Ninguém jamais
explorou as profundezas do desespero humano com tanta graça e elegância quanto
T.S. Eliot. Certa vez, V.S Pritchett o descreveu como “um bem aprumado antiboêmio com um chapéu-coco e guarda-chuva
preto, conduzindo-nos a todos aos nossos assentos no Inferno”. Virginia Woolf
achava sua aparência quase irresistivelmente cômica. “Venha para o almoço”, ela
escreveu num convite urgente ao cunhado. “Eliot estará aqui com seu terno de
quatro peças”.
Se Eliot tinha a
aparência de um empertigado bancário é porque ele era exatamente isso. Labutou
duramente por oito anos atrás de uma escrivaninha no Lloyd’s Bank of London,
cuidando de contas estrangeiras enquanto trabalhava em alguns dos mais
revolucionários poemas do século XX.
Claro, tudo isso
não passava de pose. Em primeiro lugar, Eliot não era realmente britânico.
Adotou a cidadania britânica em 1927, mais ou menos na época em que se
converteu à Igreja Anglicana. Ele nasceu em St. Louis, descendente de três
presidentes norte-americanos: Jonh Adams, Jonh Quincy Adams e Rutherford B.
Hayes.
Frequentou a
Universidade de Harvard, a fim de obter o doutorado em filosofia, mas até ele
mesmo admitiu que sua dissertação era “ilegível”. Ele não apareceu para
defender a tese – consequentemente, seu pedido para o doutorado foi rejeitado
pela universidade –, em vez disso, emigrou para Inglaterra e passou a trabalhar
como professor, bancário, editor, crítico e poeta de fama mundial.
Eliot permaneceu
virgem até a idade de vinte e seis anos, o que não deixava de ser surpresa para
quem quer que tenha lido seus primeiros poemas, tal como o The love song of J. Alfred Prufrock. Quando finalmente conheceu
alguém capaz de suportá-lo, os resultados foram desastrosos. Vivien Haigh-Wood
– a “Viv” de “Tom” como ele costumava dizer – era uma mulher alegre e vibrante,
que considerava o reservado Eliot um homem tedioso e inibido. Ela era também
mentalmente instável, costumava traí-lo e talvez fosse viciada em éter. Porém,
exceto por isso, eles se davam muito bem.
Eliot descreveu seu
relacionamento com ela como algo capaz de evocar “o estado de espírito no qual
foi criado o The waste land”– o que
não era exatamente um retrato da felicidade conjugal. Aldous Huxley, amigo do
casal, associou “todo aquele cinza e desespero da poesia de Eliot” à união dele
com Viv. O mais impressionante é que eles ficaram juntos durante dezessete
anos, quando Eliot achou que já aguentara o bastante. Depois que a abandonou,
em 1933, Viv mergulhou na loucura e ficou confinada em um hospital psiquiátrico
durante os últimos nove anos da sua vida. Eliot nunca foi visitá-la.
Por essa época Eliot já havia se tornado um poeta famoso e respeitado,
embora não muito prolífico. Ele concebia seus poemas como “eventos” que
deveriam ser entregues em parcelas ao seu ávido público a cada poucos anos.
Entre eventos como The hollow men e Ash Wednesday, Eliot escrevia ensaios
críticos para diversos jornais literários. Foi nesses ensaios que seus leitores
tiveram um relance dos primeiros sinais do anti-semitismo latente que, antes
disso, não eram revelados em sua postura crítica.
“Motivos de raça e religião se combinam para tornar indesejáveis um grande
número de judeus livre-pensadores”, ele escreveu em uma dessas ladainhas. Tinha
também palavras amáveis a respeito de Hitler e Mussolini. Em pouco tempo os fãs
começaram a rever e analisar seus primeiros poemas em busca de exemplos de
supostas caricaturas e imagens anti-semitas. Lá estavam elas, e ainda
permanecem como uma mancha na sua reputação.
Mesmo assim, Eliot foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em
1948 e acomodou-se no status de ícone com a mesma facilidade com que antes
usava o seu chapéu-coco. A vida ainda apresentava dificuldades, mas eram cada
vez mais do tipo “Sinto muito, não posso fazer a palestra para o seu grupo de
poesia”. “Os anos entre cinquenta e setenta são os mais difíceis”, Eliot
comentou. “Você esta sempre sendo solicitado a fazer coisas, no entanto ainda
não está suficientemente decrépito para recusá-la”.
Na verdade, Eliot recusou muito pouco coisa. Ele se comprazia bastante
com a sua celebridade. Em 1956, mais de quatorze mil pessoas foram assistir à
sua palestra na Universidade de Minnesota – a maior multidão já reunida para um
evento literário. A universidade precisou transferir a palestra para o ginásio
de esportes para acomodar a platéia.
Em outra ocasião, Eliot recebeu o título de cidadão honorário de Dallas,
no Texas, bem como o de xerife honorário do condado de Dallas – o motivo de
tais horarias, ninguém sabe. Nunca alguém soube o motivo.
Ele não ia muito ao cinema, porque, dizia, “os filmes interferem em meus
devaneios”. No entanto era um “gozador” inveterado, que pendurou uma fotografia
de Groucho Marx na sala, ao lado de retratos de seus colegas poetas W. B. Yeats
e Paul Valéry.
Eliot até fez uma nova tentativa no casamento e, já bem tarde na vida,
conquistou a felicidade nos braços de sua antiga e fiel secretária Esmé
Fletcher.
Sendo um hipocondríaco de longa data, Eliot era conhecido por
internar-se no hospital por qualquer bobagem, muitas vezes por nada mais sério
que um pé-de-atleta. No inverno de 1964, porém, um grave caso de enfisema,
devido aos muitos anos em que fumou, finalmente o atingiu e matou no dia 4 de
janeiro de 1965. Ele foi homenageado com uma lápide no Poet’s Corner da Abadia
de Westminster.
Jogo de palavras
Talvez não seja uma observação das mais poéticas, mas Dylan Thomas, contemporâneo
de Eliot, certa vez salientou que “T. S. Eliot” é um palíndromo quase perfeito
da palavra “toilets” (“sanitário”).
O livro de peças do Velho Gambá
Quem diria que o autor de The
waste land gostasse tanto de pregar peças? Apelidado de “Velho Gambá” pelo
seu amigo Ezra Pound, Eliot adorava, preparar “pegadinhas” para seus colegas
escritores que o visitavam, e depois ficava à espreita para observar suas
reações. Suas brincadeiras favoritas incluíam colocar nas cadeiras dos
“escolhidos” almofadas que produziam barulhos estranhos, e o sempre popular
charuto explosivo. Certa vez ele interrompeu uma reunião de diretoria em sua
famosa e tradicional editora quando escondeu um balde cheio de bombinhas entre
as pernas do diretor-presidente.
Meu jantar com Groucho
J. Alfred Prufrock encontrou-se com o capitão Jeffrey T. Spaulding na
noite de 3 de junho de 1964, quando Eliot e Groucho Marx finalmente se
conheceram, depois de um longo período em que trocaram cartas. Os improváveis
amigos haviam iniciado a correspondência cerca de dois anos antes, depois que
Eliot escreveu a Groucho uma carta de fã.
Eles trocaram fotografia – Groucho enviou-lhe a segunda foto quando
Eliot lhe pediu uma em que estivesse portando
o charuto que era a sua marca registrada – e logo progrediram para a fase de
amizade de “Caro Tom” e “Caro Groucho”. Faziam planos para jantares, nas
palavras de Groucho, “para ficar bêbados juntos”, porém nunca haviam conseguido
concretizar tais planos, até uma mágica noite de primavera em Londres.
Poucos dias antes da “festança”, Eliot escreveu a Groucho para confirmar
que enviaria um carro ao hotel do comediante para busca “você e a sra. Groucho”
para jantar. O poeta, deslumbrado com a fama do artista, também comentou que a
visita iminente de Groucho havia “melhorado grandemente o meu crédito com a
vizinhança, especialmente com o vendedor de verduras no outro lado da rua”.
Groucho, de sua parte, “queimou as pestanas”, nos livros de poesia de
Eliot, antecipando uma noite de pretenciosas conversas literárias e, para o
caso de ficar sem assunto, reaproximou-se também do Rei Lear de Shakespeare.
Depois de se recuperar do choque que levou com a aparência física do
velho poeta, então com setenta e cinco anos (ele o descreveu como “alto, esguio
e um tanto curvado para frente... pela idade, doença, ou ambos”), Goucho
acomodou-se com a esposa para o que, ele esperava, seria uma conversa
intelectualmente estimulante, mas estava errado.
Eliot queria apenas conversar sobre os filmes dos Irmãos Marx e chegou
até mesmo a citar frases dos filmes de Groucho que o próprio comediante há
muito tempo esquecera.
Quando Groucho tentou desviar a conversa na direção do The waste land, Eliot limitou-se a
esboçar um sorriso cansado. E as observações dele sobre Shakespeare também
levaram o poeta a um absoluto silêncio.
Antes mesmo que a sobremesa fosse servida, Groucho e a “sra. Groucho” já
estavam procurando o caminho da porta. “Não ficamos até muito tarde”, o
lendário cômico recordou depois, “porque nós dois sentimos que ele não estava
disposto a ter uma longa noite de conversa – especialmente a minha conversa”.
O brinde da Broadway
Quantos poetas podem se gabar de ter ganho ao menos um Prêmio Tony? Pois
Eliot ganhou quatro: dois pela sua peça teatral de 1950, The cocktail party, e dois postumamente, pelo musical Cats, que foi baseado em seu livro de
versos com tema felino Old possum’s book
of practical cats.
Embora os esnobes teatrais amaldiçoem o dia em que Rum tum tugger tomou a Broadway de assalto, Eliot teria ficado
encantado com o sucesso duradouro do espetáculo, pois era fanático por
musicais.
Na verdade, depois de saber que Eartha Kitt havia inserido o nome dele
em uma das suas músicas do New faces of
1952, ele enviou um buquê de rosas para o camarim dela.
Quando Eliot assistiu pela primeira vez à produção original da Broadway
de My fair lady, superou uma antiga
antipatia pelo material que lhe servira de inspiração – “Shaw melhorou muito
com a música”, disse.
Roube este poema
A verdadeira fonte de inspiração do maior poema de Eliot, The waste land, há muito tem sido objeto
de controvérsias. Até recentemente os acadêmicos limitavam-se a argumentar
sobre quanto crédito Ezra Pound, que editou a versão original de Eliot, deveria
receber pelo produto final. Então, em 1995, um acadêmico canadense chamado
Robert Lan Scott afirmou que tanto o título como algumas das imagens no The waste land de Eliot haviam sido
extraídos da obra de um obscuro poeta de Kentucky chamado Madison Cawein.
As evidências eram frágeis e os versos simples e “caseiros” de Cawein
estão a anos-luz de distância da obra de Eliot, mas foi um grãozinho a mais para
aquele que afirmam que Eliot não era nada além de um plagiador inteligente.
Como se estivesse antecipando tais acusações, Eliot certa vez observou que
“poetas imaturos imitam, poetas maduros roubam; maus poetas desfiguram o que
roubaram, e os bons poetas o transformam em algo ainda melhor”.
Você está por conta própria
Os estudantes de literatura inglesa há muito se queixam da natureza
propositalmente obscura da poesia de Eliot. Porém, mesmo quando vivo, o poeta
oferecia pouca ajuda a quem quer que tentasse analisar seu verdadeiro sentido.
Num encontro com o Clube de Poesia de Oxford, um estudante pediu a Eliot
que explicasse o verso Lady, three white
leopards sat under a juniper-tree, do seu poema “Ash wednesday”. “eu quis dizer”, Eliot respondeu, “Senhora, três
leopardos brancos descansaram sob o junípero’”.
Em outra ocasião, um calouro de um universidade norte-americana forneceu
uma longa e elaborada interpretação de uma passagem de um dos Four quartets de Eliot. “Não é isso que
significa?”, o estudante perguntou ao final da sua análise. “Pode muito bem
significar isso”, foi tudo o que Eliot respondeu.
A respeito de um dos seus poemas mais exasperante, The waste land, Eliot certa vez admitiu: “Eu nem mesmo me incomodei
em saber se entendia o que estava dizendo”.
O obscurantismo intencional de Eliot estendia-se até a arena dos
conselhos pessoais. Uma vez o jovem poeta Donald Hall o visitou em Londres,
buscando conselhos sobre como fazer a transição de Harvard para Oxford. “Agora,
que conselho eu posso lhe dar?”, Eliot indagou, portentoso. Após uma adequada
pausa grandiosa, ele forneceu a resposta à sua própria pergunta: “Você tem
alguma ceroula?”.
Nobel orelhudo
Quando estava a caminho de Estocolmo para receber o Prêmio Nobel, em
1948, Eliot submeteu-se a uma entrevista com um repórter não muito letrado.
Indagado sobre por qual de suas obras ele estava sendo premiado, Eliot respondeu
que o Nobel era pelo “corpus inteiro”
(sendo corpus o conjunto da obra). “E
quando o senhor pretende publicá-lo?”, perguntou o inculto repórter. Eliot mais
tarde comentou que “Corpus inteiro”
até que daria um bom título para o seu primeiro romance de mistério.
Homem paciente
Eliot era um jogador de cartas inveterado, embora preferisse sempre
apostas baixas. “Eu nunca aposto alto porque jamais ganho nada”, ele admitiu.
Seus jogos preferidos incluíam pôquer, rummy e heart.
W.H. Auden certa vez abordou-o durante um jogo de paciência no qual ele
parecia estar particularmente absorvido. Quando Auden lhe perguntou por que
desperdiçava seu tempo com uma atividade tão trivial, Eliot respondeu: “Bem,
imagino que esta seja a atividade que mais se aproxima de se estar morto”.
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