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quarta-feira, dezembro 30, 2015

A vida secreta de Thomas Pynchon (09/MAI/1937 – ...)


Nós adoraríamos fornecer alguns antecedentes biográficos de Thomas Pynchon, mas tememos o que possa acontecer se o fizermos. Afinal, ele é obcecado pela privacidade e algumas pessoas até já pensaram que ele fosse o “Unabomber”, nome dado pelo FBI ao perpetrador de uma série de bombardeios nos Estados Unidos, entre 1975 e 1995. 

Outras tentaram associá-lo com o Branch Davidians, uma conturbada seita religiosa que pereceu sob as chamas num alojamento perto de Waco, no Texa, em 1993. Um criativo jornalista até defendeu a idéia de que o autor celebremente recluso é, na verdade, outro autor celebremente recluso, J.D Salinger. (A resposta de Pynchon? Um vigoroso “Nada mal. Continue tentando”.) As alegações de que Pynchon é também Harper Lee até agora não foram comprovadas, principalmente porque já foram desfeitas.

Embora ele se recuse a ser fotografado, não conceda entrevistas e quase nunca apareça em público, Pynchon insiste em dizer que não é recluso. Ele descreve esse termo como “uma palavra código criada pelos jornalistas” porque “é difícil para os repórteres acreditarem que existem alguém que não queira falar com eles”. 

Muitas das fotos existentes datam da época em que ele serviu na Marinha, quando provavelmente as palavras “Eu sou Thomas Pynchon e não quero ser fotografado” tinham um peso menor. Pynchon deve ter se divertido quando estava na Marinha, porque menciona esse época nas suas primeiras obras. Mas o que, exatamente, ele fazia? Talvez jamais saibamos. Seus registros de serviço desapareceram misteriosamente – alguns dizem que a pedido do próprio Pynchon.

Mas um lugar onde Pynchon deixou rastros de papelada foi a Universidade Cornell, onde manteve um estilo de vida atipicamente não-embriagado para um universitário. Um colega de classe o descreveu como “um leitor constante – o tipo que lê livros de matemática por diversão... começava o dia a uma da tarde, com um prato de espaguete e um copo de refrigerante, e ficava lendo e trabalhando até as três da madrugada”. 

Quando não estava fazendo serão com o Chef Boyardee, Pynchon tinha aulas com o autor de Lolita, Vladimir Nabokov. Mas os dois não se davam muito bem. Pynchon não conseguia entender uma palavra do que Nobokov dizia, devido ao seu carregado sotaque russo, e Nobokov mal percebia a existência de Pynchon. Anos mais tarde ele nem mesmo se lembrava ter sido professor, embora a esposa de Nabokov se recordasse da maneira como Pynchon escrevia seus textos à mão, metade com letras de forma, metade com letras cursivas.

Depois da faculdade, Pynchon trabalhou brevemente como redator técnico na Boeing Corporation, compilando artigos sobre segurança de mísseis de superfície ao ar para os boletins da empresa. Foi um desperdício de talento, mas proveitoso para sua para sua ficção, que é repleta de lengalengas paranoicas sobre conspirações militares e corporativas.

Em seu tempo livre ele escreveu V, seu primeiro romance. Com o sucesso do livro veio também a atenção indesejada. Pynchon mudou-se para o México, onde deixou crescer um bigode e tentou passar despercebido entre os habitantes locais, que o chamavam de “Pancho Villa”.

Desde que voltou aos Estados Unidos Pynchon tem dividido seu tempo seu tempo entre Califórnia e Nova York (se é que se pode confiar nos anedotários das suas aparições). Mais ou menos uma vez a cada dez anos ele fornece uma gotinha do seu saber aos seus ávidos admiradores, que discutem interminavelmente se este ou outro romance irá marcar o retorno à forma estabelecida em O arco-íris da gravidade, sua obra-prima.

Pynchon não se mantém completamente incomunicável. Ele já apareceu duas vezes na série de animação Os Simpsons. Nas duas ocasiões, protagonizou uma insana e assustadora caricatura de si mesmo, completada com uma sacola na cabeça. Em 1996 ele emergiu do seu bunker para escrever a capa de um álbum da banda de rock alternativo Lotion. Aparentemente apaixonado pela banda, Pynchon, segundo relatos, foi aos bastidores de um dos seus shows usando uma camiseta com estampa de Godzila e declarando sua infinita admiração pela música que faziam. Embora de início os integrantes sa banda ficassem um tanto assustados com essa aparição, rapidamente se afeiçoaram ao novo fã e se beneficiaram enormemente da publicidade que ele gerou.

Onde e de que maneira Pynchon aparecerá outra vez só nos resta adivinhar. “Por que as coisas deveriam ser fáceis de entender?”, Pynchon certa vez perguntou, um imponderável sobre o qual ele deve rir em silêncio cada vez que atira um romance de mim páginas, insanamente opaco, por cima do seu confiante público. Portanto eis aqui um brinde a você, Tom, por tornar o trabalho de jornalistas e biógrafos – sem mencionar o dos estudantes de literatura em inglês – só um pouquinho mais difícil, graças ao seu compromisso vitalício com a abstenção e ofuscação.

Vovô, o Herege

Séculos antes de O arco-íris da gravidade um Pynchon já estava criando encrenca com os censores locais. William Pynchon, ancestral de Thomas Pynchon, foi um dos primeiros norte-americanos de descendência européia. Ele imigrou da Inglaterra em 1630, apenas dez anos depois da chegada do Mayflower, a bordo da mesma frota que trouxe William Hathorne, o tata-tata-tataravô do romancista Nathaniel Hawthorne. William Pynchon mais tarde serviu como assistente do governador da colônia de Massachusetts Bay, John Winthrop. No entanto, teve de fugir para a Inglaterra em 1650, depois que um dos seus tratados religiosos foi denunciado como herege pelas autoridades puritanas.

Gravidade do “Piu-Piu”


A sobrinha de Pynchon é a cineasta de filmes para adultos Tristan Taormino, diretora de clássicos da pornografia como House of Ass e Guia definitivo de sexo anal para mulheres, partes um e dois. A graduada em Wellesley e colunista de sexo do Village Voice é considerada pioneira no uso de câmera de mão, chamadas perv cams, que permite em que as estrelas de filmes eróticos filmem umas às outras sem a interferência do diretor. Ela possui uma loja on-line de brinquedos eróticos e tem grandes planos de incluir o tio em seus futuros DVDs.

“Acho que seria fascinante para ele fazer comentários no próximo filme”, disse Taormino em uma entrevista ao New York Post em 2006. Os acadêmicos especialistas em Pynchon que aguardam ofegantes essa aparição terão de esperar até que o autor realmente assista a um dos filmes da sobrinha. “Ele nunca me pediu para ver um dos meus filmes, e eu nunca lhe enviei um DVD”, Taormino admite, embora se apresse em salientar as similaridades que poderiam incitar as futuras colaborações: “Nós dois somos escritores, e acho que ele se interessa pela cultura pop em geral”.

Página demais? Sim. Ilegível? Talvez. Mas, obsceno?

Apesar do assoberbante sentimento a favor de Pynchon, o comitê do Prêmio Pulitzer de 1974 o deixou para trás quando preferiu não conceder prêmio algum do que honrar O arco-íris da gravidade. Em desafio à recomendação do comitê de indicação do livro, a diretoria editorial do Pulitzer rejeitou o romance, considerando-o “exageradamente escrito”, “túrgido”, “obsceno” e “ilegível”. Pynchon teve de se consolar com um National Book Award, em vez disso.

Eu me recuso

O início da década de 1970 foi o auge do costume de mandar outras pessoas para receber prêmios. Em 1973 Marlon Brado despachou Sacheen Littefeather (nome verdadeiro: Maria Cruz), uma indígena falsificada, para receber o seu Prêmio da Academia por sua atuação em O poderoso chefão. No ano seguinte, Pynchon superou essa encenação quando enviou o falso “professor” e acadêmico Irwin Corey para aceitar em seu nome o prêmio National Book por O arco-íris da gravidade.

Em seu discurso de agradecimento, o humorista profissional nascido no Brooklyn, que se auto-rotula “a primeira autoridade do mundo”, referiu-se a Pynchon como “Richard Python” e agradeceu a Truman Capote, ao premier soviético Leonid Breshnev e ao “presidente em atuação dos Estados Unidos” Henry Kissinger. Quase ao final do prolongado discurso outro personagem constante nas cerimônias de premiação dos anos 1970 – um peladão – correu pelos corredores do Alice Tully Hall de Nova York.

No dia seguinte o New York Times observou que a cena bizarra “deixou algumas pessoas explodindo de riso e outras perplexas”. Humm... não muito diferente dos três últimos romances de Pynchon.

Na próxima semana: J. D. Salinger como médico!

Para um sujeito que se recusa a fazer aparições públicas, Pynchon certamente é bem vigilante no que se refere a policiar a própria imagem na mídia. Nem mesmo as séries da tevê mais tolas escapam à sua atenção. Em 1994 ele recebeu um comunicado de que o John Laroquette Show, da rede NBC, planejava mostrá-lo em um episódio. Já pressentindo um processo, os produtores enviaram a Pynchon um roteiro para sua aprovação.

A agente de Pynchon ligou de volta para os produtores com as modificações sugeridas por Pynchon: “Primeiro, vocês o chama de Tom, e ninguém nunca o chama de Tom”, ela disse. Além disso, o roteiro apresentava Pynchon presenteando um amigo com uma camiseta do Willy DeVille. A agente informou que, embora Pynchon gostasse de Willy DeVille, ele “preferia que fosse uma camiseta com Roky Erickson, dos 13th Floor Elevators”. Finalmente Pynchon vetou uma cena que exigia que o ator que o representasse fosse filmado por trás.

A questão mais importante, de por que um dos mais aclamados romancistas dos Estados Unidos estaria perambulando pela rodoviária de St. Louis, onde foi encenada essa porcaria de programa, aparentemente não o deixou nada preocupado.

Jim Morrison não morreu

Sim, há um tenebroso lado escuro na cultura pop norte-americana como você certamente já percebeu. E ninguém mergulhou mais fundo no moderno gótico americano do que Thomas Pynchon. Num artigo assinado por Douglas McDaniel no site Desinformation: www.desinfo.com a obra do autor é descrita como “alusiva, elíptica, absurda e criptográfica”. Segundo McDaniel, “a ficção de Pynchon vai além das habilidades cognitivas do leitor (...). Pode levar semanas, meses, anos para que o texto seja decifrado e, mesmo depois, a obra não estará terminada. Como uma pílula, a ‘pynchomalia’ demora a ser absorvida até que você sinta os efeitos. Mas aí será tarde demais. Você será um deles”.

É o texto de um fã entusiasmado, é claro. Mas Thomas Pynchon é mesmo um dos escritores mais originais e influentes da atualidade. Sua sombra é fascinante detectável na obra de Dan DeLillo e Paul Auster, William Gibson e Bruce Sterling.

Além disso, Pynchon se esforçou para criar uma lenda em torno de si. Assim como J. D. Salinger, ele é um recluso que não dá entrevistas nem se deixa fotografar. Alguns conspirólogos chegam a afirmar que Thomas Pynchon não existe e que ele é, na verdade, um pseudônimo adotado por Jim Morrison depois que o roqueiro forjou a própria morte em Paris. Só tem um problema nesta teoria: o primeiro romance de Pynchon, V, é de 1963, e Morrison morreu em 1970.

Teoria conspiratória

O que diferencia Pynchon de outros escritores góticos é o senso de humor debochado e irônico. No romance O Leilão do Lote 49, de 1965, a história gira em torno de um serviço secreto de correio chamado Trístero, criado na Europa no final do Sacro Império Romano-Germânico e que evolui, nos Estados Unidos, para um sistema de comunicação underground entre deserdados, malucos, revolucionários e paranoicos.

A personagem central, Édipa Maas, tem sérias dúvidas se está realmente desvendando uma conspiração mundial ou envolvida num trote de proporção colossal. Mas por que tantas pessoas perderiam tanto tempo numa piada tão elaborada?, questiona a personagem. E, afinal, qual é a graça? A graça está na engenharia da piada – mas essa é só outra teoria conspiratória.

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