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quarta-feira, dezembro 23, 2015

A vida secreta de Jack London (12/JAN/1876 - 22/NOV/1916)


“Sempre gostei de beber quando não havia ninguém por perto”, Jack London afirmou certa vez. “Eu bebia quando estava sozinho.” Num universo literário prolífico em beberrões de escala galáctica (Edgar Allan Poe, Jack Kerouac e Dylan Thomas são alguns exemplos), o autor de clássico de aventura como Caninos brancos e O grito da selva talvez tenha sido o mais beberrões de todos.

Quanto ele bebia? Bem, a sua coletânea de “memória alcoólicas”, John Barleycon, está na lista de leituras recomendadas dos Alcoólatras Anônimos. London gabava-se aos amigos de que havia começado a “encher o caneco” aos cinco anos, quando seu padrasto alcoólatra o enviava ao saloon local para buscar cerveja em um balde. Aos catorze anos ele já bebia como um velho marinheiro. No auge do alcoolismo, London consumia quase uma garrafa de uísque por dia, e sofria os efeitos disso na forma de acidentes e períodos em que perambulava como andarilho.

Certa vez ele ficou tão “mamado” que cambaleou para fora do cais em Oakland e caiu na baía de San Francisco, onde ficou flutuando sem rumo até ser resgatado por um pescador grego. Numa vista ao Japão, London usou e abusou do saquê. Confinado em seu barco no porto de Yokohama, ficou “entornando” o aguardente de arroz durante uma semana, até que a polícia local ordenou que fosse embora. Então, aparentemente convencido de que se estivesse de pileque seria capaz de respirar debaixo d’água, mergulhou nas águas do porto para fugir dos policiais. As autoridades japonesas o registraram oficialmente como morto, mas, de algum modo, London conseguiu encontrar o caminho de volta para o barco.

Um verdadeiro pioneiro literário, London ajudou a romantizar a imagem do escritor norte-americano briguento, beberrão e irresponsável, do tipo “que se dane o mundo”. Teria havido Ernest Hemingway ou um Norman Mailer sem o seu exemplo agressivamente “macho”? London levou aquela vida desregrada que escritores com antecedentes mais refinados como, digamos, Hemingway, invejavam e tentavam imitar.

Ele nasceu de um relacionamento fora do casamento e cresceu em meio à pobreza do cais de Oakland, onde sobrevivia como trabalhador ilegal, incluindo um “bico” que fazia como “pirata de ostras”, roubando os rentáveis moluscos dos criadouros comerciais na baía de San Francisco. Sob essa fechada rude e grosseira, no entanto, batia o coração de um sensível homem das letras.

London foi quase inteiramente autodidata. Como “rato de biblioteca” ele acumulou uma coleção particular de cerca de quinze mil livros, aos quais se referia como “ferramentas do seu trabalho”, trabalho este que lhe pagou muito bem e ele se tornou um dos primeiros escritores best-seller do século XX. A fama, acompanhada das suas recompensas financeiras, permitiu que London fosse em busca de aventuras, muitas vezes a bordo do barco construído por ele, o Snark.

Depois de 1905 sua segunda esposa invariavelmente o acompanhava nessas excursões. Era Charmian Kittredge, uma mulher “durona” desinibida e endiabrada a quem ele chamava de “Companheira” e com quem London encontrou seu maior desafio não apenas intelectual, mas também sexual.

Embora o seu estilo de vida aventureiro o mantivesse fisicamente em forma, também o deixava exposto a uma variedade de doenças e enfermidades que foram aos poucos o desgastando, até levá-lo à morte prematura.

No início dos seus vinte anos ele perdeu quatro dentes da frente devido ao escorbuto. Contraiu disenteria e pleurisia quando trabalhava no México, e depois malária no Pacífico Sul. Durante um cruzeiro para a ilha de Otong Java, suas mãos incharam a ponto de ficar duas vezes maiores que o tamanho normal, e a pele começou a descasca em pedaços. Ele foi diagnosticado com pelagra, uma doença comum entre os marinheiros e causada pela deficiência de vitaminas.

Também foi atormentado por cálculos renais, reumatismo, herpes, infecção nas bolhas dos pés, amidalite, insônia, dores nas articulações e uremia. Esta última iria finalmente derrubá-lo com a idade de quarenta anos. Aos contrários do equívoco bastante comum, London não cometeu suicídio, mas morreu sucumbido pelos efeitos cumulativos da sua dieta pobre em vitaminas associada ao consumo de álcool ou por uma overdose acidental de morfina, que ele usava para aliviar as dores provocadas pela uremia. Ele está enterrado onde é hoje o Jack London State Historical Park no condado de Sonoma, Califórnia.


Nasce uma estrela

London pode ter nascido na miséria, mas seu sucesso literário estava claramente escrito nas estrelas – como seu pai poderia atestar. É quase certo que o pai legítimo de London tenha sido William Chaney, um astuto ex-pirata que se formou a figura germinal na história da astrologia. Depois de ser convertido ao poder dos horóscopos pelo pioneiro astrólogo britânico dr. Luke Broughton.

Chaney considerava os presságios zodiacais como “a mais preciosa ciência já levada ao conhecimento dos homens” e dedicou-se a popularizá-la. Ele infundiu o rigor acadêmico ao estudo das estrelas, ensinando e treinando seus seguidores e publicando uma efeméride, ou mapa, usada para calcular os horóscopos.

Ao que parece, no entanto, nada nesses mapas lhe disse que ele era o pai de Jack London. Quando London foi á sua procura, em 1897, Chaney negou a paternidade, afirmando que estava impotente no período em que London fora concebido. Atualmente, muitos acadêmicos debatem a veracidade dessa afirmação.

Ladrão de enredos

London foi objeto de inúmeras acusações de plágio. Era conhecido por extrair elementos de histórias verdadeiras publicadas nos jornais (uma prática comum na época), ou simplesmente pagar para que as pessoas lhe fornecessem enredos ou idéias para histórias, incluindo entre estas o jovem Sinclair Lewis. Há quem diga que ele também surrupiou as idéias do jornalista irlandês Frank Harris, bem como as do romancista norte-americano Frank Norris. A defesa mais comum de London, no entanto, era afirmar que ele e o autor lesado tinham simplesmente se baseado nas mesmas fontes. Isso deve ter funcionado, pois London nunca foi considerado culpado das acusações de plágio.

Às trincheiras!

London foi o primeiro escritor norte-americano a ganhar um milhão de dólares com seus livros. Ele era também um socialista comprometido – uma contradição que não passou despercebida entre os seus contemporâneos. “Seria bem-feito a esse London se as classes trabalhadoras tomassem o controle das coisas”. Mark Twain certa vez observou. “Ele teria de convocar a milícia para receber seus direitos autorais”.

Verdade seja dita, o radicalismo de London não era muito sincero. Ele era conhecido por aparecer em elegantes jantares festivos usando uma camisa de flanela de operário – porém uma camisa tão impecavelmente limpa e bem passada que destruía o efeito desajeitado. Ele assinava suas cartas com um “Seu, pela Revolução”, embora fizesse muito pouco para iniciar uma.

London de fato se candidatou duas vezes para o cargo de prefeito de Oakland pelo Partido Socialista. Na primeira vez, em 1901, obteve 245 votos. Quatro anos depois, aumentou aquele ínfimo total para 981. Depois disso, nunca mais concorreu.

Febre amarela

Apesar de toda sua conversa sobre luta de classes e justiça econômica, London era um racista feroz que nutria um desprezo especial pelos asiáticos. Numa visita ao Japão para fazer a cobertura da guerra russo-japonesa para os jornais de Hearst em 1904, ele comentou com um colega que os japoneses “podem ser corajoso, mas os porcos selvagens sul-americanos também o são quando atacam em bandos”. Os coreanos, ele escreveu, eram “o tipo perfeito de ineficiência – o da absoluta inutilidade”. Os chineses escaparam com relativa facilidade. London os elogiou pela ausência de covardia e pela sua natureza laboriosa.

Porém, num revoltante ensaio de 1904 intitulado “O Perigo Amarelo”, London alertou sobre as consequências caso os japoneses “marrons” e os chineses “amarelos” algum dia unissem suas forças. “A ameaça para o mundo Ocidental está nas mãos não do pequeno homem marrom”, ele escreveu, “mas sim nos quatrocentos milhões de amarelos, se os pequenos marrons se submeterem ao seu comando”.

Então, de que forma London conciliava tais crenças com a sua plataforma política progressista? Ele não o fazia. Quando um de seus companheiros do partido socialista salientou que Marx havia convocado uma revolução para unir os trabalhadores de todas as nações e raças, London praticamente subiu pelas paredes. “Eu sou primeiro e acima de tudo um homem branco, e somente depois um socialista!”, esbravejou.

Agente de Satã

Todo estudante temente a Deus conhece Jack London como o autor de O grito da selva. Porém, entre os satanistas, ele é mais famoso por um livro que não escreveu. Durante décadas a Igreja de Satã Anton LaVey sustentou – inexplicavelmente – que London era “Ragnar Redbeard”, pseudônimo do autor da enfadonha obra Might is rigth, de 1896.

Uma estranha mistura da teoria evolucionista darwiniana com a filosofia de Friedrich Nietzche do “super-homem”, Might is right defende conceitos que qualquer um que esteja familiarizado com as opiniões políticas de London jamais pensaria em atribuir a ele, tais como, “O forte sempre deve comandar o fraco em favor da lei primordial” ou “Na ampla malha racial da terra, os fracos são derrotados”.

Não é de surpreender que esse livro tenha conquistado a predileção de anarquistas radicais, satanistas, defensores da supremacia branca, stalinistas e outros favoráveis a uma ordem social na qual os poderosos subjugam os fracos pela força. Essa não era exatamente a “praia” de London, mesmo que ele não gostasse muito dos asiáticos. Embora a verdadeira identidade de Ragnar Readbeard jamais tenha sido estabelecida, muitos acadêmicos hoje concordam que se tratava de Arthur Desmond, um escritor neozelandês radical e ativista político (e de barba ruiva).

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