“Sempre gostei de
beber quando não havia ninguém por perto”, Jack London afirmou certa vez. “Eu
bebia quando estava sozinho.” Num universo literário prolífico em beberrões de
escala galáctica (Edgar Allan Poe, Jack Kerouac e Dylan Thomas são alguns
exemplos), o autor de clássico de aventura como Caninos brancos e O grito da
selva talvez tenha sido o mais beberrões de todos.
Quanto ele bebia?
Bem, a sua coletânea de “memória alcoólicas”, John Barleycon, está na lista de leituras recomendadas dos
Alcoólatras Anônimos. London gabava-se aos amigos de que havia começado a
“encher o caneco” aos cinco anos, quando seu padrasto alcoólatra o enviava ao
saloon local para buscar cerveja em um balde. Aos catorze anos ele já bebia como
um velho marinheiro. No auge do alcoolismo, London consumia quase uma garrafa
de uísque por dia, e sofria os efeitos disso na forma de acidentes e períodos
em que perambulava como andarilho.
Certa vez ele ficou
tão “mamado” que cambaleou para fora do cais em Oakland e caiu na baía de San Francisco,
onde ficou flutuando sem rumo até ser resgatado por um pescador grego. Numa
vista ao Japão, London usou e abusou do saquê. Confinado em seu barco no porto
de Yokohama, ficou “entornando” o aguardente de arroz durante uma semana, até
que a polícia local ordenou que fosse embora. Então, aparentemente convencido
de que se estivesse de pileque seria capaz de respirar debaixo d’água,
mergulhou nas águas do porto para fugir dos policiais. As autoridades japonesas
o registraram oficialmente como morto, mas, de algum modo, London conseguiu
encontrar o caminho de volta para o barco.
Um verdadeiro
pioneiro literário, London ajudou a romantizar a imagem do escritor
norte-americano briguento, beberrão e irresponsável, do tipo “que se dane o
mundo”. Teria havido Ernest Hemingway ou um Norman Mailer sem o seu exemplo
agressivamente “macho”? London levou aquela vida desregrada que escritores com
antecedentes mais refinados como, digamos, Hemingway, invejavam e tentavam
imitar.
Ele nasceu de um
relacionamento fora do casamento e cresceu em meio à pobreza do cais de
Oakland, onde sobrevivia como trabalhador ilegal, incluindo um “bico” que fazia
como “pirata de ostras”, roubando os rentáveis moluscos dos criadouros
comerciais na baía de San Francisco. Sob essa fechada rude e grosseira, no
entanto, batia o coração de um sensível homem das letras.
London foi quase
inteiramente autodidata. Como “rato de biblioteca” ele acumulou uma coleção
particular de cerca de quinze mil livros, aos quais se referia como
“ferramentas do seu trabalho”, trabalho este que lhe pagou muito bem e ele se
tornou um dos primeiros escritores best-seller do século XX. A fama,
acompanhada das suas recompensas financeiras, permitiu que London fosse em
busca de aventuras, muitas vezes a bordo do barco construído por ele, o Snark.
Depois de 1905 sua
segunda esposa invariavelmente o acompanhava nessas excursões. Era Charmian
Kittredge, uma mulher “durona” desinibida e endiabrada a quem ele chamava de
“Companheira” e com quem London encontrou seu maior desafio não apenas
intelectual, mas também sexual.
Embora o seu estilo
de vida aventureiro o mantivesse fisicamente em forma, também o deixava exposto
a uma variedade de doenças e enfermidades que foram aos poucos o desgastando,
até levá-lo à morte prematura.
No início dos seus
vinte anos ele perdeu quatro dentes da frente devido ao escorbuto. Contraiu disenteria
e pleurisia quando trabalhava no México, e depois malária no Pacífico Sul.
Durante um cruzeiro para a ilha de Otong Java, suas mãos incharam a ponto de
ficar duas vezes maiores que o tamanho normal, e a pele começou a descasca em
pedaços. Ele foi diagnosticado com pelagra, uma doença comum entre os
marinheiros e causada pela deficiência de vitaminas.
Também foi
atormentado por cálculos renais, reumatismo, herpes, infecção nas bolhas dos
pés, amidalite, insônia, dores nas articulações e uremia. Esta última iria
finalmente derrubá-lo com a idade de quarenta anos. Aos contrários do equívoco
bastante comum, London não cometeu suicídio, mas morreu sucumbido pelos efeitos
cumulativos da sua dieta pobre em vitaminas associada ao consumo de álcool ou
por uma overdose acidental de
morfina, que ele usava para aliviar as dores provocadas pela uremia. Ele está
enterrado onde é hoje o Jack London State Historical Park no condado de Sonoma,
Califórnia.
Nasce uma estrela
London pode ter
nascido na miséria, mas seu sucesso literário estava claramente escrito nas
estrelas – como seu pai poderia atestar. É quase certo que o pai legítimo de
London tenha sido William Chaney, um astuto ex-pirata que se formou a figura
germinal na história da astrologia. Depois de ser convertido ao poder dos
horóscopos pelo pioneiro astrólogo britânico dr. Luke Broughton.
Chaney considerava
os presságios zodiacais como “a mais preciosa ciência já levada ao conhecimento
dos homens” e dedicou-se a popularizá-la. Ele infundiu o rigor acadêmico ao
estudo das estrelas, ensinando e treinando seus seguidores e publicando uma
efeméride, ou mapa, usada para calcular os horóscopos.
Ao que parece, no
entanto, nada nesses mapas lhe disse que ele era o pai de Jack London. Quando
London foi á sua procura, em 1897, Chaney negou a paternidade, afirmando que
estava impotente no período em que London fora concebido. Atualmente, muitos
acadêmicos debatem a veracidade dessa afirmação.
Ladrão de enredos
London foi objeto
de inúmeras acusações de plágio. Era conhecido por extrair elementos de
histórias verdadeiras publicadas nos jornais (uma prática comum na época), ou
simplesmente pagar para que as pessoas lhe fornecessem enredos ou idéias para
histórias, incluindo entre estas o jovem Sinclair Lewis. Há quem diga que ele
também surrupiou as idéias do jornalista irlandês Frank Harris, bem como as do
romancista norte-americano Frank Norris. A defesa mais comum de London, no
entanto, era afirmar que ele e o autor lesado tinham simplesmente se baseado
nas mesmas fontes. Isso deve ter funcionado, pois London nunca foi considerado
culpado das acusações de plágio.
Às trincheiras!
London foi o
primeiro escritor norte-americano a ganhar um milhão de dólares com seus
livros. Ele era também um socialista comprometido – uma contradição que não
passou despercebida entre os seus contemporâneos. “Seria bem-feito a esse
London se as classes trabalhadoras tomassem o controle das coisas”. Mark Twain
certa vez observou. “Ele teria de convocar a milícia para receber seus direitos
autorais”.
Verdade seja dita,
o radicalismo de London não era muito sincero. Ele era conhecido por aparecer
em elegantes jantares festivos usando uma camisa de flanela de operário – porém
uma camisa tão impecavelmente limpa e bem passada que destruía o efeito
desajeitado. Ele assinava suas cartas com um “Seu, pela Revolução”, embora
fizesse muito pouco para iniciar uma.
London de fato se
candidatou duas vezes para o cargo de prefeito de Oakland pelo Partido Socialista.
Na primeira vez, em 1901, obteve 245 votos. Quatro anos depois, aumentou aquele
ínfimo total para 981. Depois disso, nunca mais concorreu.
Febre amarela
Apesar de toda sua
conversa sobre luta de classes e justiça econômica, London era um racista feroz
que nutria um desprezo especial pelos asiáticos. Numa visita ao Japão para
fazer a cobertura da guerra russo-japonesa para os jornais de Hearst em 1904,
ele comentou com um colega que os japoneses “podem ser corajoso, mas os porcos
selvagens sul-americanos também o são quando atacam em bandos”. Os coreanos,
ele escreveu, eram “o tipo perfeito de ineficiência – o da absoluta
inutilidade”. Os chineses escaparam com relativa facilidade. London os elogiou
pela ausência de covardia e pela sua natureza laboriosa.
Porém, num
revoltante ensaio de 1904 intitulado “O
Perigo Amarelo”, London alertou sobre as consequências caso os japoneses
“marrons” e os chineses “amarelos” algum dia unissem suas forças. “A ameaça
para o mundo Ocidental está nas mãos não do pequeno homem marrom”, ele
escreveu, “mas sim nos quatrocentos milhões de amarelos, se os pequenos marrons
se submeterem ao seu comando”.
Então, de que forma
London conciliava tais crenças com a sua plataforma política progressista? Ele
não o fazia. Quando um de seus companheiros do partido socialista salientou que
Marx havia convocado uma revolução para unir os trabalhadores de todas as
nações e raças, London praticamente subiu pelas paredes. “Eu sou primeiro e
acima de tudo um homem branco, e somente depois um socialista!”, esbravejou.
Agente de Satã
Todo estudante
temente a Deus conhece Jack London como o autor de O grito da selva. Porém, entre os satanistas, ele é mais famoso por
um livro que não escreveu. Durante décadas a Igreja de Satã Anton LaVey sustentou
– inexplicavelmente – que London era “Ragnar Redbeard”, pseudônimo do autor da
enfadonha obra Might is rigth, de
1896.
Uma estranha
mistura da teoria evolucionista darwiniana com a filosofia de Friedrich
Nietzche do “super-homem”, Might is right
defende conceitos que qualquer um que esteja familiarizado com as opiniões
políticas de London jamais pensaria em atribuir a ele, tais como, “O forte
sempre deve comandar o fraco em favor da lei primordial” ou “Na ampla malha
racial da terra, os fracos são derrotados”.
Não é de
surpreender que esse livro tenha conquistado a predileção de anarquistas
radicais, satanistas, defensores da supremacia branca, stalinistas e outros
favoráveis a uma ordem social na qual os poderosos subjugam os fracos pela
força. Essa não era exatamente a “praia” de London, mesmo que ele não gostasse
muito dos asiáticos. Embora a verdadeira identidade de Ragnar Readbeard jamais
tenha sido estabelecida, muitos acadêmicos hoje concordam que se tratava de
Arthur Desmond, um escritor neozelandês radical e ativista político (e de barba
ruiva).
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