Lewis Carroll
talvez tenha sido o escritor que mais inspirou músicas de rock psicodélico do
que qualquer outro na história. Basta lembrar White Rabbit, do Jefferson Airplane, I Am The Walrus, dos Beatles, o álbum completo de Donovan, Hurdy gurdy man. (Ei, ninguém disse que estamos falando de
boas músicas de rock psicodélico).
Tudo isso vindo de
um homem que provavelmente jamais ingeriu drogas, que talvez nunca teve um
verdadeiro relacionamento adulto e que passou a maior parte da vida lecionando
matemática em uma pequena igreja inglesa. Ah, e ele também criou uma das mais
adoradas heroínas de livros de histórias para crianças de todos os tempos.
Muito antes de
conhecer Alice, Charles Lutwidge Dodgson era o tímido e gaguejante filho de um
vigário de Daresbury, Cheshire. O terceiro de onze filhos, Charles começou a
escrever bem cedo. E mesmo depois de conquistar o diploma de matemática pela
Christ Church College, em Oxford, continuou escrevendo versos cômicos, alguns
dos quais foram publicados no Comic Times.
Determinado a
manter separadas as carreiras de escritor e matemático, inventou o pseudônimo
literário “Lewis Carroll”, invertendo os dois primeiros nomes, vertendo-os para
o latim e depois traduzindo-os novamente para o inglês. Esse tipo de jogo de
palavras extravagante e inteligente tornou-se a marca característica do seu estilo
literário.
Alto, esguio e
atraente, Carroll teve a vida de um acadêmico enclausurado. Suas principais
vias de escape eram a literatura e a fotografia. Depois que foi nomeado diácono
da igreja, em 1861, presumiu-se que se tornaria um pastor anglicano, mas algo o
impediu de dar esse passo para o ministério.
Em seus diários,
ele fala sobre uma difusa sensação de culpa e pecado, embora não fique claro se
foram esses sentimentos que o impediram de fazer os votos. Mas, certamente, ele
permaneceu devoto. Certa vez irrompeu em lágrimas ao visitar a catedral de
Colônia, e era conhecido por sair de espetáculos teatrais se algo sagrado fosse
profanado no palco.
Em 1862, Carroll
fez uma viagem de navio com amigos, incluindo Alice Liddell, uma garota de dez
anos com quem ele desenvolvera uma amizade insolitamente íntima. Passava o
tempo contando uma história na qual Alice desempenhava o papel principal, e a
garota o instigou a escrevê-la. Originalmente chamada Alice’s adventure underground, ele mudou o título da obra para Alice’s adventures in Wonderland (Alice no país das maravilhas).
Publicado em 1865,
o livro teve um sucesso imediato e fenomenal, gerando a sequência Alice no país do espelho, em 1872.
Repleto de personagens bizarros, como o Chapeleiro Maluco, e trechos de versos
sem sentido, como os Jabberwocky e The walrus and the carpenter, os contos
de Alice eram adorados por legiões de leitores de todas as idades.
O tímido e retraído
Charles Dodgson era agora o renomado escritor de obras infantis Lewis Carroll,
embora ele ainda encontrasse tempo para escrever um ou outro árido tratado de
matemática, principalmente o cativante Dinâmicas
de uma partícula, em 1865.
Carroll continua
escrevendo, fotografando, inventando coisas e ruminando questões matemática pelas
últimas duas décadas de sua vida. Os retratos fotográficos que ele fez atualmente
são considerados como obras muito à frente da sua época embora seus modelos –
meninas na pré-puberdade – tenham levantado algumas dúvidas entre biógrafos.
Carroll era inquestionavelmente
excêntrico. Teve um estilo de vida não-convencional: jamais se casou e,
segundos relatos, jamais estabeleceu quaisquer relacionamentos duradouros com
mulheres adultas. Quando morreu devido à bronquite, em 1898, deixou como legado
uma infindável coleção de personagens pitorescos, situação estranhas e exemplos
alucinantes de jogos de palavras com os quais escritores, músicos e crianças do
mundo inteiro continuam se inspirando até hoje.
Carroll criou mais do
que apenas uma encantadora história infantil. Ele era também um maníaco por
bugigangas e adorava inventá-las em seus momentos de folga. Dentre as novidades
que inventou encontram-se uma caneta elétrica, um novo tipo de depósito
bancário pelo correio, um triciclo, um método para justificar as margens do
lado direito da máquina de escrever e um sistema mnemônico para lembrar nomes e
datas, conhecido como Memoria Technica.
Carroll também teve
a idéia de imprimir o título de um livro na lombada da capa protetora, para que
este pudesse ser facilmente encontrado na estante. Palavra que ele criou e que
continuam em uso até hoje incluem chortle
(combinação de chuckle – risinho – e snort – rir com desdém, ou seja, risinho de desdém) e galumph (gallop – galope – mais triumph
– triunfo, ou seja, triunfo galopante).
Jogador de quebra-cabeças inveterado, Carroll desenvolveu muitos jogos de
cartas e de lógica, melhorou o jogo de gamão e criou o precursor do jogo de
palavras-cruzadas.
Maravilha médica
Os rumores de que
Carrol usava drogas psicoativas foram grandemente exagerados, mas quem poderia
culpá-lo levando-se em conta o seu histórico médico? Você também iria querer
entorpecer a dor se sofresse de calafrios, cistite, lumbago, furúnculos,
eczema, sinusite, artrite, pleurisia, diarreia, laringite, bronquite, eritema,
catarro vesicular, reumatismo, nevralgia, insônia e dores de dente – como
Carroll sofreu em momentos variados.
Ele também tinha
agonizantes enxaquecas crônicas, acompanhadas de alucinações bizarras,
incluindo as “fortificações ambulantes”. Acrescente-se a isso a gagueira que
durou a vida inteira, um possível transtorno de déficit de atenção e a surdez
parcial, e é de admirar que Carroll não tenha sido um fumante de ópio “da
pesada”. Mas quem garante que não foi?
Não se pode soletrar “Charles Dogdson” sem
“Doc”
Juntamente com
outros problemas de saúde, Carroll talvez sofresse também de desordem
obsessivo-compulsiva. Mas, com toda certeza, era extremamente ansioso. Antes de
partir em qualquer viagem, não importava o quão fosse curta, ele mapeava todo o
roteiro e fazia uma estimativa do tempo que levaria para completar cada
estágio. Nada era deixado ao acaso.
Depois ele
calculava exatamente quanto dinheiro seria necessário e guardava a quantia
exata de moedas em cada bolso para pagar passagens, gorjetas de carregadores e
para comprar comida ou bebida.
Quando preparava
chá, insistia para que as folhas ficassem macerando na água quente por exatos
dez minutos, nem mais, nem menos.
Como um “Felix
Unger” do século XIX, Carroll frequentemente impunha aos outros a sua mania
compulsiva por ordem. Quando recebia convidados para jantar, elaborava um mapa
de lugares e depois registrava em seu diário o que cada um dos convidados
escolheria para comer, de modo que “as pessoas não precisem repetir os mesmo
pratos com demasiada frequência”.
Numa visita à
biblioteca, deixou um bilhete na caixa de sugestões com o esquema de um sistema
mais eficiente para organizar os livros.
Certa vez, repreendeu
severamente sua própria sobrinha por ter deixado um livro aberto, virado para
baixo, sobre a cadeira. Ele até mesmo corrigia outros escritores, quando
encontrava pequenos erros matemáticos em suas obras.
Ainda assim, como
muitos excêntricos, Carroll conseguia, de alguma maneira, transforma esses
traços irritantes em uma característica cativante. Ninguém parece ter ficado
incomodado demais com eles. Mas ele também nunca teve de morar com Oscar
Madison.
Ai, minha dor de cabeça!
As aventuras de
Alice teriam sido o subproduto de uma terrível dor de cabeça? Os pesquisadores
da revista médica britânica The Lancet
chegaram a essa conclusão em 1999, quando analisaram as alucinações causadas
pela enxaqueca que Carroll registrou em seus diários.
Imagens recorrente
durante os anos que antecederam a publicação de Alice no país das maravilhas, em 1865, sustentaram a tese de que
“pelo menos algumas das aventuras de Alice foram baseados nas percepções de
aura da enxaqueca de Carroll”.
Pergunte a Alice
A palavra que
começa com “P” continua a assombrar Lewis Carroll mais de um século depois da
sua morte. Ele era pedófilo? O debate se acirra. Obviamente, ele tinha uma
afinidade especial com garotas bem jovens. Tirou centenas de fotografias delas,
ocasionalmente nus (as garotas estavam nuas, não Carroll). Nenhuma das fotografias
representa situações explicitamente sexuais, embora a mãe de ao menos uma
garota tenha ficado assustada o bastante para negar o pedido dele para
fotografar a menina sem a presença de uma acompanhante.
Carroll teve um relacionamento
particularmente próximo com Alice Liddell, a verdadeira modelo do Alice nos país das maravilhas, mas este
se encerou abruptamente em 1863. Ninguém sabe com certeza qual foi o motivo. As
páginas do diário de Carroll desse período foram arrancadas pela família dele –
provavelmente para proteger a sua reputação.
O interesse de
Carroll pela fotografia também cessou bem de repente, em 1880, e ele fala em
seus diários sobre uma persistente sensação de pecado e culpa. Em relação a
quê, ele não diz. Será que estava fazendo algo mais do que tirar fotos?
Alguns biógrafos
recentes afirmam que Carroll não era nada além de uma espécie de Willy Wonk, um
inocente homem infantilizado, fascinado por crianças, mas que nada fazia para
explorá-las ou aproveitar-se delas. Certamente, não existe nenhuma evidência de
que Carroll tivesse tocado em alguém de maneira inadequada. Somente o Coelho
Branco saberia dizer isso com certeza.
Chuck, o Estripador?
O excêntrico criado
de Alice teria realmente sido um assassino serial que odiava as mulheres? Em
seu livro publicado em 1996, Jack, o
estripador, Ligh-hearted friend,
o autor Richard Wallace levanta a hipótese de que Lewis Carroll era um notório
assassino de prostitutas que viveu em Londres na época vitoriana.
Como prova, Wallace
expõe passagens dos textos de Carroll que, ele afirma, contêm anagramas
revelando descrições detalhadas dos crimes do Estripador. Por exemplo, as
linhas de abertura do Jabberwocky de
Carroll, que dizem:
Twas brillig, and
the slithy toves
Did gyre and gimble
in the wabe
All mimsy were the
borogoves,
And the mome raths
outgrabe.
Podem ser reorganizadas
para ficar assim:
Bet I beat my til,
With hand-sword I
slay the evil geder.
A slimey theme;
borrow gloves,
And masturbate the
hog more!
Não fica bem clara
a relação da masturbação do porco com Jack, o Estripador. Tampouco Wallace
admite que Carroll não se encontrava e qualquer parte nas proximidades de
Londres na época dos crimes.
Na verdade, os
erros proliferam em muitos dos anagramas que Wallace afirma ter “decifrado”.
Além disso, há o fato de que os anagramas podem ser delineados de maneira que
façam com que qualquer passagem escrita signifique qualquer coisa, como uma das
biógrafas de Carroll provou, quando reorganizou as letras em uma frase de Winnie the Pooh para revelar que
Chistopher Robin era o verdadeiro “Saucy
Jack”. Se não fosse por isso, sua teoria seria incontestável.
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