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sexta-feira, dezembro 11, 2015

A vida secreta de Honoré de Balzac (20/MAI/1799 - 18/AGO/1850)

“Não sou profundo”, Honoré de Balzac certa vez comentou, “mas bastante largo”. Não fica bem claro se ele fazia uma irônica observação a respeito da sua própria aparência física ou sobre a amplitude intelectual do seu trabalho (ou ambos). Certamente Balzac estava entre os mais gordos grandes romancistas do mundo. Com um metro e sessenta e uma montanha de carne adiposa equilibrada sobre um par de pernas finas, ele era famoso pelo seu apetite gigantescos, pelos trajes excêntricos e comportamento vulgar.
Certa vez, quando jantava em um restaurante em Paris, segundo relatos da época, ele devorou uma dúzia de filés, um pato com nabos, um linguado-da-normandia, duas perdizes e mais de cem ostras. O encerramento constou de uma sobremesa de doze peras e uma variedade de doces, frutas e licores. Seus modos à mesa eram revoltantes. Ele comia direto da faca e espalhava pedaços de alimentos por toda a volta enquanto mastigava. É de admirar que muitas pessoas o considerassem um homem grosseiro, mal-educado e asqueroso? Nascido Honoré Balssa, ele mudou o sobrenome e acrescentou um “de” de aparência aristocrática para convencer as pessoas de que era um nobre.
Porém, o que quer que pensassem a respeito dos seus hábitos pessoais, ninguém deixaria de reconhecer que Balzac foi um dos maiores romancistas do mundo. Sua obra máxima de vários volumes, A Comédia Humana, foi o resultado de uma vida inteira de observações atentas às muitas camadas da sociedade francesa pós-napoleônica. Não foi, entretanto, o resultado da principal ambição da sua vida.
Inicialmente, Balzac imagina-se como um dramaturgo. Mas a sua peça sobre a vida de Oliver Cromwell teve quase tanto sucesso quanto Cromwell em relação ao povo inglês. Um professor universitário que leu a peça aconselhou a mãe de Balzac de que seu filho deveria seguir qualquer carreira, exceto a literatura.
Sem se deixar intimidar, Balzac persistiu. Experimentou a ficção popular, produzindo cinco romances em 1822. Os livros não eram grande coisa, tampouco os pseudônimos sob os quais ele os escrevia. Um deles, “Lord R’Hoone”, era apenas um fraco anagrama do seu primeiro nome. Ainda assim, há algo a se dizer acerca da persistência. Balzac logo estava escrevendo durante cerca de quinze horas por dia, vestido com um traje de monge e engolindo abundantes xícaras de café. (O único estimulante que Balzac não consumia era o tabaco, que considerava debilitante.) Ele reunia material para os seus romances participando de festas, nas quais uma única conversa entreouvida frequentemente serviria para completar a terra de mais um fascículo de A Comédia Humana.
Durante um período de vinte anos Balzac produziu noventa e sete obras, totalizando mais de onze mil páginas. Outras, eram simplesmente estranhas. Tome como exemplo o romance Seraphita, que trata de um anjo hermafrodita que inicia um jovem casal no misticismo em meio aos fiordes da Noruega. A vida pessoal de Balzac era um pouco menos estranha, embora quase tão picante. Tinha relacionamentos íntimos com centenas de mulheres, o que, considerado a sua aparência desprezível e a indiferença à higiene, não deixava de ser uma realização e tanto. E ele gastava todo dinheiro que ganhava.
Convencido do que deveria viver como um aristocrata, Balzac jamais conseguiu nivelar essa ilusão com os seus módicos rendimentos. Como resultado, estava sempre devendo. Já avançado em idade, envolveu-se com uma nobre polonesa que tinha rios de dinheiro – exatamente o tipo de protetora de que ele precisava. Porém, por mais encantada que estivesse com a genialidade dele, até mesmo ela se deu conta de que os hábitos perdulários de Balzac significariam um golpe mortal na sua solvência. Casaram-se alguns meses antes da morte dele, quando sua péssima saúde o transformou em objeto de piedade.
Retornando a Paris depois do casamento, Balzac descobriu que o seu mais antigo e fiel empregado havia enlouquecido durante a sua ausência. “Que presságio!”, lamentou-se. “Jamais sairei vivo desta casa”. E estava certo. Poucos meses depois o seu coração finalmente cedeu aos anos de excessos e dissipação. Até o fim, permaneceu imerso no mundo da sua ficção. Suas últimas palavras – “Mande chamar Bianchon... ele irá me salvar” – foram um apelo ao alter ego do seu médico de A Comédia Humana.
A degeneração do café
O que estimulava a prolífica produção literária de Balzac? Ora, a mesma coisa que ajuda milhões de norte-americanos a atravessar aquelas intermináveis reuniões das nove da manhã: o bom e antiquado java de alta octanagem. O tenso e agitado escritor francês ingeria mais de cinquenta xícaras de café turco, preto e forte, por dia. Numa era pré-Starbucks, esse nível de ingestão exigia uma verdadeira engenhosidade. Quando ele não conseguia obter a sua dose sob a forma líquida, simplesmente moía um punhado de grãos e atirava goela abaixo, num estilo Limbaugh.
“O café tem um grande poder em minha vida”, Balzac admitiu. “Já observei seus efeitos em escala épica.” E também sofria por esses efeitos. As elevadas quantidades de café forte lhe provocavam dores de estômago, contribuíram para a sua pressão alta e o deixaram com o coração aumentado. O envenenamento por café – sem mencionar o estilo de vida normalmente glutão – contribuiu para a sua morte precoce aos cinquenta e um anos.
Degustação às cegas
O café não era a única bebida de Balzac. Ele era também um connaisseur de chás refinados. Um dos seus favoritos chegava até ele por meio de um oficial do governo russo, que o recebia do czar, que, por sua vez, o conseguia pelo imperador da China. A exótica e cara bebida, cultivada pelo método de “cocleita imperial” e transportada em caravanas até a Rússia, era cercada de lendas. Dizia-se que causava cegueira em quem a bebesse. Não era de surpreender que Balzac a reservasse apenas para os amigos mais íntimos. Seu amigo de longa data, Laurent-Jan, degustou a infusão em inúmeras ocasiões, e a cada vez declarava: “Novamente corro o risco de perder a visão – mas, diabos, como vale a pena!”
Um caso de erro de identidade
Existe uma linha muito tênue separando a genialidade da loucura, como poderia atestar um dos companheiros de refeição de Balzac. O famoso naturalista e explorador prússio Friedrich von Humboldt certa vez pediu a um amigo psiquiatra que o apresentasse a um louco genuíno. O médico marcou um almoço com Humboldt, Balzac e um de seus pacientes. Como sempre, Balzac – que estava encontrado Humboldt pela primeira vez – apareceu todo desgrenhado, desarrumado, e ficou tagarelando durante toda a refeição. Conforme transcorria a conversa, Humboldt inclinou-se para o amigo e agradeceu por ele ter lhe apresentado um caso de loucura tão interessante. O psiquiatra teve uma reação de surpresa. “Mas o lunático é o outro”, informou a Humboldt. “O homem para quem você está olhando é Monsieur Honoré de Balzac!”
Haxixe ineficiente
Acompanhado pelo poeta Charles Baudelaire, Balzac experimentou haxixe sob a supervisão de um alienista. O cenário da experiência foi uma magnífica do século XVII com frente para o rio Sena. Mas o resultado não esteve à altura do ambiente sereno. Balzac ficou acabrunhado pelos efeitos da droga, que falhou em incitar as “vozes celestiais” em sua mente, pelas quais estivera esperando. Ele deixou a mansão sentindo-se ligeiramente desapontado pelo fato de que o haxixe não o deixara completamente enlouquecido.
O artista faminto
Embora buscasse o estilo de um nobre, Balzac já conhecera a pobreza. Durante seus anos de “vacas magras”, ele morou num casebre sem aquecimento nem móveis. Sem se deixar abater, o grande escritor providenciou a sua própria decoração de interiores utilizando o poder da imaginação. Ele simplesmente escreveu nas paredes nuas o que desejava estar vendo ali. Numa delas escreveu: “Painel de madeira pau-rosa com cômoda”. Em outra: “Tapeçaria Gobelin com espelho veneziano”. E, acima da lareira vazia: “Pintura de Rafael”.
O esquálido sótão em Paris onde Balzac morava ficava no último andar de um prédio, numa das áreas mais perigosas da cidade. Para um homem com seus apetites, tais condições devem ter sido particularmente árduas. Ele era tão pobre que a maior parte das suas refeições consistia de um pãozinho amanhecido embebido em um copo de água. Um livreiro de Paris certa vez rescindiu sua oferta por um romance de Balzac depois de ver o decrépito apartamento. Em outra ocasião, um ladrão tentou roubá-lo forçando a tranca da sua escrivaninha. Acordando de seu cochilo, Balzac limitou-se a rir. “Que chances você tem de encontrar dinheiro numa escrivaninha à noite”, ele disse, “quando o proprietário legal jamais consegue encontrar algum durante o dia!”.
Substância preciosa
E ainda se fala em retenção de líquidos... Balzac revelou aos amigos que, quando praticava sexo, ele preferia não ejacular, por medo de que isso pudesse esgotar a sua energia criativa. “Carícias e jogos amorosos estariam bem”, um confidente relatou, “mas somente até o ponto da ejaculação. Para ele o esperma significava a emissão da mais pura substância cerebral e portanto a ejaculação seria uma filtragem, uma perda através do membro, de um ato de criação artística em potencial”. Ou, como o próximo Balzac certa vez colocou, depois de atingir o clímax durante uma relação sexual com uma das suas muitas amantes: “Esta manhã eu perdi um romance!”

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