Nós adoraríamos fornecer alguns antecedentes biográficos de Thomas
Pynchon, mas tememos o que possa acontecer se o fizermos. Afinal, ele é
obcecado pela privacidade e algumas pessoas até já pensaram que ele fosse o “Unabomber”,
nome dado pelo FBI ao perpetrador de uma série de bombardeios nos Estados
Unidos, entre 1975 e 1995.
Outras tentaram associá-lo com o Branch Davidians,
uma conturbada seita religiosa que pereceu sob as chamas num alojamento perto
de Waco, no Texa, em 1993. Um criativo jornalista até defendeu a idéia de que o
autor celebremente recluso é, na verdade, outro autor celebremente recluso, J.D
Salinger. (A resposta de Pynchon? Um vigoroso “Nada mal. Continue tentando”.)
As alegações de que Pynchon é também Harper Lee até agora não foram
comprovadas, principalmente porque já foram desfeitas.
Embora ele se recuse a ser fotografado, não conceda entrevistas e quase
nunca apareça em público, Pynchon insiste em dizer que não é recluso. Ele
descreve esse termo como “uma palavra código criada pelos jornalistas” porque
“é difícil para os repórteres acreditarem que existem alguém que não queira
falar com eles”.
Muitas das fotos existentes datam da época em que ele serviu
na Marinha, quando provavelmente as palavras “Eu sou Thomas Pynchon e não quero
ser fotografado” tinham um peso menor. Pynchon deve ter se divertido quando
estava na Marinha, porque menciona esse época nas suas primeiras obras. Mas o
que, exatamente, ele fazia? Talvez jamais saibamos. Seus registros de serviço
desapareceram misteriosamente – alguns dizem que a pedido do próprio Pynchon.
Mas um lugar onde Pynchon deixou rastros de papelada foi a Universidade
Cornell, onde manteve um estilo de vida atipicamente não-embriagado para um
universitário. Um colega de classe o descreveu como “um leitor constante – o
tipo que lê livros de matemática por diversão... começava o dia a uma da tarde,
com um prato de espaguete e um copo de refrigerante, e ficava lendo e
trabalhando até as três da madrugada”.
Quando não estava fazendo serão com o
Chef Boyardee, Pynchon tinha aulas com o autor de Lolita, Vladimir Nabokov. Mas os dois não se davam muito bem.
Pynchon não conseguia entender uma palavra do que Nobokov dizia, devido ao seu
carregado sotaque russo, e Nobokov mal percebia a existência de Pynchon. Anos
mais tarde ele nem mesmo se lembrava ter sido professor, embora a esposa de
Nabokov se recordasse da maneira como Pynchon escrevia seus textos à mão,
metade com letras de forma, metade com letras cursivas.
Depois da faculdade, Pynchon trabalhou brevemente como redator técnico
na Boeing Corporation, compilando artigos sobre segurança de mísseis de
superfície ao ar para os boletins da empresa. Foi um desperdício de talento,
mas proveitoso para sua para sua ficção, que é repleta de lengalengas paranoicas
sobre conspirações militares e corporativas.
Em seu tempo livre ele escreveu V,
seu primeiro romance. Com o sucesso do livro veio também a atenção indesejada.
Pynchon mudou-se para o México, onde deixou crescer um bigode e tentou passar
despercebido entre os habitantes locais, que o chamavam de “Pancho Villa”.
Desde que voltou aos Estados Unidos Pynchon tem dividido seu tempo seu
tempo entre Califórnia e Nova York (se é que se pode confiar nos anedotários
das suas aparições). Mais ou menos uma vez a cada dez anos ele fornece uma
gotinha do seu saber aos seus ávidos admiradores, que discutem
interminavelmente se este ou outro romance irá marcar o retorno à forma
estabelecida em O arco-íris da gravidade,
sua obra-prima.
Pynchon não se mantém completamente incomunicável. Ele já apareceu duas
vezes na série de animação Os Simpsons.
Nas duas ocasiões, protagonizou uma insana e assustadora caricatura de si
mesmo, completada com uma sacola na cabeça. Em 1996 ele emergiu do seu bunker para escrever a capa de um álbum
da banda de rock alternativo Lotion. Aparentemente apaixonado pela banda,
Pynchon, segundo relatos, foi aos bastidores de um dos seus shows usando uma
camiseta com estampa de Godzila e declarando sua infinita admiração pela música
que faziam. Embora de início os integrantes sa banda ficassem um tanto assustados
com essa aparição, rapidamente se afeiçoaram ao novo fã e se beneficiaram
enormemente da publicidade que ele gerou.
Onde e de que maneira Pynchon aparecerá outra vez só nos resta
adivinhar. “Por que as coisas deveriam ser fáceis de entender?”, Pynchon certa
vez perguntou, um imponderável sobre o qual ele deve rir em silêncio cada vez
que atira um romance de mim páginas, insanamente opaco, por cima do seu
confiante público. Portanto eis aqui um brinde a você, Tom, por tornar o
trabalho de jornalistas e biógrafos – sem mencionar o dos estudantes de
literatura em inglês – só um pouquinho mais difícil, graças ao seu compromisso
vitalício com a abstenção e ofuscação.
Vovô, o Herege
Séculos antes de O arco-íris da
gravidade um Pynchon já estava criando encrenca com os censores locais.
William Pynchon, ancestral de Thomas Pynchon, foi um dos primeiros
norte-americanos de descendência européia. Ele imigrou da Inglaterra em 1630,
apenas dez anos depois da chegada do Mayflower, a bordo da mesma frota que
trouxe William Hathorne, o tata-tata-tataravô do romancista Nathaniel
Hawthorne. William Pynchon mais tarde serviu como assistente do governador da
colônia de Massachusetts Bay, John Winthrop. No entanto, teve de fugir para a
Inglaterra em 1650, depois que um dos seus tratados religiosos foi denunciado
como herege pelas autoridades puritanas.
Gravidade do “Piu-Piu”
A sobrinha de Pynchon é a cineasta de filmes para adultos Tristan
Taormino, diretora de clássicos da pornografia como House of Ass e Guia
definitivo de sexo anal para mulheres, partes um e dois. A graduada em
Wellesley e colunista de sexo do Village
Voice é considerada pioneira no uso de câmera de mão, chamadas perv cams, que permite em que as
estrelas de filmes eróticos filmem umas às outras sem a interferência do
diretor. Ela possui uma loja on-line de brinquedos eróticos e tem grandes
planos de incluir o tio em seus futuros DVDs.
“Acho que seria fascinante para ele fazer comentários no próximo filme”,
disse Taormino em uma entrevista ao New
York Post em 2006. Os acadêmicos especialistas em Pynchon que aguardam
ofegantes essa aparição terão de esperar até que o autor realmente assista a um
dos filmes da sobrinha. “Ele nunca me pediu para ver um dos meus filmes, e eu
nunca lhe enviei um DVD”, Taormino admite, embora se apresse em salientar as
similaridades que poderiam incitar as futuras colaborações: “Nós dois somos
escritores, e acho que ele se interessa pela cultura pop em geral”.
Página demais? Sim. Ilegível?
Talvez. Mas, obsceno?
Apesar do assoberbante sentimento a favor de Pynchon, o comitê do Prêmio
Pulitzer de 1974 o deixou para trás quando preferiu não conceder prêmio algum
do que honrar O arco-íris da gravidade.
Em desafio à recomendação do comitê de indicação do livro, a diretoria
editorial do Pulitzer rejeitou o romance, considerando-o “exageradamente
escrito”, “túrgido”, “obsceno” e “ilegível”. Pynchon teve de se consolar com um
National Book Award, em vez disso.
Eu me recuso
O início da década de 1970 foi o auge do costume de mandar outras
pessoas para receber prêmios. Em 1973 Marlon Brado despachou Sacheen
Littefeather (nome verdadeiro: Maria Cruz), uma indígena falsificada, para
receber o seu Prêmio da Academia por sua atuação em O poderoso chefão. No ano seguinte, Pynchon superou essa encenação
quando enviou o falso “professor” e acadêmico Irwin Corey para aceitar em seu
nome o prêmio National Book por O
arco-íris da gravidade.
Em seu discurso de agradecimento, o humorista profissional nascido no
Brooklyn, que se auto-rotula “a primeira autoridade do mundo”, referiu-se a
Pynchon como “Richard Python” e agradeceu a Truman Capote, ao premier soviético
Leonid Breshnev e ao “presidente em atuação dos Estados Unidos” Henry Kissinger.
Quase ao final do prolongado discurso outro personagem constante nas cerimônias
de premiação dos anos 1970 – um peladão – correu pelos corredores do Alice
Tully Hall de Nova York.
No dia seguinte o New York Times observou que a cena bizarra “deixou
algumas pessoas explodindo de riso e outras perplexas”. Humm... não muito
diferente dos três últimos romances de Pynchon.
Na próxima semana: J. D.
Salinger como médico!
Para um sujeito que se recusa a fazer aparições públicas, Pynchon
certamente é bem vigilante no que se refere a policiar a própria imagem na
mídia. Nem mesmo as séries da tevê mais tolas escapam à sua atenção. Em 1994
ele recebeu um comunicado de que o John Laroquette Show, da rede NBC, planejava
mostrá-lo em um episódio. Já pressentindo um processo, os produtores enviaram a
Pynchon um roteiro para sua aprovação.
A agente de Pynchon ligou de volta para os produtores com as
modificações sugeridas por Pynchon: “Primeiro, vocês o chama de Tom, e ninguém
nunca o chama de Tom”, ela disse. Além disso, o roteiro apresentava Pynchon
presenteando um amigo com uma camiseta do Willy DeVille. A agente informou que,
embora Pynchon gostasse de Willy DeVille, ele “preferia que fosse uma camiseta
com Roky Erickson, dos 13th Floor Elevators”. Finalmente Pynchon vetou uma cena
que exigia que o ator que o representasse fosse filmado por trás.
A questão mais importante, de por que um dos mais aclamados romancistas
dos Estados Unidos estaria perambulando pela rodoviária de St. Louis, onde foi
encenada essa porcaria de programa, aparentemente não o deixou nada preocupado.
Jim Morrison não morreu
Sim, há um tenebroso lado escuro na cultura pop norte-americana como
você certamente já percebeu. E ninguém mergulhou mais fundo no moderno gótico
americano do que Thomas Pynchon. Num artigo assinado por Douglas McDaniel no
site Desinformation: www.desinfo.com a obra do autor é descrita como “alusiva,
elíptica, absurda e criptográfica”. Segundo McDaniel, “a ficção de Pynchon vai
além das habilidades cognitivas do leitor (...). Pode levar semanas, meses,
anos para que o texto seja decifrado e, mesmo depois, a obra não estará
terminada. Como uma pílula, a ‘pynchomalia’ demora a ser absorvida até que você
sinta os efeitos. Mas aí será tarde demais. Você será um deles”.
É o texto de um fã entusiasmado, é claro. Mas Thomas Pynchon é mesmo um
dos escritores mais originais e influentes da atualidade. Sua sombra é
fascinante detectável na obra de Dan DeLillo e Paul Auster, William Gibson e
Bruce Sterling.
Além disso, Pynchon se esforçou para criar uma lenda em torno de si.
Assim como J. D. Salinger, ele é um recluso que não dá entrevistas nem se deixa
fotografar. Alguns conspirólogos chegam a afirmar que Thomas Pynchon não existe
e que ele é, na verdade, um pseudônimo adotado por Jim Morrison depois que o
roqueiro forjou a própria morte em Paris. Só tem um problema nesta teoria: o
primeiro romance de Pynchon, V, é de
1963, e Morrison morreu em 1970.
Teoria conspiratória
O que diferencia Pynchon de outros escritores góticos é o senso de humor
debochado e irônico. No romance O Leilão
do Lote 49, de 1965, a história gira em torno de um serviço secreto de
correio chamado Trístero, criado na Europa no final do Sacro Império
Romano-Germânico e que evolui, nos Estados Unidos, para um sistema de
comunicação underground entre deserdados, malucos, revolucionários e paranoicos.
A personagem central, Édipa Maas, tem sérias dúvidas se está realmente
desvendando uma conspiração mundial ou envolvida num trote de proporção
colossal. Mas por que tantas pessoas perderiam tanto tempo numa piada tão
elaborada?, questiona a personagem. E, afinal, qual é a graça? A graça está na
engenharia da piada – mas essa é só outra teoria conspiratória.
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