Não sei de que material é feita a bola de futebol, hoje.
Quando ganhei a minha primeira bola, ela era feita de couro. Tinha uma câmara
dentro, como nos pneus. Enchia-se a câmara de ar com uma bomba de bicicleta – ou
com os pulmões mesmo, naquele tempo se tinha fôlego – e ajeitava-se o mamilo da
câmara dentro do couro da melhor maneira possível, antes de amarrar os cordões
da bola, que tinham cadarços como as chuteiras.
Minha primeira bola tinha o tamanho regulamentar, ou seja, era
uma “número cinco” autêntica. Os locutores de rádio chamavam a bola de futebol
de “a número cinco”, além de “o esférico”, “a pelota”, “ a gorduchinha”, etc. O
couro da bola tinha cor de couro, ou então era um pouco mais vermelho. A bola
pintada de branco só era usada em jogos noturnos, não era a verdadeira. O couro
reluzia.
Hesitava-se muito antes de dar o primeiro chute na bola
nova, pois o couro começaria a ficar arranhado no primeiro toque. Era um
dilema, você não conseguia resistir ao impulso de levar a bola para a calçada e
começar a narrar seus próprios movimentos com ela como um locutor entusiasmado –
“domina a número cinco, atenção, vai marcar, dá de charles... goooool!
Sensacionaaaaaal!” – e ao mesmo tempo queria prolongar ao máximo aquela
sensação do couro novo, intocado, em suas mãos. A compulsão de sair chutando
ganhava.
Depois de dois dias de futebol na calçada, a bola nova
estava irreconhecível. O couro ia empalidecendo como um doente. E a primeira
coisa que desaparecia era o que depois mais perdurava na memória, o cheiro de
novo. Nenhum prazer do mundo se igualava ao do cheiro do couro de uma bola de
futebol recém-desembrulhada latejando em suas mãos. (Ainda não se tinha
descoberto a revistinha de sacanagem do Carlos Zéfiro.)
Imagino que o nosso antepassado que pela primeira vez meteu
a mão no buraco de uma árvore e depois lambeu o mel nos seus dedos tenha tido
uma sensação parecida, a de que a criação é difícil, mas dadivosa, e há mais
doçuras no mundo do que as que se têm em casa.
Quase tão bom quanto o cheiro da primeira bola era correr
atrás dela, mesmo que só fôssemos craques na nossa própria apreciação (“Que
lance, senhoras e senhores!” eu gritava, mesmo que só estivesse fazendo tabela
com a parede). Correr atrás da primeira bola é o que nós todos continuamos
fazendo, tamanhos homens, até hoje. E continua bom. (LFV)
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