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terça-feira, dezembro 29, 2015

A vida secreta de Richard Wright (04/SET/1908 – 28/NOV/1960)


“Ele chegou como uma marreta”, escreveu o historiador John Henrik Clarke sobre Richard Wright, “como um gigante saído da montanha com um martelo de forja, escrevendo com um martelo de forja”. Gerações de estudantes norte-americanos conheceram Wright como o martelo de forja que colocou Black boy na relação de livros de leitura obrigatório. Porém, é em seu livro anterior, Native son, e em vários ensaios e contos que a sua reputação literária até hoje se sustenta.

Wright tinha muito em comum com os gigantes da literatura moderna norte-americana. Como Hemingway, foi um expatriado compulsório. Como Faulker, era nativo do Mississippi (e, por incrível que pareça, funcionário dos correios). Mas a cor da pele de Wright, bem como suas crenças políticas radicais, impediram-no de alcançar a estatura dessas duas lendas. Ele passou grande parte da vida buscando um país onde pudesse pendurar o chapéu e ficar um passo adiante do FBI.

Um dos primeiros afro-americanos a conquistar a fama por meio da palavra escrita, Wright cresceu no sul de Crow Smith, onde o simples fato de ter um cartão da biblioteca o deixava marcado como suspeito em meio à comunidade branca. Ainda assim, ele bolou um esquema para obter o cartão e o usava para mergulhar nas obras do seu primeiro ídolo literário, H. L. Mencken.

Com seus olhos abertos para as possibilidades existentes além de Natchez, Mississippi, Wright pegou uma “carona” para fora da cidade assim que chegou á maioridade. Instalou-se em Chicago, onde, pela década seguinte, trabalhou numa agência do correio no South Side e escreveu uma sucessão de contos e poemas bem-aceitos em pequenos jornais e revistas literários.

Em sinal de que a consideração a seu respeito se elevava, Wright foi considerado um dos “doze negros mais ilustres” de 1939 pela Coleção Schomburg de Arte e Literatura Negras da cidade de Nova York.

A publicação de Native son em 1940 provou ser a ruptura criativa e comercial de Wright. A história de um “negro bruto” chamado Bigger Thomas que acidentalmente mata uma mulher branca e paga um preço terrível por isso alçou Wright ao status de ícone quase do dia para noite – e não apenas na comunidade negra.

Como prova definitiva da aceitação geral, Native Son tornou-se a primeira obra de um escritor afro-americano a ser selecionada pelo Clube do Livro-do-Mês. (Para ser justo, é necessário acrescentar que a conservadora diretoria do clube obrigou-o a cortar algumas passagens mais racialmente carregadas de romances.)

Num espaço de poucos meses o ex-funcionário dos correios de Chicago se tornou o mais rico e mais proeminente escritor negros dos Estados Unidos.

Ele também se tornou comunista. Uma atitude bastante popularizada nas profundezas da Grande Depressão – momento em que a agitação esquerdista estava no auge – foi o que iria assombrar Wright pelo resto da sua vida, quando seus temores paranoicos sobre a vigilância de autoridades do governo acabaram se tornando bem reais.

Embora ele tivesse renunciado ao comunismo em 1944 – ele até mesmo escreveu um ensaio de mea culpa intitulado I tried to be a communist – o governo norte-americano nunca permitiu que ele se esquecesse da antiga filiação ao partido. Desde o momento em que se tornou uma figura pública, Wright passou a ser vigiado pelo FBI. A CIA também mantinha arquivos sobre ele. Outros afro-americanos conhecidos eram incumbidos de difamá-lo na imprensa negra. Além de tudo, o fato de Wright ter tido duas esposas brancas – a dançarina de balé Dhima Rose Meadman, em 1939, e a organizadora do Partido Comunista, Ellen Poplar, em 1941 – certamente não agradou muito as autoridades.

Em 1946, cansado da maneira como estava sendo tratado em seu país natal, Wright mudou-se para a França e se tornou um expatriado permanente. Em Paris foi recebido por intelectuais ilustre como Gertrude Stein, Simone de Beauvoir, Jean-Paul e André Gide. Levava uma vida produtiva, unindo-se a diversas organizações radicais e organizando movimentos para a descolonização de países em desenvolvimento. Mas seu trabalho sofreu pelo fato de estar separado da terra onde nascera e da fonte de sua inspiração.

Atualmente poucas pessoas já leram The outsider, Savage holiday ou quaisquer outros livros didáticos e de ensaios que Wright escreveu em seus últimos anos. Até mesmo muito dos seus antigos acólito dos círculos literários negros voltaram-se contra ele.

Na época da sua morte por parada cardíaca, em 1960, Wright estava imerso em dívidas e perdera os favores que havia conquistado nos meios literários. A ausência de uma necropsia e as circunstâncias apressadas da sua cremação – segundo relatos, com uma cópia de Black boy ao seu lado – fizeram circular uma série de teorias conspiratórias sobre a morte dele.

Até hoje algumas pessoas insistem que Wright, que não tinha nenhum histórico de doenças cardíacas, foi assassinado pela amante ou “silenciado” pela CIA, ou ambos. Se assim foi, teria sido um final mais adequado para um escritor que passou a vida inteira fugindo dos seus opressores reais e imaginários.

Autodidata jovem e irado


Não satisfeito com os livros que deveria ler na escola, o adolescente Wright decidiu organizar o seu próprio programa de leituras. Sua primeira parada foi na sede local da rede de bibliotecas públicas de Memphis. Porém, a instituição mantinha uma rígida política de empréstimos de livros somente para brancos. Furioso, Wright voltou para casa e imediatamente compôs uma carta falsa de um fictício patrono caucasiano da biblioteca. “Prezado Senhora”, dizia a nota, “poderia fazer o favor de permitir que este rapaz negro retire livros de H.L. Mencken?”. Em pouco tempo Wright havia completado a leitura das obras constantes na sua lista.

Amigos literários

Quando Wright se casou com a bailarina Dhima Rose Meadman, em 1939, seu amigo e ícone literário afro-americano Ralph Ellison foi o padrinho.

Um “viva!” para Hollywood

Desde o momento em que foi publicado, o livro Native son começou a atrair o interesse dos produtores de Hollywood. Wright resistiu por muito tempo a todas as ofertas de adaptar o romance para as telas. Ele temia que a sua mensagem se perdesse caso a trágica história de Bigger Thomas fosse atenuada para agradar a audiência em massa. Receava também que fosse feitas modificações indiscriminadas no enredo – e tinha bons motivos para isso.

Em 1947 o produtor Joseph Fields, dos estúdios MGM, abordou Wright com a idéia de “recriar” Bigger e todos os personagens afro-americanos do romance como pessoas brancas. Na versão de Field, Bigger seria remodelado como um integrante de um grupo de minoria étnica branca que procura trabalho juntamente com um polonês, um italiano, um negro e um judeu. A idéia deixou Wright tão horrorizado que ele desistiu completamente de Hollywood e passou a analisar as ofertas apenas de produtores europeus.

Com o passar do tempo, Wright encontrou em Pierre Chenal, um cineasta francês, a pessoa que procurava. Chenal concordou em manter o enredo como havia sido escrito, com a condição de que o próprio Wright desempenhasse o papel do personagem principal. Escolher um homem de quarenta e um anos, sem nenhuma experiência como ator, para o papel do protagonista de dezenove anos foi apenas o primeiro de uma série de erros que acabariam corrompendo a produção de baixo orçamento.

Quando o governo dos Estados Unidos pressionou a França para se distanciar do projeto, Cheval viu-se obrigado a relocar toda a operação para a Argentina. Confusões burocráticas, transações duvidosas dos investidores argentinos e a própria incompetência de Chenal acabaram lançando o projeto para muito além do prazo e do orçamento. Milagrosamente o filme ficou pronto e uma pré-estréia de gala foi realizada a bordo de uma aeronave da Pan-American no dia 4 de novembro de 1950.

As expectativas para uma recepção positiva no país natal de Wright eram grandes, mas os Estados Unidos não foram gentis com esse Native son. Antes da estréia do filme o Conselho Estadual de Censores de Nova York ordenou aos distribuidores que cortassem meia hora de filme, que consideravam politicamente pesado demais para as platéias norte-americanas. Essa versão expurgada horrorizou os críticos, que reservaram uma especial vurulência para o desempenho amadorístico de Wright.

Em público, o autor demosntrava não se importar. “Não forneço quaiquer álibis para este filme”, ele comentou. “Bom ou ruim, ele é o que eu queria”. Em particular, contudo, Wright se sentia profundamente envergonhado. Somente anos depois uma versão sem cortes do Native son veioà tona no circuito europeu de festivais de cinema. Mas, então, já era tarde demais para salvar a reputação cinematográfica de Wright.

Com amigos como esses...

Quando morou em Paris, Wright praticamente adotou James Baldwin, um promissor escritor afro-americano quatorze anos mais novo que ele. Baldwin nunca tivera um livro publicado e buscava conselhos e inspiração no autor já bem-estabelacido. Wright, por sua vez, foi muito generoso tanto com seu tempo quanto com seus conselhos.

Infelizmente ninguém disse a Baldwin que a gratidão fazia parte do acordo. Uma das primeiras coisas que ele escreveu, depois de se estabelecer em Paris, foi um ensaio atacado a tradição da ficção de “protesto” na literatura negra contemporanêa. O alvo principal da sua ira? O romance Native son. Imensamente magoado, Wright jamais perdoou Baldwin.

Louco por haicai

Wright foi contaminado com o virus do haicai. Durante a última década de sua vida, quando morava na França, ele compôs mais de quatrocentos desses poemas de apenas três frases, que ele chamava de “teias de aranha”. Estes foram reunidos e publicados postumamente.

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