. O Montgomery Advertiser também estava ansioso para ouvir o que o
espirituoso dramaturgo teria a dizer. “Nenhuma dama que tenha ouvido falar
sobre o sr. Wilde não se mostra ansiosa para vê-lo e ouvi-lo; e, diz-se, ele
‘adora o belo sexo’.” Mas as observações do irlandês sobre estética e arte,
fornecidas com um sotaque tão estranho e exótico, foram desperdiçadas com
aquela platéia sulista. “A palestra foi de tal natureza peculiar que deveria
ter sido ouvida para ser bem apreciada”, o Advertiser
resumiu em sua edição seguinte, “e uma sinopse do evento, ou mesmo um breve
esboço, não poderá ser tentada”.
Dorian fica grisalho
Muitos acadêmicos
consideram O retrato de Dorian Gray,
o romance de Wilde sobre um nobre devasso que se utiliza de meios sobrenaturais
para desafiar o processo de envelhecimento, como uma semi-autobiografia. Wilde,
certamente, chegava a extremos para disfarçar os cabelos grisalhos. Na verdade,
as tinturas que ele usava para colorir os cachos esvoaçantes desencadearam uma
grave doença de pele, que lhe provocou coceiras enlouquecedoras no rosto,
braços, peito e costa durante toda a última década de sua vida.
A Inglaterra está atrás de mim
Durante os
primeiros estágios do seu julgamento por indecência, Wilde ainda se sentia
confiante de que venceria. Certo dia, no Piccadilly Circus, ele encontrou um
velho amigo que pareceu hesitante em tocar no assunto. Wilde o encorajou: “Você
já soube do meu caso?”, ele perguntou. “Não se preocupe. Tudo está bem. As
classes trabalhadoras estão do meu lado... como um rapaz”.
Um homem reabilitado
Depois que saiu da
prisão, Wilde tentou, uma última vez, provar a sua “decência” ao público
britânico. Ele o amigo Ernest Dowson, um poeta, visitaram um bordel na França.
Somando os recursos de ambos, tinham dinheiro suficiente para que apenas um
deles tivesse uma amostra dos “serviços”. Dowson encorajou Wilde a fazer uma
tentativa, insistindo que a reputação dele poderia ser salva se ele adquirisse
um gosto mais “convencional”, ou seja, heterossexual.
A notícia sobre a visita
se espalhou e logo havia uma pequena multidão reunida em volta da casa de má
fama. Quando Wilde saiu do bordel, relatou a Dowson: “Foi a primeira vez nesses
dez anos e será a última. Foi como comer carne fria”. Depois, dirigindo-se à
multidão: “Mas falem sobre isso na Inglaterra, pois deverá restaurar
completamente o meu caráter!”.
Apenas para membros
A abominação
pública em relação à suposta “perversão” de Wilde perdurou muito depois de sua
morte. Em 1912, um memorial retratando-o como uma esfinge voadora foi erguido
no local da sua sepultura, no famoso cemitério Pére Lachaise em Paris. Mas o
enorme falo da escultura aparentemente escandalizou um anônimo visitante do
cemitério que, armado de um martelo, arrancou-o com uma pancada. (Mais tarde,
os funcionários do cemitério recolheram o “piu-piu” quebrado e usaram-no como
peso de papel.) A esfinge permaneceu
assexuada até o ano 2000, quando o artista multimídia Leon Johnson patrocinou
uma prótese peniana de prata e a fixou na destruída virilha de Wilde durante
uma cerimônia de quarenta minutos, apropriadamente intitulada de Re-membrado Wilde.
No quarto com Depp
No início de sua
carreira o ator Johnny Depp passou uma noite no mesmo quarto de hotel em Paris
onde Wilde havia morrido. “Eu não vi Oscar”, relatou o galã de Hollywood,
embora admitisse que “fiquei um pouco paranoico com a idéia às 4 da madrugada”.
A essa observação, o fantasma de Wilde sem dúvida teria respondido: “Uma pena,
porque você simplesmente não faz o meu tipo”.
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